22 de mar. de 2019

SAÚDE INDÍGENA

Abandono da saúde indígena pelo governo pode causar mortes “a cada quatro horas”

O Conselho Indigenista Missionário vem a público manifestar profunda preocupação com a situação de grave abandono da política de atenção à saúde dos povos indígenas no Brasil
POR CIMI
Lideranças indígenas vinculadas ao Fórum de Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena e das Organizações Indígenas de todo o país, apresentaram – por ocasião da 102ª Reunião da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI), realizada em Brasília, nos dias 19 e 20 de março de 2019 –, denúncias de que ações do governo estão paralisando o sistema de atenção à saúde dos povos. Isso porque, o Governo Federal, através do Ministério da Saúde, vem deixando de realizar o repasse de recursos financeiros, contratados a partir de convênios com oito organizações da sociedade civil, que prestam serviço de saúde no âmbito dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). Para alguns destes distritos, o último repasse de verbas ocorreu em outubro de 2018.
As Informações repassadas à CISI, tanto por indígenas como por servidores da Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena (Sesai), órgão do Governo Federal responsável pela gestão da política, demonstram que a situação é de extrema gravidade. De acordo com os relatos, há DSEIs que não possuem dinheiro para pagamento de medicamentos, combustíveis, transportes, realização de exames, vacinação, remoção de doentes para os centros de referências e nem para o pagamento de servidores que atuam nas comunidades indígenas.
Ainda segundo os relatos, servidores não recebem salários há mais de três meses, o que vem comprometendo o sustento familiar destas pessoas. Muitos estão sem condições de irem às aldeias, pois não há recursos para combustível ou alimentação e, em consequência disso, não há condições de prestarem atendimento, já que não possuem equipamentos ou materiais básicos. Faltam analgésicos, soro, esparadrapos, gaze e sequer água potável há em muitos postos de saúde e polos bases de atendimento.
Servidores que atuam nos distritos de saúde ameaçam uma paralisação caso não haja o repasse imediato de recursos às conveniadas que prestam serviços nos distritos. Por óbvio, havendo paralisação dos serviços inevitavelmente ocorrerão mortes em função das condições epidemiológicas das comunidades, suas realidades geográficas, sanitárias e de falta de acesso aos centros de saúde públicas, postos e hospitais.
Sinais de blecaute no sistema já são sentidos. De acordo com informações de liderança indígena o governo decidiu fechar as Casas de Saúde Indígena (Casai) de Brasília e São Paulo por falta de dinheiro para alimentação e pagamento aos funcionários. Alguns pacientes estão sendo remanejados e outros ‘devolvidos’ para as aldeias.
