22 de jan. de 2020

DOCUMENTO FINAL


Povo Apinajé realiza na aldeia São José, a 10ª Assembleia Geral da Associação Pempxà

Na Escola Mãtyk participantes da 10ª Assembleia Geral da Pempxà. (foto: Oscar de Sousa. F. Apinagé. Jan. 2020)

Nós caciques, conselheiros, jovens, mulheres, estudantes, anciãos e crianças do povo Apinajé, somando mais de 100 lideranças vindos de 46 aldeias, estivemos reunidos na 10ª Assembleia Geral da Associação União das Aldeias Apinajé-Pempxà, realizada na aldeia São José na zona rural do município de Tocantinópolis, no Norte de Tocantins, no período de 17 a 22 de janeiro de 2020.


Durante os 5 dias debatemos as questões internas de nosso povo e tratamos das políticas públicas, saúde, territorialidade e o Programa Básico Ambiental-PBA Timbira. Ainda analisamos a conjuntura política do pais; especialmente as propostas e Projetos do governo Bolsonaro de liberar as terras indígenas para arrendamentos, mineração e agronegócio.


Avaliamos como extremamente grave e perigosa a intenção e plano do governo de abrir as terras indígenas para exploração de empresas; agronegócio, mineração, arrendamentos, madeireiras e outras. Entendemos como uma tentativa de prejudicar o Meio Ambiente, a vida e cultura dos povos indígenas em benefício dos ricos empresários e ruralistas, inimigos históricos das etnias indígenas brasileiras.

Sabemos que as referidas proposta do governo contrariam e entram em conflito com Tratados e Acordos Internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção 169 da OIT e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. As propostas do atual governo também agridem e ferem a própria Constituição Federal em seus Artigos 231 e 232.

Observamos e denunciamos a explosão da violência nesse primeiro ano do governo, especialmente na região Norte do Brasil, fatos que tem resultado em assassinatos de lideranças indígenas no Maranhão, Pará e Amazonas. Esses atentados que tem tirado a vida de jovens cidadãos e lideranças indígenas são inaceitáveis; mancham a imagem do país perante a comunidade internacional e envergonham o conjunto da sociedade brasileira. Assim o Brasil está sendo considerado um dos países mais violento do mundo, comparado a um país em guerra civil declarada.

É de conhecimento público da sociedade que as narrativas, discursos de ódio e declarações do presidente Bolsonaro incentivam e impulsiona essa onda de invasões de terras indígenas em todo o país. Ainda é notório que essas agressões, provocações e incitações para o confronto são combustível para deflagração de mais conflitos e violências em áreas indígenas disputadas com fazendeiros e/ou ocupadas por invasores.

Fatos graves e crimes que estão acontecendo sob as vistas e conhecimento das autoridades do STF, PGR, MJ e Congresso Nacional. Exigimos providencias das autoridades brasileiras pra impedir mais violências e massacres que estão vitimando as lideranças e comunidades indígenas país a fora?  É fato evidente que o sucateamento intencional da FUNAI e do IBAMA, a falta de demarcação e regularização de terras indígenas e quilombolas, a paralisação da reforma agraria e outros retrocessos e omissões desse governo são as causas dessas violações socioambientais e crimes perpetrados na forma de grilagem de terras, invasões de madeireiras, garimpeiros e sistemática matanças institucionalizada e legalizada.
Plenária da 10ª Assembleia Geral da Pempxà na Escola Mãtyk. (foto: Antonio Veríssimo.Jan. 2020)

Por essas razões nossas Ações por regularização, segurança e garantia de nossos territórios e pela proteção do Meio Ambiente continuarão sendo questões de honra para nossos povos e comunidades. Sempre estaremos atentos, firmes, unidos e articulados nessa luta em defesa do Bioma Cerrado e da Amazônia. Somos conscientes de nossos direitos e deveres, e seguiremos unidos e lutando, agindo e atuando pela Paz e o Bem Viver em nossas aldeias; na certeza que nossas gerações futuras continuarão essa luta.

