28 de mar. de 2018

MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA

Convocatória do Acampamento Terra Livre (ATL) 2018

Nunca como hoje, nos últimos 30 anos, o Estado brasileiro optou por uma relação completamente adversa aos direitos dos povos indígenas. O governo ilegítimo de Michel Temer assumiu uma política declaradamente anti-indígena pondo fim à demarcação e proteção das terras indígenas, acarretando a invasão dessas terras por empreendimentos governamentais e privados. Impulsionou ainda o desmonte das instituições e políticas públicas voltadas aos povos indígenas e está sendo omisso e conivente com as práticas de discriminação e violência de toda ordem contra os povos e comunidades indígenas até mesmo em territórios já regularizados. Medidas administrativas e jurídicas são adotadas para restringir os direitos indígenas. Destacam-se entre estas, além das distintas reformas (trabalhista, previdenciária, privatização de empresas estatais etc.) que atingem toda a população brasileira, o congelamento do orçamento público por 20 anos, por meio da Emenda Constitucional 95, envolvendo o já reduzido orçamento do órgão indigenista. A Advocacia Geral da União, a serviço do governo golpista, institui o Parecer 001 / 17, que pretende generalizar para todas as terras indígenas as condicionantes definidas pelo Supremo Tribunal Federal exclusivamente para a terra indígena Raposa Serra do Sol e ainda querendo consolidar a tese do marco temporal que remete o reconhecimento do direito territorial indígena à data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Convergente com essa política, distintas bancadas anti-indígenas, principalmente as do agronegócio, do fundamentalismo religioso e da mineração, entre outras, se movimentam em torno de dezenas de Projetos de Emenda Constitucional (PECs) como a PEC 215 e Projetos de Lei (PLs) para regredir ou suprimir os direitos indígenas assegurados pela Constituição Federal, com o propósito de legalizar a invasão e usurpação dos territórios indígenas para fins de exploração ilegal dos bens naturais (solos, florestas, recursos hídricos, mineiros, biodiversidade) e a implantação de empreendimentos de infraestrutura (portos, hidrelétricas, estradas, linhas de transmissão) além da expansão das fronteiras agrícolas e da usurpação dos conhecimentos tradicionais. Fazem ainda parte dessa ofensiva do capital e seus comparsas nacionais as práticas de cooptação de lideranças indígenas, a divisão interna de povos e comunidades indígenas, os despejos judiciais e extrajudiciais, a intimidação, perseguição e assassinato de lideranças indígenas.
Por fim, no âmbito do judiciário, preocupa a consolidação e aplicabilidade crescente, principalmente em instâncias inferiores, da tese do marco temporal, a falta de acesso dos povos à justiça e as frequentes reintegrações de posse, em favor de invasores, os despejos extrajudiciais, quando povos indígenas decidem retomar os seus territórios tradicionais. 
CONVOCATÓRIA
Face a esse cenário de barbárie, que atinge não apenas os povos indígenas, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) convoca aos povos e organizações indígenas de todas as regiões do país para a maior mobilização nacional indígena do ano – o Acampamento Terra Livre (ATL) que será realizado em Brasília – DF, no período de 23 a 27 de abril de 2018, com o objetivo de:
Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena – Pela garantia dos direitos originários dos nossos povos“.
O ATL prevê discutir e definir posicionamentos sobre a situação dos direitos fundamentais dos nossos povos no âmbito dos distintos poderes do Estado, principalmente o territorial (demarcação, proteção e sustentabilidade) e sobre as políticas públicas específicas e diferenciadas conquistadas nos últimos anos (saúde, educação, PNGATI, CNPI etc.) bem como sobre o crescente clima de criminalização, violência e racismo institucional contra os nossos povos, comunidades e lideranças indígenas. Isso implicará em nos mobilizarmos e manifestarmos junto aos órgãos e instancias do poder público envolvidos em principio com a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas e a implementação das políticas públicas que nos dizem respeito.
A APIB disponibilizará as condições de logística, infraestrutura e alimentação para acolher as delegações, cabendo portanto às associações, comunidades e organizações indígenas locais e regionais procurarem junto a sua rede de apoiadores e parceiros os meios de transporte para se deslocarem até Brasília. Cada participante não pode esquecer de trazer os seus materiais de uso pessoal (creme dental, sabonete, escova de dentes, prato, copo, talheres, colchonete e agasalhos) e, quem puder, materiais de alojamento (barracas, lonas, cobertores, saco de dormir, redes, mosqueteiros etc.) e contribuição com material de alimentação e higiene não perecível.
As delegações serão recepcionadas a partir da manhã da segunda-feira, 23 de abril, no local do Acampamento a ser informado em outro momento, quando iniciaremos a instalação. As atividades da mobilização acontecerão durante 04 dias intensos, de 23 a 26 de abril, ficando para retornar aos territórios no dia 27.
Recomendamos aos coordenadores das delegações orientarem as lideranças sobre as normas de segurança e a necessidade de se envolverem plenamente nas atividades previstas.
Para outras informações, favor contatar a representação da Apib em Brasília, pelo e-mail apibbsb@gmail.com ou pelo telefone (61) 30345548.