Questionado se o governo Bolsonaro possui algum plano de ação diante de uma provável paralisação dos serviços e do quadro de abandono da política de atenção à saúde indígena, representante da Sesai respondeu que não há plano algum. Se não houver o repasse de verbas pelo Ministério da Saúde e caso os servidores e as conveniadas decidam interromper os trabalhos, o caos se instalará e mortes de indígenas serão inevitáveis. Nas palavras de representante da Sesai: “Poderão morrer pessoas a cada quatro horas”.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), que é ligado a bancada ruralista, com uma trajetória política de oposição aos direitos indígenas no país, anunciou, neste 20 de março, que promoverá mudanças na estrutura do Ministério. Na prática, as mudanças propostas provocam a extinção da Sesai. Sem status de Secretaria, a temática seria incorporada à nova Secretaria Nacional da Atenção Primária. O Ministro já vinha atacando o atual modelo de atenção à saúde indígena há alguns dias e propondo que a política deveria ser municipalizada e ou estadualizada. Estas propostas sofrem severas críticas dos povos indígenas, das entidades indigenistas e inclusive de gestores e servidores que atuam na área da saúde.
O governo desconsidera também que está em curso, desde meados do ano de 2018, a 6ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, tendo sido realizadas as etapas locais e distritais, aguardando-se a etapa nacional, prevista para o final do mês de maio do corrente ano. Importante salientar que não houve discussão ou propostas no sentido de mudar a política em curso. Ao contrário, a perspectiva dos povos indígenas é de buscar o aperfeiçoamento do Subsistema de Atenção à Saúde vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS).
O ministro da Saúde vem proferindo discursos simplistas de que se gastaria muito com a saúde indígena em comparação com o restante da população brasileira e que, portanto, o governo deve otimizar a assistência e rever o modelo. Além disso, Mandetta tem levantado suspeitas de que, na gestão da saúde indígena, haveria malversação de recursos, colocando sob desconfiança todas as atividades desenvolvidas no âmbito dos distritos sanitários, tanto dos prestadores de serviços terceirizados como da própria Sesai. Esta tem sido uma das justificativas usadas pelo Ministro para o bloqueio dos recursos.
É inaceitável que, a pretexto de se fazer uma reformulação na política e eventuais investigações, se promova a insanidade de deixar morrer aqueles que dependem da assistência médica. Para atender interesses políticos e econômicos, o governo Bolsonaro está aniquilando o órgão de assistência à saúde indígena, a exemplo do que realizou, por meio da MP 870/19, com Fundação Nacional do Índio (Funai) e a política de demarcação das terras indígenas.
O Conselho Indigenista Missionário conclama o Ministério Público Federal (MPF) e os poderes da República, Legislativo e Judiciário, a agirem contra essa política de insanidade no âmbito da administração pública federal. Há que se tomar medidas urgentes, caso contrário os povos indígenas sofrerão impactos irreversíveis em suas vidas, culturas e perspectiva de futuro.
O Cimi repudia tal política e conclama a todos a reagirem contra a imposição de medidas administrativas do governo Bolsonaro que promovem a morte daqueles que ao longo da história mais sofreram com políticas genocidas do Estado Brasileiro. Por serem responsáveis diretos por tais medidas, o Cimi entende que a responsabilidade pelas mortes potenciais delas decorrentes são do próprio presidente Bolsonaro e do Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.
O Cimi manifesta solidariedade e apoio aos povos nas iniciativas políticas necessárias para fazerem frente a mais esta agressão que sofrem do governo Bolsonaro.