Reafirmamos que somos contra qualquer proposta; medidas ou leis que visem liberar e abrir nossos territórios para arredamentos, mineração, madeireiras e grilagem. Pedimos aos governos, políticos e empresários que respeitem as leis, a CF e os Tratados e Acordos assinados e ratificados pelo Brasil. Chega de violações, invasões e perseguições contra nossas lideranças. Respeitem nossos territórios, nossos povos e comunidades.

Aldeia São José, 22 de janeiro de 2020

Associação União das Aldeias Apinajé-Pempxà

21 de jan. de 2020

MANIFESTO INDÍGENA

Raoni e 45 povos indígenas lançam manifesto pela vida
“Vou continuar até quando meu corpo resistir. Estamos unidos para defender o povo e a terra”, declarou Raoni, em entrevista à Amazônia Real

“Vou continuar até quando meu corpo resistir. Estamos unidos para defender o povo e a terra”, declarou Raoni, em entrevista à Amazônia Real. Crédito da foto: Kamikia Kisedje/Cobertura Colaborativa
POR JULIANA ARINI, DA AGÊNCIA AMAZÔNIA REAL
Por quatro dias, a aldeia Piaraçu, na Terra Indígena Capoto Jarina (MT), tornou-se o centro do mundo para 45 povos indígenas. Cerca de 600 lideranças indígenas protagonizaram um evento inédito em todo o país, o Encontro dos Povos Mebengokrê. No final do encontro, após quatro dias e muitos debates, os povos indígenas deram um exemplo a todo Brasil durante a construção do documento “Manifesto do Piaraçu das lideranças indígenas e caciques do Brasil”.
O encontro foi idealizado pelo líder Kayapó Raoni, ou Raoni Metukire, em seu idioma materno, que mesmo com quase noventa anos, insiste em convencer os homens a repensarem a ocupação do planeta. “Não vou desistir, vou continuar até quando o meu corpo resistir. Se o homem branco insistir em cortar floresta, fazer barragem em rio, garimpo e destruir tudo, vou continuar aqui, lutando”, diz ele, durante entrevista exclusiva à agência Amazônia Real. Raoni responde às indagações da reportagem com uma resolução que por trás de sua pintura tradicional camufla o peso da idade.
Os olhos lacrimejam, não há mais a agilidade do guerreiro alto e esguio que começou a lutar pelo povo Kayapó nos anos de 1970, mas a sua determinação causa espanto. O líder permaneceu até o último momento de votação do documento, que envolveu discussões sobre os direitos das mulheres, o respeito aos jovens e, principalmente, como os povos indígenas vão enfrentar um grande desafio: as políticas anti-indígenas do atual governo brasileiro.
Os povos da floresta representados pela filha do líder seringueiro e ambientalista Chico Mendes (1944-1988), Angela Mendes, que atua na coordenação do Comitê Chico Mendes, também participaram das discussões do documento.
“Desde o ano passado percebemos que precisávamos nos unir, pois os tempos atuais pedem que estejamos todos juntos. Temos um governo literalmente fascista”, afirmou Angela, muito emocionada, após reencenar um momento protagonizado por seu o pai nos anos de 1980 ao se reunir com povos indígenas para firmar uma aliança dos Povos da Floresta.
O encontro na terra indígena Kayapó foi um sucesso. Eram esperadas 450 pessoas, mas o evento reuniu 600 participantes. Alguns convidados – e mais de 200 visitantes extras, bem recebidos -, viajaram por até cinco dias, dormiram em barracas, redes e em alojamentos improvisados para atender o chamado de Raoni. A grande maioria das pessoas era indígenas, somados a jornalistas nacionais e internacionais, e amigos de longa data do cacique.
O clima era de alegria, com os representantes de 45 povos vestidos com as cores de suas culturas originais
A reunião final, no centro da aldeia, com todas as lideranças e seus representantes que participaram da luta pela inclusão dos direitos indígenas na Constituição Federal de 1988, foi um dos momentos mais emocionantes.
As discussões do evento apontaram o governo do presidente Jair Bolsonaro como um dos principais inimigos dos povos indígenas hoje. “Queríamos que a Funai (Fundação Nacional do Índio) voltasse aos bons tempos. Estivesse fortalecida e com estrutura para ajudar os povos indígenas como nos tempos de Olímpio Serra, Sidney Possuelo, Claudio Romero e os outros presidentes que realmente pensavam nos povos indígenas”, conta Megaron Txucarramãe, tradutor, sobrinho e cotado para ser um dos possíveis sucessores de Raoni.
Participantes do encontro mandaram um recado ao mundo: “somos a cura da terra”. Crédito da foto: Todd Southgate/Cobertura Colaborativa