Fonte: APIB

26 de mar. de 2018

FÓRUM ALTERNATIVO MUNDIAL DA ÁGUA

21/03/2018

Águas de março – lutas e resistências dos povos indígenas

Povos indígenas participam do Fórum Alternativo Mundial da Água, em Brasília. “Vamos organizar lutas concretas, desde nossas comunidades e aldeias, para impedir a continuidade e aprofundamento da destruição e contaminação das águas, contra a privatização”, afirma indígena

Alessandra Munduruku, liderança do rio Tapajós, denunciou no Fama as violências dos grandes empreendimentos na Amazônia. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi
POR EGON HECK, SECRETARIADO NACIONAL – CIMI
Os rios são nosso sangue,
A água é sagrada
É nossa mãe
Queremos nossa
Floresta de pé,
Nossos rios limpos!
Estão matando a natureza,
Querem exterminar  nós filhos
Da terra e das águas
Mas nós Munduruku
Não vamos deixar,
Vamos fazer alianças
Com ribeirinhos, quilombolas, pescadores
Vamos lutar juntos,
Com outros países e povos!
As hidrelétricas, ferrovias, mineradoras,
A soja não vão passar,
Nosso sangue vamos derramar
Se for preciso, para o Tapajós
E todos os rios salvar!
Com esta poesia, Alessandra Munduruku, liderança do rio Tapajós, denunciou no Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama), que começou dia 17 e segue até amanhã, 22, em Brasília, o que o governo e as empresas estão fazendo no território de seu povo, no Pará. A indígena convoca todos e todas para uma grande união e luta mundial pela vida, contra o grande capital e seus  projetos de morte.
“Querem nos matar de sede, de fome e com ódio querem exterminar os povos originários dessa terra. Querem contaminar tudo, nossas terras, nossas águas, nossas vidas. Mas nossos guerreiros, nossos encantados e deuses não vão permitir que isso aconteça. Denunciamos esses projetos de morte e anunciamos nossa certeza de que isso não vamos permitir”, diz.
Resistência e luta
“Vamos organizar lutas concretas, desde nossas comunidades e aldeias, para impedir a continuidade e aprofundamento da destruição e contaminação das águas, contra a privatização galopante dos nossos aquíferos, como o Guarani”, afirma representante do povo Guarani. Os participantes Kaiowá e Guarani externaram suas preocupações com a iminência do aquífero ser vendido às grandes corporações mundiais, sendo a Nestlé uma das principais interessadas, enquanto seus territórios continuam sem os territórios demarcados e protegidos.
“Senhores do poder: se desejarem aprofundar a destruição das condições de vida em nosso planeta Terra, Gaia, contaminando nossos territórios, terra água e ar, não esqueçam de deixar vossos caixões preparados, pois terão os sete palmos de chão previstos para os crimes contra a humanidade. Disso, tenham certeza, não escaparão”, enfatiza os Kaiowá e Guarani.
Nesse sentido se expressaram: sentimentos de revolta e indignação.
Enquanto o capitalismo selvagem se reconstrói no mar de lama e sangue derramado pelo mundo afora, vai se gestando e construindo novos caminhos e formas de luta e resistência. Brasília está, nestes dias, sendo também a capital mundial das águas para a morte, com o Fórum Mundial das Águas, dos poderosos, grande capital e governos com sua gana privatista, pela mercantilização e altos lucros; e das águas para a vida, com o Fama.
São milhares de militantes de diversas partes do mundo e do Brasil, que estão em Brasília para se unir ao grito e luta pelas nossas águas e pela vida. Também estão se somando a este fundamental movimento delegações indígenas e de populações tradicionais de todas as regiões do país.
Os povos  originários estão preparando um dossiê e uma carta denúncia elencando as principais violências a que estão submetidos a partir da destruição e negação de seus territórios. No documento, que está sendo construído coletivamente, é enfática a resistência secular e atual, além da disposição de se unirem aos lutadores de todo o mundo para impedir a anunciada catástrofe mundial com a continuidade desse sistema capitalista neoliberal que assola e destrói a vida no planeta.
Um mundo e um Brasil diferentes
Quase duas décadas depois da explosão de revolta e partilha das experiências de luta por mudanças e transformações profundas expressas nos Fóruns Sociais Mundiais, que tiveram suas primeiras três edições realizadas em Porto Alegre, o Brasil é novamente palco de grandes fóruns que oxigenam e trazem esperança de que um outro mundo e Brasil são possíveis e urgentes. Os povos originários estão presentes trazendo suas contribuições a partir de suas sabedorias, religiosidade e cosmovisões. Reafirmação do expressado no documento entregue durante o Terceiro Fórum Social Mundial, em 2003: “Nunca mais um Brasil sem nós, os povos indígenas”.

