6 de fev. de 2020

APIB: NOTA DE REPÚDIO



Apib repudia projeto do governo Bolsonaro que libera mineração, hidrelétricas e agronegócio nas terras indígenas

Projeto de Lei 191/2020 foi protocolado na Câmara dos Deputados pelo Executivo nesta quinta-feira (6)
Acampamento Terra Livre 2019. Foto: Foto: Christian Braga/MNI
Fotos: Christian Braga/MNI
POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulgou hoje (6) uma nota de repúdio contra o projeto de lei do governo Bolsonaro que pretende regulamentar atividades de exploração econômica de terras indígenas. Entre as atividades liberadas pelo projeto estão a mineração, o garimpo, a extração de petróleo e gás, a construção de hidrelétricas e a agropecuária, atendendo aos interesses de grandes empresários e fazendeiros.
A proposição do Executivo foi enviada nesta quinta-feira à Câmara dos Deputados, onde foi designada como Projeto de Lei (PL) 191/2020. O presidente Jair Bolsonaro se referiu à proposta como um “sonho”. Para a Apib, o projeto busca “na verdade autorizar também a invasão dos territórios indígenas”.
“O ‘sonho’ do governo Bolsonaro é na verdade a vontade de atender os interesses econômicos que impulsionaram a sua candidatura e sustentam o seu governo, mesmo que isso implique em total desrespeito à legislação nacional e internacional que assegura os nossos direitos fundamentais”, afirma a Apib.
Leia a íntegra da nota:

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL
APOINME – ARPIN SUDESTE – ARPINSUL – Comissão Guarani Yvyrupa – Conselho do Povo Terena – ATY GUASU – COIAB


NOTA PÚBLICA DE REPÚDIO CONTRA O PROJETO DO GOVERNO BOLSONARO DE REGULAMENTAR A MINERAÇÃO, EMPREENDIMENTOS ENERGÉTICOS E O AGRONEGÓCIO NAS TERRAS INDÍGENAS
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) vem de público manifestar o seu veemente repúdio às manifestações de ódio e racismo visceral que o governo Bolsonaro desde o seu primeiro dia de governo tem manifestado rotineira e publicamente contra os povos, organizações e lideranças indígenas do Brasil, nos últimos dias materializadas no anuncio de um Projeto de Lei que visa definir “condições específicas para a pesquisa e lavra de recursos minerais, inclusive a lavra garimpeira e petróleo e gás, e geração de energia hidrelétrica em terras indígenas”, anúncio maquilhado de falsas boas intenções e retóricas que induzem à cooptação e divisão dos povos, tergiversando o real sentido da autonomia, para na verdade autorizar também a invasão dos territórios indígenas por meio de outros empreendimentos tais como a agricultura extensiva, a pecuária e outros empreendimentos predatórios.
A vil afirmação de que “O índio é um ser humano exatamente igual a nós. Tem coração, tem sentimento, tem alma, tem desejo, tem necessidades…” repete o etnocentrismo dos invasores europeus, que há mais de 500 anos massacraram milhões de irmãos nossos, prática que nos tempos atuais configura crime racial inafiançável.
O “sonho” do governo Bolsonaro é na verdade a vontade de atender os interesses econômicos que impulsionaram a sua candidatura e sustentam o seu governo, mesmo que isso implique em total desrespeito à legislação nacional e internacional que assegura os nossos direitos fundamentais, o nosso direito originário, direito congénito, de ocupação tradicional das nossas terras e territórios, o nosso direito de posse e usufruto exclusivo, e o nosso direito à consulta, ao consentimento livre, prévio e informado sobre quaisquer medidas administrativas e legislativas que nos afetem.
É preciso que se diga, a maioria dos povos e comunidades indígenas do Brasil não comunga com os anseios de uma minoria de indivíduos indígenas que se iludem e dobram às camufladas más intenções deste governo.
A APIB, portanto, denuncia a manipulação que o Governo Bolsonaro faz do nosso direito à autonomia e repudia esse projeto de morte que a qualquer custo quer implantar nos territórios indígenas, com impactos irreversíveis particularmente sobre povos indígenas isolados e de recente contato, e chama a toda a sua base e movimentos, organizações e segmentos solidários da sociedade nacional e internacional a se somarem conosco nesta batalha pela vida e o bem viver não apenas dos povos indígenas mas de toda a humanidade e o planeta.
Brasília – DF, 06 de fevereiro de 2020
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

