Com faixa na cueca, índio burlou regra para dar recado a Dilma no Itaquerão
Vinícius Segalla*
Do UOL, em São Paulo
16/06/201406h00
Luiz Pires/Comissão Guarani Yvyrupa
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Na abertura da Copa do Mundo da FIFA, menino Guarani com faixa pedindo demarcações de Terras Indígenas no Brasil. |
Wera Jeguaka Mirim, índio guarani de 13 anos: "Eu
queria contar a nossa luta para o mundo"
Em determinado momento da cerimônia de abertura da Copa do
Mundo, no último dia 12, no Itaquerão, três crianças, sendo uma branca, uma
negra e uma indígena, soltaram pombas brancas do gramado para simbolizar a paz
e a união de povos e culturas que supostamente reina no Brasil.
O que a transmissão de TV oficial não mostrou foi que o
garoto indígena, Wera Jeguaka Mirim, de 13 anos, estendeu, logo após o ato
simbólico, uma faixa vermelha com os dizeres "Demarcação Já!". Era um
protesto e um ato de luta em favor da demarcação das terras indígenas na Grande
São Paulo e no Brasil, processo que se encontra atualmente interrompido no
país.
A Fifa proíbe veementemente qualquer tipo de manifestação
política nos estádios da Copa, ainda mais se vinda daqueles que fazem parte do
espetáculo, como era o caso de Wera, morador da aldeia guarani de Krukutu, no
bairro de Parelheiros, extremo sul da capital paulista.
"Eu não podia entrar com a faixa, mas eu queria, nosso
povo queria e precisa. Coloquei na cueca, só tirei quando já estava lá no meio
do campo e daí estiquei para todo mundo ver, porque a gente mora aqui faz muito
tempo, faz mais de mil anos, a gente quer nossa terra demarcada", explica
o garoto, em um português difícil, aprendido na escola, com seus pais e sua
tribo ele só fala em guarani.
Mas se Wera tem dificuldade em falar na língua europeia,
escrever ele aprendeu muito bem. Tanto que já é autor de dois livros, que serão
lançados ainda este ano. "Kurumim Guarani" e "Contos de um
Kurumim Guarani" têm histórias da vida na aldeia, escritas em linguagem
simples, como explica o pai de Wera, feitos para crianças, indígenas ou não.
Já a faixa que carregou no Itaquerão não era para crianças.
"Eu queria que a presidente Dilma (Rousseff) lesse. E que mais gente lesse
e lutasse com a gente. Para que a gente não ficasse sozinho na luta, para que
ela (Dilma) visse que a gente não tá sozinho".
A população guarani que reside na Grande São Paulo
distribui-se atualmente em seis aldeias, que fazem parte de duas terras indígenas
em processo de regularização fundiária.
Duas dessa aldeias, Ytu e Pyau, ficam no Pico do Jaraguá e
compõem a Terra Indígena Jaraguá. Nelas residem cerca de 700 guarani. A terra
foi reconhecida na década de 1980, mas foi regularizada com apenas 1,7 hectare,
a menor terra indígena do país. A aldeia Pyau fica fora dessa área e atualmente
há uma decisão judicial vigente que determina a retirada dos Guarani dali.
Quando e se a Justiça expedir uma ordem de reintegração de posse, aí a polícia
vai ter que tirar eles de lá.
No dia 30 de abril de 2013, a Funai (Fundação Nacional do
Índio) aprovou e publicou no Diário Oficial da União (Portaria FUNAI/PRES No
544) os resultados dos estudos técnicos que reconhecem cerca de 532 hectares
como limites constitucionais da Terra Indígena Jaraguá, incluindo as duas
aldeias atualmente ocupadas, e as áreas necessárias para a reprodução física e
cultural do grupo.
De acordo com o Decreto Presidencial nº 1775, que
regulamentará o processo de demarcação de Terras Indígenas no país, abriu-se, a
partir da publicação desses estudos, período de 90 dias para que os
interessados apresentassem contestações administrativas. Assim, foram
apresentadas três manifestações de contestantes ao processo de identificação e
delimitação da terra Jaraguá.
O processo corre agora para o Ministro da Justiça, a quem
cabe publicar uma portaria declaratória que permite iniciar o processo de
indenização dos ocupantes não indígenas para devolver as áreas ao usufruto
exclusivo das comunidades indígenas. A assinatura dessa portaria é uma das
reivindicações dos guarani. Enquanto este trâmite acontece, a ameaça de despejo
paira sobre indígenas.
Já as outras quatro aldeias guarani localizam-se no extremo
sul da metrópole, na beira da represa Billings, duas delas em Parelheiros
(Aldeia Barragem e Aldeia Krukutu), uma próxima ao distrito de Marsilac (Tekoa
Kalipety) e a última em São Bernardo do Campo (Aldeia Guyrapaju).
As duas primeiras haviam sido reconhecidas também na década
de 1980, com uma superfície de cerca de 26 hectares cada. Atualmente com uma
população de cerca de 1.400 pessoas distribuídas entre as quatro aldeias, as
áreas reconhecidas na década de 1980 têm uma densidade populacional crítica de
26 pessoas por hectare.
Por isso, iniciou-se em 2002, um estudo para a correção
desses limites. Dez anos depois, em 19 de abril de 2012, a Funai também aprovou
e publicou no Diário Oficial da União (Portaria FUNAI/PRES No 123) (ANEXO 2) os
resultados dos estudos técnicos que reconhecem cerca de 15.969 hectares como
compondo os limites constitucionais da Terra Indígena Tenondé Porã, que abrange
três das quatro aldeias da região sul.
O processo não teve contestações administrativas que
questionassem a sua validade, e já foi encaminhado ao Ministério da Justiça, de
quem os guarani reivindicam a publicação da portaria que legalizará o
território indígena.
De acordo com o Artigo 231 da Constituição Federal, são
considerados nulos e extintos todos os atos administrativos que envolvem a
posse de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas. Logo, emissão das
portarias por parte do Ministério da Justiça tornaria nulos os alegados títulos
dos particulares que disputam ou queiram disputar em juízo a área ocupada pelos
Guarani.
"É isso que queremos, é isso que quer dizer a faixa que
meu filho levantou. Quando a gente contou que ele iria participar da abertura
da Copa, muita gente criticou, mas ele foi lá para explicar ao mundo que até
hoje ainda expulsam a gente da nossa terra. Ele foi lá para que fosse contada a
história da nossa luta", diz Olívio Jekupe, pai de Ware. Pois contada
está.
* Colaborou Guilherme Bal
http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/06/16/com-faixa-na-cueca-indio-burlou-regra-para-dar-recado-a-dilma-no-itaquerao.htm