Movimentos sociais do Brasil e do mundo cerram fileiras contra a privatização e mercantilização das águas. Foto: Laila Menezes/Cimi
No Fama, duas denúncias foram levadas pelos indígenas: as violências e ameaças dos grandes projetos na Amazônia, levadas para diversos espaços do Fórum por Alessandra Munduruku. Os Kaiowá, Guarani e Terena do Mato Grosso do Sul mais uma vez denunciaram a não demarcação de seus territórios, fato esse que desencadeia um mar de violências e mortes. Também ressaltaram e denunciaram as intenções e as tratativas oficiais para a privatização do Aquífero Guarani. Denúncia esta reforçada por expositores do debate.
No Fama, duas denúncias foram levadas pelos indígenas: as violências e ameaças dos grandes projetos na Amazônia
Representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), durante os debates nas atividades desenvolvidas pela Universidade Nacional de Brasília (UNB), e no Parque da Cidade, denunciaram o genocídio anunciado sobre 120 comunidades/povos indígenas em isolamento voluntário, diante do avanço desenfreado de frentes de expansão do agronegócio, mineradoras e madeireiras, nos espaços em que sobrevivem. A qualquer momento poderão ser extintos.
Com um agravante: a Funai sucateada e sem recursos tem desativado postos de vigilância, conforme o presidente do órgão, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas, deixando estas populações ainda mais vulneráveis. O Brasil é o país que tem maior número de povos “isolados” do mundo. A sobrevivência depende de ações urgentes e da solidariedade nacional e internacional. A proteção dos povos indígenas e a demarcação de suas terras são aliadas na luta contra a mercantilização e privatização da água.  

Fonte: Egon Heck, do Secretariado Nacional - Cimi
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22 de mar. de 2018

AGRICULTURA INDÍGENA

As formas de produzir e a agricultura tradicional do povo Apinajé, que habitam na região Norte de Tocantins

 A unidade produtiva do povo Apinajé é a família extensa, dessa forma na hora de realizar serviços nos roçados, todos os membros da família (com exceção das crianças pequenas e idosos) participam. Os homens fazem os roçados. Os serviços de plantar, limpar e colher são tarefas predominantemente femininas, mas os homens também ajudam nestes trabalhos.

No final do período chuvoso entre os meses de maio a julho organizamos mutirões para realizar serviços de derrubada do mato. Após algumas semanas o mato seco é queimado para preparação do terreno. Após a queima do mato, os homens munidos de machados, foices e facões realizam os serviços de coivaras, cortando e ajuntando os pedaços de troncos, galhos e folhas remanescentes para serem queimados, assim fica pronto o terreno para o plantio.


O plantio ocorrem no início da estação chuvosa, no período que vai de outubro a dezembro. As próprias lideranças mulheres tratam de organizar as mutirões para realizar os serviços. Um dia antes uma ou duas lideranças femininas saem de casa em casa convidando as companheiras do mesmo círculo familiar ou vizinhas próximas para ajudar no plantio e limpeza das roças.

Geralmente as mutirões para realizar serviços na roça ocorrem dias após o recebimento de salários, aposentadorias e benefícios do Programa Bolsa Família. Se uma família é influente e bem articulada consegue reunir 30 trabalhadores (as) ou mais, por dia na mesma roça. Nos intervalos são servidos café aos trabalhadores (as) no local de trabalho, nesses momentos alguns contam histórias e outros comentam sobre questões da atualidade das aldeias.
  
Ainda cultivamos uma grande diversidade de espécies leguminosas, tubérculos e frutíferas. As mais importantes são mandioca, batata-doce, macaxeira, milho, feijão, arroz, fava e banana, que são plantados juntos no mesmo roçado, deixando espaçamento entre cada planta. Os serviços de limpeza tem início após a plantação completar um ou dois meses. As vezes antes de plantar é necessário fazer uma carpina rápida. Para limpar nossos roçados, além das foices, facões, enxadas, rastelos, as vezes usamos ainda o fogo. Nunca usamos herbicida ou pesticidas, que são conhecidos como agrotóxicos, nas plantações.
A colheita acontece entre 3 a 6 meses após o plantio. No caso da mandioca somente depois de 18 meses ou mais está pronta para ser colhida. No dia da colheita as mulheres chefes de famílias donas das roças convidam suas parentelas e vizinhanças para colheita. Tudo que a pessoa consegui colher leva para casa. Assim acontece nas roças seguintes. Em todos os momentos de mutirões seja para limpar, plantar ou colher, a própria dona da roça prepara e oferece a alimentação aos trabalhadores.