Brasília, 22 de março de 2019
Conselho Indigenista Missionário
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14 de mar. de 2019

MOBILIZAÇÃO INDÍGENA


Em defesa do território, indígenas do Tocantins protocolam representação no MPF

Indígenas de sete etnias do Estado de Tocantins protocolam representação contra a MP 870/2019 do presidente Jair Bolsonaro
Mobilizados na capital, Palmas, os povos refirmam sua luta em defesa de seus direitos e territórios. Foto: Cimi regional Goiás-Tocantins
Mobilizados na capital, Palmas, os povos refirmam sua luta em defesa de seus direitos e territórios. Foto: Cimi regional Goiás-Tocantins
POR LAUDOVINA PEREIRA – CIMI REGIONAL GOIÁS/TOCANTINS
       Indígenas dos povos Apinajé, Karajá Xambioá, Krahô, Xerente, Krahô-Kanela, Avá-Canoeiro e Krahô Takaywrá do Estado do Tocantins, na sexta-feira, 22 de fevereiro, foram recebidos pela Procuradora da República, Dra. Carolina Augusta da Rocha Rosado, na sede do Ministério Público Federal (MPF). Mobilizados na capital, Palmas, os povos refirmam sua luta em defesa de seus direitos e territórios, e, protocolam uma representação contra a Medida Provisória 870/2019 do presidente Jair Messias Bolsonaro.
“Não pode haver paralisação das demarcações, nem pode ser aceitável rever processos de demarcação de terras indígenas já concluídas”
       A iniciativa de mobilizar em favor de seus direitos foi bem vista pela equipe do MPF, que destaca a importância da mobilização e luta pelos direitos indígenas. “Não pode haver nenhum tipo de retrocesso nos direitos garantidos na Constituição Federal de 1988. Não pode haver paralisação das demarcações, nem pode ser aceitável rever processos de demarcação de terras indígenas já concluídas”.
       O principal pedido das lideranças na representação é que o governo revogue sua decisão publicada na MP 870 de transferir a competência da Fundação Nacional do Índio (Funai) de identificar, delimitar e demarcar as terras indígenas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), comandado por Tereza Cristina, já que, no entendimento dos indígenas, essa decisão é uma afronta aos seus direitos e coloca em risco o presente e o futuro da demarcação das terras indígenas. As lideranças afirmam que é de todos conhecido que o principal inimigo dos povos indígenas é o agronegócio, e seus principais defensores estão na direção do Ministério da Agricultura.
O principal pedido das lideranças na representação é que o governo revogue a MP 870/2019 que transfere a competência da Funai de identificar, delimitar e demarcar as terras indígenas para o Mapa. Foto: Cimi regional Goiás-Tocantins
O principal pedido das lideranças na representação é que o governo revogue a MP 870/2019 que transfere a competência da Funai de identificar, delimitar e demarcar as terras indígenas para o Mapa. Foto: Cimi regional Goiás-Tocantins
       A representação contempla ainda uma solicitação para que a Funai volte à pasta do Ministério da Justiça, pois os indígenas acreditam que este Ministério é o mais adequado para continuar com a competência da demarcação das terras indígenas. E solicitam que as atribuições do ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos no tocante à questão indígena mantenham-se exclusivamente com a Funai, de forma que continue sendo o órgão indigenista oficial quem responda pela questão indígena no país.
       Durante a audiência, as lideranças indígenas mostraram sua indignação e preocupação com as medidas do governo Bolsonaro. Suas colocações eram para a defesa das suas culturas, línguas, direitos e territórios. Deixaram claro que vão acompanhar de perto e permanentemente mobilizados as decisões do governo, e que não vão permitir que o atual governo acabe com os direitos que com tanto suor, sangue e dor conquistaram.
“Não vamos permitir que o agronegócio avance sobre nossas terras indígenas, nem que os ruralistas plantem em nossos territórios”
Durante a audiência, as lideranças indígenas mostraram sua indignação e preocupação com as medidas do governo Bolsonaro. Foto: Cimi regional Goiás-Tocantins
Durante a audiência, as lideranças indígenas mostraram sua indignação e preocupação com as medidas do governo Bolsonaro. Foto: Cimi regional Goiás-Tocantins
       “Não vamos permitir que o agronegócio avance sobre nossas terras indígenas, nem que os ruralistas plantem soja, cana-de-açúcar, eucalipto, nos nossos territórios, pois destrói a terra que é nossa mãe. Não vamos deixar que os rios sejam envenenados com os agrotóxicos que são despejados pelo avião nas grandes lavouras do agronegócio”, denuncia Wagner Katamy Krahô-Kanela, que ainda afirma: “não vamos deixar que matem os nossos rios, com suas grandes lavouras de irrigação, que estão secando e matando os peixes”.
       Ele pediu providências ao MPF para acompanhar de perto as ações e decisões do Comitê da bacia do Rio Formoso, afim de proteger os rios daquela bacia hidrográfica, frente ao avanço dos projetos de monocultura de soja, arroz e melancia, do sudoeste do Estado.
Não vamos permitir que este governo tire o que por direito nos pertence. Não queremos que essa MP 870 siga ameaçando nossos direitos”
       Os povos presentes na audiência destacam o respeito ao direitos dos povo originários e à Constituição Federal, pois ela garante à Terra onde plantam seu alimento, lhes dá o peixe para comer e ter sua cultura. “Não vamos permitir que este governo tire o que por direito nos pertence. Não queremos que essa MP 870 siga ameaçando nossos direitos”, afirmam.
       Na ocasião, os indígenas também pediram ao MPF que entre com uma ação judicial para que a MP 870 não acabe com seus direitos, pondo em risco seus territórios e a vida de quem neles vive.