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3 de fev. de 2020

CULTURA INDÍGENA


GRATIDÃO AOS POVOS INDÍGENAS
(Porque os brasileiros devem)

*Fernando Schiavini

O que os brasileiros conhecem das contribuições dos indígenas à formação do Brasil e dos brasileiros, além das inevitáveis histórias da “bisavó pega a laço”?  Porque a história e a mídia enaltecem a participação dos europeus e dos negros na formação da cultura brasileira e os indígenas continuam discriminados, como se em nada houvessem contribuído com ela?

A PENETRAÇÃO NO TERRITÓRIO

O que a maioria dos brasileiros não sabe é que a própria penetração e colonização do território que viria a ser o BRASIL não teria sido possível sem a participação dos indígenas, de seus conhecimentos e tecnologias. Seria impossível aos portugueses, por exemplo, transportar alimentos da Europa, suficientes para suprir centenas de homens, em expedições ao interior que podiam durar vários anos.  Quando os europeus aqui chegaram, os indígenas brasileiros já haviam domesticado e cultivavam espécies alimentares há mais de 10.000 anos. No caso da mandioca, uma espécie reconhecida pela ciência como 100% brasileira, não apenas a cultivavam, mas haviam desenvolvido toda a tecnologia para o seu aproveitamento e conservação por longos períodos. A farinha de mandioca era o principal alimento das expedições, complementado com os produtos da caça, da pesca e da coleta de frutos, que também dependiam das tecnologias e dos conhecimentos indígenas para serem praticadas. A farinha de mandioca, aliás, foi o principal alimento dos brasileiros até finais do século XIX e até hoje está presente nos lares de todo o país.

O LEGADO NA ALIMENTAÇÃO

Com relação à alimentação, no entanto, não foi somente a mandioca. Os indígenas já haviam domesticado e disseminado, por todo o território nacional, o milho (hoje produzido e exportado em larga escala e do qual se origina uma série de produtos industriais), batata-doce, abóbora, inhame, cará, feijão, fava e banana, enumerando os mais conhecidos. De modo geral, os agricultores indígenas selecionavam suas sementes segundo algumas características positivas, como maciez, cores e tamanhos. Assim, nos legaram inúmeras variedades dessas espécies, que resultam não somente em excelentes qualidades alimentares, mas também em peso e produtividade. Abóboras gigantes que chegam a pesar 50 kg ou mais, “cabeças” de inhames que alcançam o peso de 20 kg, pés de mandioca que chegam a fornecer 50 kg de alimento, são muito comuns no Brasil.


Esses produtos são cultivados e alcançam boa produção em todos os quadrantes do território nacional, sem necessidade de insumos ou defensivos agrícolas, exatamente porque foram disseminados e adaptados pelos povos indígenas, em milênios de migrações e trocas intertribais.   Muitos desses alimentos, ainda largamente consumidos pelos brasileiros, também contribuíram para a implantação das fazendas de criação de animais. Desde o período colonial, é muito comum nas fazendas brasileiras a utilização do milho, da mandioca, dos inhames e das abóboras como ração para bois, galinhas, cavalos e porcos. Também foram com os indígenas que aprendemos a consumir inúmeros frutos nativos, como o caju, goiaba, abacaxi, maracujá, buriti, pequi, pitanga, apenas par citar alguns.