A colheita da mandioca é um processo mais demorado pois depende de uma estrutura especifica para fabricação da farinha. As casas de farinha são locais aonde a mandioca é processada e transformada em farinha, polvilho ou beiju. Nossas famílias costumam ficar semanas envolvidas no processo de arrancar, raspar, ralar, prensar e torrar a farinha. Depois de pronta o produto é distribuído entre os membros da família e o excedente é comercializado nas cidades próximas.

Nossas roças são diversificadas, sustentáveis e familiar. Ainda geram renda, conhecimentos e renova a flora das capoeiras aonde são implantadas. Algumas espécies da fauna como periquitos, jaós, macacos, caititus, pacas, capivaras e outros roedores são atraídos e vem se alimentar nos roçados, aonde são caçados e abatidos servindo de alimentação para nosso povo. Os produtos que plantamos e colhemos são saudáveis, livres e independentes de agrotóxicos.

O cultivo de roças tradicionais, é uma forma de guardar e conservar a diversidade de sementes tradicionais ou crioulas, importantes para biodiversidade, e para Segurança Alimentar e Nutricional dos povos tradicionais e camponeses. As sementes de batata-doce e mandioca guardadas pelos povos indígenas durante séculos são exemplos concretos.

Em 1985, um Programa da antiga CVRD (atual Mineradora Vale) tentou introduzir a pratica da mecanização na TI. Apinajé, mas não deu certo, pois depende de maquinário, adubos e outros itens que encarecem esse sistema produtivo. A mecanização também degrada o meio ambiente e não permite plantio de diversidades. Atualmente na maioria das comunidades são cultivadas roças de toco no sistema tradicional. Nosso desafio é fazer frente a esses retrocessos e continuar lutando e praticando nossa agricultura familiar, sustentável, livre, saudável e diversificada.  




Terra Indígena Apinajé, 22 de março de 2018

Associação União das Aldeias Apinajé-Pempxà

9 de mar. de 2018

DIREITO À ÁGUA

Águas de março
”Água sagrada e bendita, dai-me licença e inspiração, preciso escrever uma canção, ou quem sabe uma oração, para exaltar tua valiosa existência, desde o momento da criação”

Nesses dias que antecedem a realização do 8º Fórum Mundial da Água - FMA, que será realizado no período de 18 a 23 de março de 2018 em Brasília – DF, alguns veículos de comunicação passaram a divulgar reportagens e entrevistas com especialistas e gestores de órgãos públicos responsáveis pela implementação das políticas dos recursos hídricos. Em suas falas esses gestores estão orientando à população para o uso moderado e racional para não faltar água. Algumas rádios ainda estão veiculando em suas programações campanhas e informes publicitários recomendando às populações urbanas e rurais para que economizem e não desperdicem água. O discurso falacioso de uso racional da água ecoa também nas tribunas da Câmara e Senado Federal, aonde alguns parlamentares da bancada ruralista se contradizem falando de preservação de mananciais e conservação da água, mas por outro lado atuam contra a legislação ambiental.  Esses mesmo parlamentares da bancada ruralista votaram pela afrouxamento do Código Florestal e alguns são acusados de desmatar e envenenar áreas de nascentes e mananciais hídricos.


Não basta a população mais empobrecida pagar um alto preço pelos serviços de tratamento e distribuição de água para suprir suas necessidades básicas; ainda são obrigados fazer sacrifícios e sofrer cortes no fornecimento de água. Já os empresários do agronegócio usam a vontade a água para irrigar suas plantações, não se preocupam se vai faltar água ou não nas torneiras, já que têm poder aquisitivo para comprar água mineral para abastecer suas ganâncias.

Com certeza os representantes de empresas, governos e instituições financeiras participantes do 8º Fórum Mundial da Água - FMA irão destacar a importância da água para os seres vivos do Planeta Terra, afirmando de forma repetitiva que a água é elemento essencial à vida e um direito de todos. Porém sabemos que isso não é verdade pois atualmente a maioria das populações sofrem com falta d’água para suas atividades cotidiana e produção familiar, muitas comunidades não tem acesso à água potável para beber. Nesses grandes eventos que tratam de debater esses sérios problemas ambientais, sanitários e de escassez de água, os governantes sempre recorrem a esses discursos demagógicos e hipócritas para iludir a população. Algumas autoridades com poder de decisão falam muito, no final, decide se pouco e na prática implementa se quase nada.