Mobilização e luta permanente
       Os indígenas dos povos Apinajé, Karajá Xambioá, Krahô, Xerente, Krahô-Kanela, Avá-Canoeiro e Krahô Takaywrá, no Tocantins, seguem lutando e resistindo junto aos camponeses, quilombolas, quebradeiras de coco, pescadores, e o povo todo para ter seus direitos respeitados. “Nosso Brasil é um país rico e deve haver direitos para todos os que vivem nele, assim como direito a terra para viver e trabalhar. Queremos plantar nossa mandioca, nossa abobora. E meu povo não tem terra demarcada, eu quero ver esse direito acontecer”, destaca Isadora Krahô.
Os indígenas pediram para que o MPF tome providências urgentes sobre essas denúncias, e reafirmaram não aceitar que a saúde indígena seja municipalizada. Foto: Cimi regional Goiás-Tocantins
Os indígenas pediram para que o MPF tome providências urgentes sobre essas denúncias, e reafirmaram não aceitar que a saúde indígena seja municipalizada. Foto: Cimi regional Goiás-Tocantins
       Na ocasião da audiência, os indígenas fizeram várias denúncias sobre a precariedade no atendimento à saúde, educação e manutenção das estradas internas nas terras indígenas, alertando que essas situações não são novas e que se arrastam há muito tempo, e que é importante tomar providências. Eles ainda pediram para que o MPF tome providências urgentes sobre essas denúncias, e reafirmaram que não aceitam que a saúde indígena seja municipalizada, pois é um retrocesso nos seus direitos conquistados, e que essa proposta do governo provocará o sucateamento e precariedade da política de atenção à saúde indígena.
“Nosso Brasil é um país rico e deve haver direitos para todos os que vivem nele”
       Com a força do maracá, que esteve presente o tempo todo na audiência, seguem firmes na luta e resistência contra as ameaças aos seus direitos e territórios, e não deixaram de lutar pela Mãe Terra, para seus filhos, netos, bisnetos e futuras gerações. Para que tudo isso não se perca, a demarcação dos territórios indígenas deve iniciar já, e sem que nenhuma gota mais de sangue seja derramada.
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12 de mar. de 2019

ONU


Na ONU, indígena critica política “integracionista, colonialista e racista” de Bolsonaro