O CONHECIMENTO DAS ERVAS MEDICINAIS

A contribuição dos indígenas para a manutenção física dos brasileiros não para por aí. Os conhecimentos das ervas medicinais de todos os biomas do território nacional salvaram da morte milhões de pessoas, desde a colônia, acometidas por doenças tropicais. Ainda hoje essas ervas são largamente utilizadas em todo o país, principalmente no interior, onde continua muito comum se recorrer aos conhecimentos dos raizeiros, benzedeiras e pajés.  Mesmo nas grandes cidades do país ainda se encontram bancas de raizeiros oferecendo folhas, cascas e raízes para a cura de doenças. Inúmeras dessas ervas foram transformadas em remédios alopáticos e homeopáticos que são comercializados pelas farmácias e drogarias. Um dos casos mais conhecidos nesta área foi o desenvolvimento da anestesia, utilizada atualmente em todos os procedimentos cirúrgicos, que teve a sua origem no “curare”, um composto utilizado por várias etnias indígenas, no exercício da caça.

A CONTRIBUIÇÃO ÀS ARTES E AO LÚDICO

Apesar desse aspecto não ser jamais enaltecido pelas mídias, os povos indígenas contribuíram imensamente com as artes nacionais, como os trançados em fibras, a tecelagem, a cerâmica, além das festas tradicionais e dos ritmos.  Se observarmos os ritmos das músicas nordestinas e nortistas, largamente difundidas por todo o país, como o coco, baião, xaxado, lambada, carimbó, veremos uma forte influência dos ritmos indígenas. No carnaval carioca (e de outras regiões), de onde teriam vindo os enormes cocares de penas usados por todas as escolas de samba que desfilam na Sapucaí, senão dos povos indígenas?

TODOS FOMOS COLONIZADOS PELOS INDÍGENAS

Segundo a interpretação de Darcy Ribeiro, o sociólogo Gilberto Freire, em seu livro Casa Grande & Senzala, teria reconhecido que se os europeus colonizaram os territórios indígenas, os brasileiros foram “colonizados” culturalmente pelos indígenas. De fato, os europeus, entre maravilhados e decepcionados, ainda hoje comentam sobre essa “maneira de ser” do brasileiro, como que resignados por não completar o trabalho colonizador.

A GÉNETICA E O "JEITINHO"

Na verdade, o indígena imprimiu no brasileiro mais do que o traço genético, que segundo pesquisas realizadas pela UFMG ainda prevalece no "sangue" de mais de 60% da população brasileira. Imprimiu também a própria forma de ser, de agir e de compreender o mundo. O modo descontraído e alegre, a hospitalidade, o espírito pacifista e gregário, a impontualidade, o planejamento em cima da hora, o “jeitinho” para resolver as coisas, entre outras marcas da brasilidade, são legados essencialmente indígenas, reforçados pelas influências negras.

Então, por que os brasileiros resistem em reconhecer a influência indígena na cultura nacional em seu sentido mais amplo? Isso, com certeza, tem a ver com as informações transmitidas nas escolas, que continuam a colocar os indígenas como um elemento histórico do passado, e pelos veículos de comunicação de massa, para os quais os povos indígenas são invisíveis, exceto quando são alvos de notícias negativas. 

ELES TEIMAM EM OCUPAR SUAS PRÓPRIAS TERRAS

Em nosso entendimento, isso ocorre porque os indígenas “teimam” em garantir a posse de suas terras ancestrais, sempre cobiçadas pelo capitalismo, não somente pelas terras em si, mas também pelas suas “riquezas naturais” (madeira, minérios). Além disso, os indígenas também “teimam” em não explorar seus territórios, exatamente porque não são capitalistas. Vejam o exemplo dos negros. Após terminada a escravidão, eles puderam ter reconhecidos seus valores culturais e sua influência na cultura brasileira. Bastou, entretanto, que tivessem alguns territórios “quilombolas” reconhecidos e demarcados nos últimos anos para que voltassem a ser discriminados como “improdutivos”, inclusive pelo poder governamental.

QUANDO SEREMOS REALMENTE UM PAÍS?