O retorno ao Xingu

Em sua casa, Megaron explicou à reportagem da Amazônia Real como a trajetória de Raoni forjou o líder atual. “Crescemos no Xingu. O povo Kayapó fez parte da diáspora dos povos que perderam o seu território com a abertura das estradas que cortaram a Amazônia a partir da década de 1950. Fomos levados para lá e por lá ficamos um tempo, até que decidimos voltar aqui para às margens do Xingu”, diz.
Raoni nasceu na aldeia Krajmopyjakare, hoje chamada Kapôt – filho do líder Umoro, uma grande liderança de seu povo. Apesar de só conhecer o “homem branco” em 1954, seu povo já sofria há décadas com os ataques.
“Não gostei quando conheci o homem branco. Tive medo, minha avó, de quem herdei o meu nome, sempre contava das histórias de ataques e mortes. Eles (brancos) no encurralaram aqui. Antes nosso povo andava por tudo. Goiás, Tocantins, até beira do Rio de Janeiro era nosso território de andar e migrar. Agora só conseguimos mudar um pouco aqui em nossa terra”, conta Tuíra Kayapó, prima consanguínea, mas ao mesmo tempo neta de Raoni, segundo a estrutura de parentesco dos Kayapó.
O evento na Terra Indígena Capoto Jarina foi marcado de simbolismo. Além de um documento conciso, o encontro promoveu o diálogo entre os povos de todas as regiões do país.
“Cresci com Raoni no Xingu, e vou estar sempre ao lado dele. Nossa luta é igual, pelo território e cultura do povo indígena”, explica Afukaka Kuikuro, um dos grandes líderes do Parque Nacional do Xingu, uma das maiores terras indígenas do país
“Precisamos nos unir não só para defender território, mas para cuidar que os jovens tenham orgulho de ser indígena e veja futuro dentro de nossa cultura”, conclui o líder xinguano.
O encontro também resgatou a visibilidade de lideranças Kaypó históricas. É o caso de Paulinho Paikan, voz atuante entre seu povo no contexto político. “Não vou me calar quando for para defender a natureza. Esse é o meu direito a vida e as ameaças cresceram muito”, disse ele à Amazônia Real.
“Pensei muito sobre isso tudo que tem nos cercado. Cheguei à conclusão que a soja é a ilusão do dinheiro. A dependência do dinheiro é algo que não tem fim, não se esgota; se entrarmos nesse caminho vamos nos devorar, não terá fim”, explicou Paulinho Paiakan.
Lideranças indígenas de outros povos do Brasil foram convidadas ao encontro. Crédito da foto: Todd Southgate/Cobertura Colaborativa