Na semana passada, Avanilson Karajá fez duras críticas à política indigenista do governo federal durante a 40ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra
Avanilson Karajá, durante discurso na ONU, em Genebra. Foto: reprodução
Avanilson Karajá, durante discurso na ONU, em Genebra. Foto: reprodução
POR TIAGO MIOTTO, DA ASCOM DO CIMI
Em discurso durante a 40ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, o indígena Avanilson Karajá criticou as políticas indigenistas adotadas pelo governo Bolsonaro. Ele denunciou o desmantelamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), a mudança nas demarcações de terras indígenas e o “o discurso de ódio e a depreciação do governo pelos povos indígenas”.
A fala do indígena Karajá, morador da Terra Indígena Xambioá, no norte do Tocantins, ocorreu durante uma reunião com os Relatores Especiais da ONU sobre o Meio Ambiente e sobre Moradia Adequada, na última terça-feira (5).
Na semana anterior, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, havia falado durante a abertura da 40ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos. Damares defendeu as políticas governamentais e afirmou que os povos indígenas receberão do governo Bolsonaro “um olhar especial”.
A ministra também assegurou o “compromisso inabalável” do governo com “os mais altos padrões de direitos humanos, com a defesa da democracia e com o pleno funcionamento do Estado de Direito”.
“Ao contrário do que a ministra Damares afirmou neste Conselho, o discurso de ódio e a depreciação do governo pelos povos indígenas resultaram na morte de nossos líderes, na invasão de nossos territórios, no fim das demarcações e em uma violenta política integracionista, divisionista, colonialista e racista”, denunciou Avanilson Karajá em sua fala, feita em espanhol.
“O órgão indígena foi de propósito desmantelado porque o licenciamento ambiental, as demarcações e as políticas de consultas são considerados obstáculos pela política econômica do governo”
O indígena também fez críticas duras às recentes mudanças na estrutura do poder Executivo promovidas pelo governo Bolsonaro, que passou da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) a competência de fazer as demarcações de terras indígenas, além de transferir a própria Funai do Ministério da Justiça (MJ) para a pasta comandada por Damares Alves.
“O órgão indígena foi de propósito desmantelado porque o licenciamento ambiental, as demarcações e as políticas de consultas são considerados obstáculos pela política econômica do governo. O mais perverso é o incentivo do arrendamento de nossas terras, uma prática ilegal que visa disponibilizá-las ao mercado, ao custo de nossa tradicionalidade”, afirmou Avanilson Karajá.
A reunião da qual participou Avanilson foi focada na questão do meio ambiente. Em seu informe, o Relator Especial da ONU para o meio ambiente, John Knox, chamou atenção para a necessidade de se reconhecer globalmente o “direito humano a um meio ambiente saudável e sustentável”. Knox também destacou os efeitos especialmente danosos da poluição atmosférica para povos indígenas e comunidades tradicionais.
“O Brasil é um país rico em recursos naturais. A preservação do meio ambiente proporcionada pelos povos indígenas já é reconhecida pela sua relatoria”, respondeu Avanilson Karajá. “Não obstante, a atual política brasileira põe seriamente em risco a floresta e seus protetores originários”.
Em sua manifestação, o Karajá ainda convidou o relator a fazer uma visita ao Brasil e conferir, in loco, as denúncias que apresentou de forma abreviada ao Conselho.
Representantes do governo brasileiro utilizaram o direito de resposta, ato considerado por especialistas como antidemocrático, para responder à fala do indígena e reiterar o “compromisso duradouro com os direitos dos povos indígenas”, que está consagrado na Constituição brasileira.
Na réplica, o governo definiu-se como “um governo inclusivo” e afirmou que “a Funai continua empenhada em garantir os direitos e a qualidade de vida dos povos indígenas no Brasil e por meio de iniciativas bilaterais e multilaterais”.
Para o missionário do Cimi, Flávio Vicente Machado, tanto a fala da Ministra Damares, quanto as respostas do Estado se mostram “esquizofrênicas, prolixas e tergiversadas”.
“São manifestações esquizofrênicas porque o presidente afirmou diversas vezes que não irá demarcar terras indígenas, tanto que condicionou todo o processo a uma instância escandalosamente anti-indígena, o MAPA. Prolixa porque nas respostas não diz nada, citando números que não se sustentam na prática. Tergiversada, porque não enfrenta as denúncias ponto a ponto”, critica o missionário.
Damares Alves durante discurso na 40ª Sessão de Direitos Humanos da ONU. Foto: Violaine Martin/ONU
Funai “revigorada e fortalecida”
Na sua fala durante a abertura da 40ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Damares Alves também defendeu que o trabalho da Funai não será prejudicado pelo desmembramento que foi promovido pelo governo apenas 24 horas depois de sua posse, por meio da Medida Provisória (MP) 870.
“A Funai terá sua função revigorada e fortalecida”, afirmou a ministra, para quem a vinculação do órgão à sua pasta foi “especialmente positiva”. Para Damares, o desmembramento do órgão e a transferência das demarcações para o Ministério da Agricultura “em nada afetará o direito constitucional dos povos indígenas”.