 O mais provável é que os 30 mil participantes do 8º Fórum Mundial da Água - FMA  irão ouvir da classe empresarial a retórica mercantilista destacando a importância comercial da água. Para as grandes empresas que estarão em peso presentes no 8º Fórum Mundial da Água, os recursos hídricos são produtos e mercadorias estratégicas para sustentar a especulação financeira e garantia de lucros sem limites. Dessa forma, faltar água nas torneiras compensa para esses empresários.

Nos últimos 30 anos as demandas pela água triplicaram, e os conflitos de interesses também. Atualmente a água é um dos recursos da natureza mais demandados especialmente para usos na agricultura industrial, na mineração e produção de energia elétrica. No estado do Tocantins a instalação de bombas para captação de água dos rios Javaés e Formoso para irrigar plantações está esgotando aqueles rios afluentes do Araguaia. O ilícito gerou Ação Judicial do MPF-TO contra as empresas que estão sendo responsabilizadas na Justiça. No Norte de Tocantins, o povo Apinajé sofre com desmatamento implantados com autorização emitidas de forma monocrática pelo NATURATINS, sem a participação da FUNAI, e sem consultas a comunidade. Sequer foram realizados Estudos de Impacto Ambiental ou apresentado qualquer Relatório que permita avaliação dos impactos do empreendimento sobre as nascentes e mananciais de água da TI. Apinajé.

Se nada for feito pelas autoridades e governos, doravante os conflitos pela água irão aumentar no Brasil. As recorrentes violações de direitos humanos que acontecem no contexto desses conflitos continuarão cada vez mais violentos, ofuscando a imagem do Brasil perante a comunidade internacional. A Convenção 169 da OIT e outros tratados internacionais ratificados pelo Brasil, estão sendo desrespeitados e jogados definitivamente na lixeira da história.

Em razão do relevante valor da água para os seres humanos e demais espécies vivas, nossos pequenos, médios e grandes rios deveriam ser mais respeitados e cuidados. Entretanto a cada momento a sociedade assiste paralisada esses mananciais e nascentes em todos os biomas do Brasil, especialmente no Cerrado e na Amazônia, sendo cada vez mais agredidos, degradados e mortos pela classe empresarial do agronegócio, pela mineração e setor elétrico. É deprimente ver nossos rios agonizando e sendo transformados em lixeiras. A grande maioria das cidades ribeirinhas lançam seus esgotos diretamente no leitos rios que banham. Não podemos esquecer a tragédia ambiental de Mariana - MG, provocada pela mineração. O rio Tietê que corta a capital paulista continua sendo um vergonhoso exemplo que a sociedade, governos e imprensa olham, mas fingem não ver.

A gestão e uso da água não priorizar as necessidades básicos e nobre dos humanos e das outras espécies vivas, ou seja tomar banho, beber, lavar roupas, molhar as lavouras, navegar, pescar entre outros usos. A pesar dessa situação de extrema gravidade, os governos nunca implementam projetos sérios para recuperação e revitalização dos mananciais hídricos. A situação do Rio São Francisco é um clássico exemplo dessa falta de compromisso e responsabilidade dos governantes com nosso rios. Contrariando as expectativas das organizações da sociedade civil, nos últimos anos o governo Temer tem avançando nessa agenda retrógrada e neoliberal, de agressões e violências contra os direitos humanos; incluindo nosso direito ambiental e acesso à água. Somente agora no clima do 8º Fórum Mundial da Água – FMA, o presidente Michel Temer de maneira pretensiosa e oportunista, aproveitando da cobertura da grande mídia, anda acenando com algumas medidas (política) em defesa das águas. No entanto sabemos que isso não passa de um jogo de faz de conta.

A pesar de serem os mais vulneráveis, ameaçados e prejudicados pelos problemas da degradação de nascentes, poluição dos rios, escassez de água potável para consumo diário, doenças, fome e sede, as populações urbanas da periferia, os ribeirinhos, os povos indígenas e povos tradicionais, serão excluídos e não terão espaço nos debates e instancias de tomadas de decisão do 8º Fórum Mundial da Água - FMA. O evento será dominado e controlado por empresas e/ou corporações vinculadas à governos que tratarão sempre de impor e defender a privatização dos rios, lagos, aquíferos e outros mananciais de água.

Dessa forma as organizações sociais, trabalhadores (as) do campo e da cidade estão organizando o Fórum Alternativa Mundial da Água - FAMA. De acordo com a CPT, o objetivo do FAMA é questionar a privatização da água, do saneamento básico, dos recursos naturais e a exploração deles por grandes empresas. Além disso, visa denunciar a ilegitimidade do Conselho Mundial da Água.

O valor espiritual e religioso da água, nunca pode ser ignorado e desconsiderado

A água é também elemento da natureza importante para cultura e religiosidade de muitos povos no mundo inteiro. Esperamos que os interesses mercantilistas das grandes empresas não ofusque esse fato que permeia a relação dos povos e das culturas com a água desde a antiguidade até os dias de hoje.