Ameaças vizinhas

Capoto Jarina é um exemplo dos novos tempos entre os Kayapó. A terra indígena é cortada por uma estrada por onde trafegam inúmeras carretas de soja e gado. A estrada é o marco físico de dois territórios indígenas, o mundo Kayapó e o Parque Nacional do Xingu, mas em ambos os lados é possível perceber o quanto a floresta já sucumbiu ao corte de madeira. Uma franja de floresta rala e cercada do “mato-bravo”, trepadeira espinhosa também conhecida como “juquira”, toma conta do horizonte em ambos os lados.
No passado, conforme lembra Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), os próprios Kayapó chegaram a se envolver com corte de madeira e com garimpo, atividade que causava divisão entre eles. Santilli é reconhecido por sua atuação no indigenismo brasileiro, e foi presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) de 1995 a 1996.
“Por um tempo, os Kayapó estiveram envolvidos com o corte de madeira e garimpo, ainda nos anos de 1990. Eu me desentendi com muitas lideranças daqui para tentar mudar o pensamento deles. Mas Raoni nunca apoiou essa conduta e sua postura foi fundamental para que passassem a evitar o assédio do homem branco sobre as suas riquezas”, disse Marcio Santilli, em declaração à Amazônia Real.
No Encontro na aldeia Piaraçu, Márcio Santilli contribuiu repassando informações aos indígenas sobre as atuais propostas do governo federal que envolvem o arrendamento de terras indígenas para não-indígenas e a regulamentação da mineração, na qual um dos pontos mais controversos é a proposta do governo de não dar poder de veto aos povos indígenas.
A formação de jovens lideranças também se mostrou um tema crucial para o futuro. As filhas de Paulinho Paiakan são exemplos desse novo modo de vida indígena
“Meu pai lutou muito para estudarmos, chegou a se desentender com os familiares, mas nós conseguimos. Minhas irmãs são enfermeiras, eu sou advogada e todas nós estudamos inglês. Sempre participamos do movimento indígena”, explica O.é Paiakan Kayapó, que é vista como uma liderança pelo próprio Raoni.
“Precisamos dos jovens para manter a nossa luta. Eles são fundamentais”, afirma Aritana Yalapiti, um dos caciques xinguano presente na reunião. “Raoni desde muito cedo sempre foi esse líder, os jovens precisam buscar essa postura”, afirma.
Novos líderes




A delicada questão da sucessão de cacique Kayapó, é um tema pouco discutido. Nas terras indígenas poucos se habilitam a se candidatarem ou lutar pelo reconhecimento necessário para tornarem-se uma liderança.
Pai de dez filhos, Raoni perdeu em dois acidentes os herdeiros naturais. Seu primogênito morreu em um acidente pouco esclarecido nos anos de 1990, quando seu povo ainda vivia no Parque Nacional do Xingu. Após o incidente, Raoni migrou para dentro do território Kayapó, abandonando de vez o local para onde foram levados pelos sertanistas Orlando, Claudio e Leonardo Villas-Boas, à época do contato, em 1954.
A aldeia de Raoni é tão reservada quanto a possibilidade de manter um contato mais próximo com ele. Apesar de ser uma figura pública, Raoni é quase sempre esquivo ao assédio de quem o admira. A aldeia isolada é uma proteção ao cacique. O único caminho é o rio Xingu em uma viagem de mais de duas horas. Foi para lá que ele convidou o seu sobrinho Bepkmro Metuktire e atual tradutor para morar.
“Ele já expôs o seu desejo de me transmitir a liderança e pediu para eu estudar e me preparar”, explica Bepkamro, ou Ta-ú como é conhecido
Bepkamro é vice-presidente do Instituto Raoni, a associação que o povo Kayapó utiliza para captar recursos para projetos de economia sustentável, como atividades agroflorestais nas aldeias e para fazer eventos como os dessa semana. O cargo é outro símbolo de proximidade com Raoni. Antes dele, o segundo filho do cacique, Tedje Metukitire, falecido em um acidente de carro em 2004, ocupava o cargo.
Mas a sucessão do cacique para as lutas futuras também envolverá uma figura feminina, com já anunciou o próprio Raoni, quebrando a tradição de transmissão da chefia apenas aos homens. O nome dessa figura segue sem ser definido.
Hoje a mulher mais respeitada entre os Kayapó é Tuíra. Para ela a figura de Raoni foi fundamental para tornar-se uma líder. “Desde jovem ele sempre vem lutando, e me vez ver o sonho da luta e segui-lo, mas a liderança é dos jovens. Daqui em diante nosso futuro está com as jovens mulheres”, explicou.
Os rituais e apresentações de danças tradicionais fizeram parte da programação do encontro. Crédito da foto: Todd Southgate/Cobertura Colaborativa