O Brasil jamais será um país de fato se continuar negando suas origens, inclusive a negra e a europeia, e a sua genuína maneira de ser, negando sua imensa e riquíssima diversidade cultural.
Quanto aos indígenas, eles não querem muito. Pedem apenas respeito à sua ancestralidade na ocupação deste país e ao direito de viver em paz no que restou de suas terras, segundo seus costumes, crenças e tradições, como está estabelecido nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal.
                                                                                                          *Indigenista e Escritor

1 de fev. de 2020

NOTA DO CIMI

Nota do Cimi: com política inconstitucional, governo Bolsonaro pode provocar etnocídio e genocídio de povos isolados e de recente contato no Brasil
 
No Brasil existem, aproximadamente, 114 povos indígenas isolados
Conselho Indigenista Missionário - Cimi
O Conselho Indigenista Missionário – Cimi manifesta grave preocupação e repudia veementemente as recentes iniciativas do Governo Bolsonaro que afrontam a Constituição Brasileira e a política sobre povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil.
O governo Bolsonaro dá evidentes sinais de abandono à perspectiva técnico-científica, do respeito ao direito de existência livre desses povos, com seus próprios usos, costumes, crenças e tradições, em seus territórios devidamente reconhecidos e protegidos (CF Art. 231), para uma orientação neocolonialista e etnocida, de atração e contato forçados, com o uso do fundamentalismo religioso como instrumento para liberar os territórios destes povos à exploração por grandes fazendeiros e mineradores.
Ao adotar este direcionamento, o governo Bolsonaro e os grupos econômicos e ‘investidores’ beneficiários desta política assumem, conjuntamente, a responsabilidade pelo potencial e iminente genocídio e etnocídio de povos indígenas no Brasil.
O Cimi também repudia as agressões verbais do presidente Bolsonaro à entidade, demonstração de completo despreparo e desequilíbrio emocional do mesmo, que servem de incentivo às ameaças e violências contra membros da organização que atuam junto aos povos em todas as regiões do Brasil. Mesmo diante dessas intimidações, o Cimi reafirma o compromisso inarredável e solidário com a vida, os direitos e os projetos de futuro dos povos originários do Brasil.
Brasília, 31 de janeiro de 2020
Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

COMUNICADO DE IMPRENSA


COMUNICADO DE IMPRENSA DA SURVIVAL INTERNATIONAL

“Um plano genocida”: a Survival reage a nova proposta para a Funai

31 de janeiro, 2020

Ricardo Lopes Dias, o missionário proposto como novo coordenador geral do departamento de índios isolados da Funai. © Ricardo Lopes Dias
O governo do Presidente Jair Bolsonaro propôs o missionário evangélico, Ricardo Lopes Dias, para comandar a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da FUNAI. Lopes Dias trabalhou muitos anos com a Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), agora conhecida também como Ethnos360.

A notícia da nomeação de Lopes Dias está causando indignação ao redor do mundo.
A COIAB, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, afirmou em nota: “Nossas famílias sofreram historicamente com a atuação de missionários proselitistas - muitos deles da Missão Novas tribos do Brasil (MNTB) - que fizeram contato forçado com nossos avôs e avós. O contato forçado foi feito através de mentiras, violência e ameaças de morte.”

Sarah Shenker, da Survival International, o movimento global pelos direitos dos povos indígenas, disse hoje: “Colocar um missionário evangélico no comando do Departamento de Índios Isolados da FUNAI é como colocar uma raposa no galinheiro. É uma agressão, uma declaração de que eles querem entrar em contato com povos indígenas isolados à força, o que os destruirá. Juntamente com a recente proposta do presidente Bolsonaro de abrir terras indígenas para mineração e exploração, este é um plano genocida para a destruição total dos povos mais vulneráveis do planeta cuja sobrevivência está agora em risco. Nós resistiremos com todo o nosso poder, junto com nossos amigos indígenas do Brasil.”
Os indígenas isolados são os povos mais vulneráveis do planeta. ©G Miranda/ FUNAI/ Survival
A Missão Novas Tribos é conhecida em todo o mundo por suas tentativas de forçar o contato e evangelizar povos indígenas isolados. É uma das organizações missionárias mais extremistas, cujas missões no Paraguai levaram a várias mortes durante as décadas de 1970 e 1980.