Não é o que pensa, entre muitos outros, o Ministério Público Federal (MPF). Em nota técnicaassinada pelo Coordenador da Sexta Câmara do MPF, Marcelo Bigonha, o órgão defende que a MP 870 é inconstitucional e promoveu o conflito entre os interesses indígenas e as políticas agrícola e de direitos humanos do Governo Federal, com claro prejuízo para os indígenas.
A Sexta Câmara do MPF, cuja atuação é voltada à defesa dos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, defende que a Funai retorne, com suas atribuições completas, para a alçada do MJ, considerado pelo órgão um “campo neutro” entre as pastas do governo.
Este critério não é atendido pelo Ministério da Agricultura. Além de ser comandado pela ex-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), a ruralista Tereza Cristina (DEM-MS), outras figuras com histórico de atuação anti-indígena ocupam setores que terão papel decisório nas demarcações, como é o caso do presidente da União Democrática Ruralista (UDR) Nabhan Garcia, para quem “o maior latifundiário do país é o índio”, e da advogada Luana Ruiz, que advoga contra comunidades indígenas em diversos processos judiciais e cuja família disputa terras com os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Ambos são, respectivamente, secretário especial e secretária adjunta de Assuntos Fundiários.
As mudanças na estrutura do poder Executivo também vêm sendo criticadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e por organizações indígenas de todo o país, que no início do ano protocolaram diversos pedidos de providência à Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a MP 870. Servidores da Funai também têm buscado reverter a medida, reivindicando que a Funai retorne ao MJ e que seja mantida com suas funções integrais.
Volta do integracionismo
Na réplica à fala de Avanilson Karajá, a representação do Brasil afirmou que o governo respeita a Constituição Federal e que esta já superou “doutrina anteriormente dominante de assimilação natural”.
A crítica ao retorno de um viés integracionista ao governo federal, entretanto, é feita também pela Sexta Câmara do MPF, para quem a MP 870 promove a restauração “da velha política integracionista” e “viola as peculiaridades culturais e direitos constitucionais” dos povos indígenas.
A política da “integração”, vigente até 1988, visava a assimilação dos indígenas à sociedade envolvente por meio do abandono forçado de suas identidades e práticas culturais. A disposição de “integrar os índios à sociedade” já apareceu em diversas manifestações do presidente Jair Bolsonaro, mesmo depois de eleito.
Para o MPF, a submissão das demarcações e do licenciamento ambiental de projetos que afetem os povos indígenas ao Mapa pode ressuscitar a política que, no século XX, “sob coordenação do Ministério da Agricultura e na vigência do extinto SPI [Serviço de Proteção ao Índio], promoveu o assassinato indígena em grande escala”.
O MPF e organizações indígenas também questionam a ausência de consulta prévia aos povos na definição de medidas que lhes afetam. Em artigo, procuradores do MPF apontam ainda que as medidas estabelecidas pela MP 870 “vão na contramão do dever de o Estado brasileiro prevenir o genocídio”.
Um tópico “particular, caro e querido”
Em sua fala, Damares Alves afirmou ainda renovar “o compromisso do governo brasileiro com a proteção plena dos direitos dos povos indígenas, principalmente dos povos de primeiro contato” e apresentou-se como uma pessoa que “há mais de duas décadas milita em defesa das mulheres e crianças”.
Ambas as afirmações da ministra, que definiu a pauta indígena como um tema “particular, caro e querido”, são fonte de polêmica e controvérsia. Além da comparação de indígenas isolados na Amazônia com grandes latifundiários feita por Nabhan Garcia, o presidente e a própria ministra já afirmaram que podem rever a política voltada aos povos indígenas isolados ou de recente contato.
A militância a que Damares se refere, por sua vez, é questionada pelo MPF em pelo menos duas ações, movidas no Distrito Federal e em Rondônia, por discriminação contra indígenas e pela divulgação de um filme difamatório, cuja veiculação foi proibida pela Justiça. Os processos envolvem a Atini, organização fundada pela ministra.
Em recente reportagem da revista Época, indígenas do povo Kamayura, no Xingu, denunciam Damares pelo sequestro de uma de suas filhas – o que a ministra nega. Segundo a revista, a Atini, da qual Damares se desligou em 2015, também é alvo de outro processo, pela retirada de uma criança Sateré-Mawé de seu povo.
Durante sua fala, Damares ainda lançou a recandidatura do Brasil a vaga no Conselho de Direitos Humanos da ONU, do qual já é membro. Dentro do país, entretanto, não são apenas as políticas indigenistas que são criticadas por violarem os direitos humanos.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do MPF, já apontou as violações e a inconstitucionalidade medidas como a flexibilização da posse de armas, o monitoramento de Organizações Não Governamentais (ONGs) pelo governo e a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea).
Confira, abaixo, a íntegra da manifestação de Avanilson Karajá:

CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS

40ª SESSÃO REGULAR DO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS

25 de fevereiro de 2019 – 22 de março de 2019

Item 3: Diálogo Interativo Conjunto com o Relator Especial sobre o Meio Ambiente e o Relator Especial sobre Moradia Adequada


Entregue pelo Sr. Avanilson Karajá
Sr. Knox,
Sou Avanilson Karajá, indígena brasileiro. Agradeço ao Cimi por este espaço.
Sobre seu informe acerca da contaminação atmosférica, lhe faço uma pregunta: como fortalecer o papel dos povos indígenas como atores da proteção do ar como recurso natural e de gozo de direitos? No parágrafo 31, você faz referência aos povos indígenas como particularmente afetados pela contaminação atmosférica. Mas também somos agentes de mudança para alcançar os objetivos da Agenda 2030.
O Brasil é um país rico em recursos naturais. A preservação do meio ambiente proporcionada pelos povos indígenas já é reconhecida pela sua relatoria. Este modelo de preservação só é possível graças a uma relação harmônica milenar entre os povos originários e a Mãe Natureza. Toda a economia depende do meio ambiente. Não obstante, a atual política brasileira põe seriamente em risco a floresta e seus protetores originários.
Ao contrário do que a ministra Damares afirmou neste Conselho, o discurso de ódio e a depreciação do governo pelos povos indígenas resultaram na morte de nossos líderes, na invasão de nossos territórios, no fim das demarcações e em uma violenta política integracionista, divisionista, colonialista e racista.
O órgão indígena foi de propósito desmantelado porque o licenciamento ambiental, as demarcações e as políticas de consultas são considerados obstáculos pela política econômica do governo. O mais perverso é o incentivo do arrendamento de nossas terras, uma prática ilegal que visa a disponibilizá-las ao mercado, ao custo de nossa tradicionalidade.
Por isso, insto ao relator a solicitar uma visita ao Brasil, para constatar in loco a degradação de nossos recursos e o quadro de violações que aqui alego.
Muito obrigado!

NOTA PÚBLICA


Cimi repudia oferta das terras indígenas para mineração internacional

Nota pública sobre o anúncio feito pelo ministro de Minas e Energia de que poderá “autorizar” a mineração em terras indígenas à revelia dos povos e seus direitos
Garimpo ilegal desativado na região da Terra Indígena Munduruku, no sul do Pará. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama
Garimpo ilegal desativado na região da Terra Indígena Munduruku, no sul do Pará. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama
O Conselho Indigenista Missionário – Cimi repudia, com veemente indignação, o anúncio feito pelo governo Bolsonaro, por meio do ministro das Minas e Energia, o Almirante de Esquadra da Marinha do Brasil, Bento Albuquerque, de que poderá “autorizar” a mineração em terras indígenas e que os povos indígenas serão submetidos à decisão.
O fato da oferta governamental ter ocorrido poucos dias após a onda de assassinatos em Brumadinho, Minas Gerais, e de ter sido feita a grandes investidores e empresários estrangeiros, num dos maiores eventos do mundo sobre o tema, realizado no Canadá, demonstra que não existe qualquer sentimento de solidariedade e de respeito do governo Bolsonaro em relação às pessoas, ao meio ambiente e aos interesses da nação brasileira.
A Consulta Prévia, Livre e Informada aos povos indígenas a respeito de qualquer empreendimento que os afete é uma obrigação legal e incontornável. Em sua fala, o ministro deixa clara a intenção de desconsiderar a posição dos povos e fazer da Consulta uma mera encenação.
Ao humilhar, mundialmente, os povos indígenas do Brasil, o governo Bolsonaro humilha a própria nação brasileira
A preocupação e o esmero do governo Bolsonaro para transmitir uma sensação de segurança à trupe capitalista, atestando, em evento público e mundial, que os povos indígenas do nosso país terão de “engolir” a decisão de qualquer jeito demonstra que, de fato, para o atual governo, o Brasil e os brasileiros estão abaixo de todos e que o Capital está acima de tudo.
Ao humilhar, mundialmente, os povos indígenas do Brasil, o governo Bolsonaro humilha a própria nação brasileira.
O Cimi se solidariza com os povos indígenas do nosso país e manifesta total disposição de continuar ao seu lado na defesa e implementação do sagrado e constitucional direito a seus projetos próprios de Vida e de futuro.
Brasília, DF, 11 de março de 2019
Conselho Indigenista Missionário – Cimi