Na história o Velho Testamento da Bíblia Sagrada, o livro de Gêneses diz: “no início o Espírito de Deus andava sobre as águas”. No Novo Testamento outro fato importante citado foi o batismo de Jesus Cristos, por João Batista nas águas do Rio Jordão. As narrativas bíblicas estão repletas de fatos e acontecimentos relacionados à água. Até hoje muitas igrejas cristã realizam batismo mergulhando o indivíduo na água.

Aqui no Brasil os índios Javaés e Carajás que habitam na Ilha do Bananal na divisa de Tocantins, Goiás e Mato Grosso afirmam que sua origem aconteceu no fundo do lendário rio Araguaia. O Povo Kayapó que vivem nos estados de Mato Grosso e Pará, dizem que os primeiros Kayapós foram criados numa casa dentro da água, por isso se auto denominam Mebengôkré. O povo Apinajé do Estado de Tocantins encerram os cerimoniais de posse de caciques com banhos rituais em ribeirões. Nas celebrações do Pàrkapê, no momento da chegada das Toras no pátio da aldeia, as mulheres Apinajé levam bacias e cabaças com água para lavar as toras e os participantes beberem. Segundo a mitologia do povo Apinajé, O sol e lua jogaram cabaças na água, que se transformaram em pessoas dando origem aos primeiros Apinajé.  Enfim os mitos de origem, e de existência de muitos povos indígenas estão vinculados à água. Mitologia a parte, a ciência também afirma que as primeiras formas de Vida surgiram na água.

Os rios são partes dos modos de vida dos povos indígenas e comunidades ribeirinhas, especialmente na Amazônia, Cerrado e Pantanal. Nessas regiões o relacionamento diário com a água acontece na navegação, nas pescarias ou num simples passeio nos rios, lagos e ribeirões. Os gestos de tirar a roupa e mergulhar na água constituem se Ritos que demostram um relacionamento recíproco e amigável com a água. “Você me limpa e purifica, que cuidarei de Você”. Seja como for, o contato com a água para lavar e higienizar o corpo, ou como diversão é sempre uma necessidade para o indivíduo e uma terapia para alma. O fato é que todos gostamos de mergulhar em águas puras e cristalinas para se refrescar do calor. Existem ainda algumas fontes de águas que contém substâncias e minerais importantes para curar algumas enfermidades. 

Por essa razão estamos sempre alertas defendendo nossos territórios, formado por florestas, campos, lagos, rios, ribeirões, nascentes e aquíferos, espaços que estão sempre interligados entre si, para sustentar e manter os cursos d’água duradouros, permanentes e vivos para presentes e futuras gerações. 


Terra Indígena Apinajé, 09 de março de 2018



Associação União das Aldeias Apinajé-Pempxà

2 de mar. de 2018

MPF

NOTA TÉCNICA

O Ministério Público Federal, Procuradoria da República no Estado do Tocantins, pelo Ofício da Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Índios e Comunidades Tradicionais, expede a presente NOTA TÉCNICA em relação ao Projeto de Lei nº 194/2017, em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins, de autoria do Deputado José Bonifácio, que visa alterar a Lei Estadual nº 1.959/2008, que dispõe sobre a proibição de queima, derrubada e do uso predatório das palmeiras do coco de babaçu. A Lei Estadual nº 1.959/2008 tem a seguinte redação:

Lei nº 1.959 de 14/08/2008
Publicado no DOE em 15 agosto de 2008
Dispõe sobre a proibição da queima, derrubada e do uso predatório das palmeiras do coco de babaçu e adota outras providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO TOCANTINS
Faço saber que a ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO TOCANTINS decreta e eu sanciono a   seguinte lei:
Art. 1º São proibidos a queima do coco babaçu, inteiro ou in natura, para qualquer finalidade, a derrubada e o uso predatório de suas palmeiras no Estado do Tocantins, vedadas ainda, as práticas que possam prejudicar a produtividade ou a vida do babaçu.
§ 1º É permitida a derrubada de palmeiras de coco babaçu no Estado do Tocantins:
I - se necessária a execução de obras, projetos ou serviços de utilidade pública ou de interesse social, assim declarado pelo Poder Público, sem prejuízo do licenciamento junto ao órgão ambiental competente;
II - com o objetivo de estimular a reprodução das palmeiras, aumentar a produção do coco ou facilitar a sua coleta;
III - nos casos de raleamento, obedecido o disposto no art. 3º desta lei.
§ 2º Para fins do disposto no inciso I do § 1º deste artigo, o órgão licenciador deve indicar as medidas de compensação ambiental a serem adotadas pelo responsável.
§ 3º O disposto neste artigo não se aplica ao carvão produzido da casca do coco de babaçu em caieira, pelas quebradeiras de coco e comunidades tradicionais.
Art. 2º As matas nativas constituídas por palmeiras de coco de babaçu, em terras públicas ou devolutas são de livre uso e acesso das populações agroextrativistas, desde que as explorem em regime de economia familiar e comunitário, conforme os costumes de cada região.
Parágrafo único. Em terras privadas, a exploração é condicionada a celebração de termo de acordo entre as associações regularmente constituídas de quebradeiras de coco de babaçu ou de comunidades tradicionais e os respectivos proprietários.
Art. 3º É permitido o trabalho de raleamento nas áreas de incidência de palmeiras de coco de babaçu, desde que obedecidos os seguintes critérios:
I - sacrifício prioritário de palmeiras fêmeas senis;
II - manutenção de, no mínimo, oitenta palmeiras produtivas e oitenta palmeiras jovens em cada hectare desmatado, obedecendo ao espaçamento máximo 10m x 10m;
III - utilização de meios adequados de desbaste, que não comprometam a vegetação remanescente;
IV - vise melhorar a produtividade e facilitar o acesso aos babaçuais, sendo permitido o manejo da vegetação associada.
Parágrafo único. O trabalho de raleamento é condicionado à autorização do órgão ambiental competente.
Art. 4º Compete ao Instituto Natureza do Tocantins - NATURATINS e à Companhia Independente de Polícia Ambiental - CIPAMA a execução e fiscalização do cumprimento desta lei, podendo para tanto, celebrar convênios com órgãos federais, municipais e com a sociedade civil organizada.
Art. 5º O infrator desta lei, independentemente das sanções civis, penais e administrativas previstas e da obrigação de reparação do dano causado, deve incorrer no pagamento de multa:
I - no valor de R$ 100,00 a R$ 500,00 por unidade, quilo, metro de carvão vegetal ou metro cúbico, para aquele que receber ou adquirir, vender ou expor à venda, transportar ou que tenha, para fins comerciais ou industriais, carvão de coco de babaçu inteiro ou in natura;
II - no valor de R$ 1.000,00 a R$ 5.000,00, para aquele que conduzir palmito extraído de palmeira de coco de babaçu, ressalvada as condições mencionadas no § 1º do art. 1º desta lei.
Parágrafo único. A inobservância das demais infrações não tipificadas nesta lei, sujeita ao infrator às sanções previstas na legislação ambiental em vigor, em especial as previstas na Lei Estadual nº 771, de
7 de julho de 1995, e Decreto Federal nº 3.179, de 21 de setembro de 1999.
Art. 6º O produto da arrecadação da multa instituída nesta lei é recolhido ao Fundo Estadual do Meio
Ambiente e revertido para a recuperação de áreas de babaçuais e para o desenvolvimento de políticas públicas em favor das comunidades de quebradeiras de coco de babaçu e das comunidades tradicionais.
Art. 7º O Poder Executivo e suas autarquias ficam proibidos de conferir benefícios, sob qualquer instrumento, aos infratores desta lei, devendo constar estes em relação organizada pelo órgão ambiental competente.
Art. 8º Com o propósito de estimular a instalação de unidades industriais que visem o aproveitamento integral do coco de babaçu, é proibida a comercialização interestadual do coco de babaçu inteiro ou in natura.
Art. 9º A quebra do coco de babaçu em duas ou mais partes, processadas em qualquer ambiente, sem o aproveitamento do mesocarpo e da amêndoa, não justifica a carbonização das referidas partes, que assim, não são consideradas cascas para este efeito.
Art. 10. Ao Poder Executivo incumbe a elaboração de normas complementares que julgar necessárias ao fiel cumprimento desta lei.
Art. 11. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 12. É revogada a Lei nº 1.366, de 31 de dezembro de 2002.

Palácio Araguaia, em Palmas, aos 14 dias do mês de agosto de 2008; 187º da Independência, 120º da República e 20º do Estado.

MARCELO DE CARVALHO MIRANDA
Governador do Estado
MARY MARQUES DE LIMA
Secretária-Chefe da Casa Civil

Já o projeto apresentado atinge o cerne da regulamentação, que é a salvaguarda da matéria-prima utilizada pelas quebradeiras, com a seguinte redação:

PROJETO DE LEI Nº 194/2017
Altera a Lei nº 1.959, de 14 de agosto de 2008, que dispõe sobre a proibição da queima, derrubada e uso predatório das palmeiras do coco-babaçu e adota outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins decreta:
Art. 1º. Fica alterado o art. 1º da Lei nº 1.959, de 14 de agosto de 2008, que passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 1º. São proibidos a derrubada e o uso predatório das palmeiras de babaçu no Estado do Tocantins, vedadas, ainda, as práticas que possam prejudicar a produtividade ou a vida das palmeiras do babaçu.
Art. 2º. São revogados os artigos. 8º e 9º da Lei nº 1.959, de 14 de agosto de 2008.
Art. 3º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Justificativa:

A presente proposta justifica-se pelo fato de que o coco babaçu vem apodrecendo debaixo das palmeiras em virtude do baixo preço da amêndoa pago pelos compradores. Além disso, a prática da queima vem sendo feita ilegalmente para a fabricação de carvão.