Militância pacífica

Enquanto não há ainda a previsão de um sucessor, o cacique viaja para repetir a mesma mensagem em inúmeras entrevistas e discursos. “Enquanto o indígena tiver ameaçado, eu vou pedir a paz”, diz Raoni.
O início de sua cruzada envolveu encontro com vários presidentes brasileiros e estrangeiros. O primeiro deles foi Juscelino Kubitschek, nos anos 1950, e o ultimo o presidente francês Emanuel Macron, em 2019. Raoni apenas não se encontrou ainda com o atual presidente brasileiro Jair Bolsonaro, com quem vive uma história mútua de aversão.
O discurso anti-indígena do presidente foi uma das razões do sucesso do encontro na Aldeia Piaraçu. O documento pode ser considerado símbolo da resistência indígena e dos povos tradicionais contra velhos inimigos dessas nações, como na abertura de novas áreas de floresta, a mineração e a disputa pela terra
“Essa reunião não veio para fazermos guerra. Estamos unidos para defender o povo e a terra. Quero que todo mundo respeite os indígenas e nos deixe viver paz”, concluiu Raoni, que na semana que vem estará em Oxford, no Reino Unido, em um seminário sobre meio ambiente e direitos sociais.
Em 2019, Raoni foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz. Embora não tenha sido escolhido, seu nome permanece com a indicação para 2020.

Fonte: Por Agência Amazônia Real
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10 de jan. de 2020