Sala das Sessões, em 19 de Outubro de 2017

JOSÉ BONIFÁCIO
Deputado Estadual

Após tomar conhecimento da existência do referido projeto de lei, o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) procurou o Ministério Público Federal no dia 06.12.2017, manifestando sua preocupação com o referido projeto, alertando para as seguintes circunstâncias:
1- A partir do momento que forem permitidas a comercialização e a queima do coco babaçu inteiro, os proprietários de imóveis rurais e outros intermediários, notadamente vendedores de carvão, coletarão os cocos inteiros e não os disponibilizarão para as quebradeiras;
2- Ao contrário do ocorrido quando da aprovação da lei original, e também do que determina a Convenção 169 da OIT, as quebradeiras não foram ouvidas em momento algum sobre o referido Projeto de Lei, tendo dele tomado conhecimento por acaso;
3- O artigo 112 da Constituição do Estado do Tocantins estabelece que “Art. 112. É obrigatória a preservação das áreas de vegetação natural e de produção de frutos nativos, especialmente de babaçu, buriti, pequi, jatobá, araticum e de outros indispensáveis à sobrevivência da fauna e das populações que deles se utilizam.
Veja-se que o objetivo da preservação é garantir a sobrevivência das populações que deles se utilizam. Pois bem. Trazida a questão ao Ministério Público Federal, faço as seguintes considerações:
1- Inicialmente, afirmo a atribuição do Ministério Público Federal de atuar em defesa das quebradeiras de coco babaçu, atribuição esta pacificada pelo Enunciado nº 19 da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que trata de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, nos seguintes termos: ENUNCIADO nº 19: “O MPF, dentre outros legitimados, tem atribuição para atuar judicial e extrajudicialmente em casos envolvendo direitos de quilombolas e demais comunidades tradicionais, sendo a competência jurisdicional da justiça federal. Tal atribuição se funda no artigo 6º, inciso VII, alínea “c”, e artigo 5º, inciso III, alínea “c”, da Lei Complementar nº 75/93, no fato de que a tutela de tais interesses corresponde à proteção e promoção do patrimônio cultural nacional (artigos 215 e 216 da Constituição); envolve políticas públicas federais, bem como o cumprimento dos tratados internacionais de direitos humanos, notadamente da Convenção nº 169 da OIT”.
2- Também não há dúvida quanto ao fato de as quebradeiras de coco babaçu serem reconhecidas como comunidades tradicionais, pela sua própria autoafirmação, ainda corroborada por sua participação no Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, instituído pelo Decreto nº 8.750/2016.
3- Firmadas essas premissas, passo à análise do projeto questionado, ciente de que não foi ainda aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins, não possuindo portanto implicação concreta na vida das quebradeiras de coco babaçu. Sem querer interferir no âmbito de matéria interna corporis da Casa de Leis, cumpre-me externar a posição do Ministério Público Federal, Procuradoria da República no Estado do Tocantins, em relação ao Projeto de Lei nº 194/2017:
3.1- Tenho que o Projeto já nasce eivado de ilegalidade, uma vez não observado o artigo 6º da Convenção 169 da OIT, internalizada no Direito brasileiro pelo Decreto nº 5051/2004, que prevê:

1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:
a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
Uma vez que o Projeto visa estabelecer medida legislativa suscetível de afetar diretamente as quebradeiras de coco babaçu, não poderia sequer ser proposto sem consultar-lhes previamente.
3.2- A proposta apresentada padece de inconstitucionalidade flagrante. Com efeito, a Constituição Federal criou um sistema de proteção ao patrimônio cultural brasileiro, e prevê em seu artigo 216:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;

Já o parágrafo primeiro desse mesmo artigo determina:

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

Ora, se as formas de criar, fazer e viver (coleta, quebra, beneficiamento, utilização do coco babaçu) dos grupos formadores da sociedade brasileira (as quebradeiras de coco babaçu) constituem patrimônio cultural brasileiro e é determinado ao Poder Público sua proteção e preservação, não pode o Estado do Tocantins instituir lei que ameace de morte a existência da comunidade tradicional. Nesse sentido, o Ministério Público Federal aguarda que o Projeto de Lei nº 194/2017 seja definitivamente arquivado na Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins.

Palmas - TO, 08 de dezembro de 2017.

Álvaro Lotufo Manzano
Procurador da República