VIOLÊNCIA

Nota do Cimi: inquérito da PF sobre assassinato de Paulino Guajajara reforça ciclo de impunidade
Ao reduzir o caso a um lamentável episódio de troca de tiros, investigação desconsidera uma longa história de violência e violações contra os Guajajara e seu território
Paulo Paulino Guajajara, Guardião da Floresta assassinado na Terra Indígena Arariboia. Foto: Sarah Shenker/Survival International
Paulo Paulino Guajajara, Guardião da Floresta assassinado na Terra Indígena Arariboia. Foto: Sarah Shenker/Survival International
“Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão!” (Lc, 19-40)
O Conselho Indigenista Missionário – Cimi vem a público repudiar a conclusão da Polícia Federal no inquérito cuja finalidade foi investigar a execução do indígena Paulo Paulino Guajajara e o ataque ao indígena Laércio Sousa Silva, baleado no braço, conforme divulgada pela imprensa. O fato ocorreu no dia 1º de novembro de 2019, no interior da Terra Indígena (TI) Araribóia, nas proximidades da aldeia Lagoa Comprida, a 86 km do município de Amarante do Maranhão.
Conforme o relato feito pelo sobrevivente Laércio, os indígenas foram vítimas de uma emboscada enquanto caçavam dentro do seu território. Segundo ele, quando pararam para tomar água, ouviram barulho no mato e logo em seguida os tiros. Paulo Paulino tombou no local após receber um tiro no ouvido, não havendo tempo para se defenderem. Laércio se protegeu atrás de uma árvore, sendo alvejado nas costas e no braço direito, conseguindo escapar com o quadriciclo que estavam usando na caçada a porcos do mato. Laércio assegurou que não avistou nenhum corpo de não indígena caído no local.
É de conhecimento geral que os Guajajara da TI Arariboia, bem como outros povos indígenas, atuam como Guardiões da Floresta nas TIs Alto Turiaçu, Caru, Governador, Krikati e Pindaré, realizam ações de proteção do seu território e são reconhecidos pela Funai e pelo Ibama para realizar essas ações, uma vez que o Estado, que deveria proteger e fiscalizar seus territórios, não o faz. É sabido também que, por conta da atuação dos Guardiões, os indígenas têm recebido ameaças, e em 2016, quatro indígenas Guajajara foram assassinados dentro da Terra Indígena Arariboia. Dois deles eram Guardiões e nenhum desses casos foi investigado pela Polícia Federal.
Foi também neste contexto que, em 2007, Tomé Guajajara, liderança de 60 anos, foi assassinado por madeireiros na aldeia Lagoa Comprida, no interior da TI Arariboia e, em 2008, Maria dos Anjos Guajajara, de apenas sete anos de idade, foi assassinada enquanto assistia televisão em sua casa, na aldeia Anajá, localizada no mesmo território. Em ambos os casos, as aldeias foram invadidas por madeireiros em represália às ações de fiscalização e denúncia dos indígenas.
Nos últimos vinte anos, o Cimi registrou o assassinato de pelo menos 47 indígenas do povo Guajajara no Maranhão. Destes, 18 eram da TI Arariboia.
Embora a situação nas terras do povo Guajajara tenha se agravado recentemente, o ambiente de violência e insegurança também afeta os demais povos indígenas do estado do Maranhão, sejam aqueles que vivem em terras demarcadas, como a TI Alto Turiaçu, que viu Euzébio Ka’apor ser assassinado em 2015 após ações autônomas de fiscalização e denúncia contra madeireiros, sejam os que ainda lutam pela regularização de seus territórios tradicionais, como o povo Akroá Gamella, vítima de um atentado que deixou mais de vinte feridos em abril de 2017.
Questionamos se esse contexto foi levado em consideração pela Polícia Federal ao concluir que “foi possível afastar as hipóteses relacionadas a conflitos étnicos ou mesmo por emboscada de madeireiros a indígenas, tudo convergindo para a conclusão de que o lamentável episódio se originou da troca de tiros motivada pela posse de uma das motocicletas utilizadas pelos não indígenas”, segundo passagem de uma nota da PF divulgada pelo site do jornal O Globo.
O que faziam os madeireiros no território indígena, fortemente armados, numa área regularizada e de usufruto exclusivo dos povos indígenas?
Historicamente há conflito étnico por conta da retirada ilegal de recursos naturais de dentro do território, e as vítimas são sempre os indígenas. Se não foi emboscada, tampouco foi confronto. O que faziam os madeireiros no território indígena, fortemente armados, numa área regularizada e de usufruto exclusivo dos povos indígenas?
A Polícia Federal, ao reduzir o assassinato de Paulino Guajajara a um lamentável episódio de troca de tiros, desconsidera uma história de mais de 40 anos de conflitos com madeireiros nesse território, ao longo dos quais os indígenas vêm sendo assassinados e tendo seus territórios destruídos sem que nenhum assassino seja punido.
Ao desprezar o contexto de violência e de violações aos direitos e territórios indígenas, mesmo quando se trata de terras indígenas já demarcadas, a Polícia Federal demonstra sua opção política pela criminalização dos povos e de seus processos de luta por direito e por território, naturaliza o racismo institucionalizado pelo Estado e acaba por reforçar, com esta posição, as políticas de extermínio dos povos originários.
Exigimos uma investigação que considere as identidades, os direitos, os indícios e as vozes dos próprios povos, e que acabe com a impunidade dos que matam e mandam matar os povos indígenas e suas lideranças. Repudiamos ainda a atuação de parte da mídia que, ao reproduzir os argumentos falaciosos, reforça a criminalização e a posição desse governo e desse Estado etnocida.

Conselho Indigenista Missionário – Cimi
8 de janeiro de 2020
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