MANIFESTAÇÃO
DO POVO APINAJÉ, SOBRE AS CONDIÇÕES DAS ESTRADAS VICINAIS E A FALTA DE MATERIAL
ESCOLAR NAS ESCOLAS INDÍGENAS
Escola Estadual Indígena Mãtyk na aldeia São José. Foto: Arquivo Pempxà. Agosto de 2021)
Nós
lideranças e caciques Apinajé da região das aldeias São José e Mariazinha
estivemos reunidos no dia 13 de março do corrente ano tratando de assuntos
internos e sobre questões relacionadas as políticas públicas especialmente a
situação das estradas vicinais e falta de material escolar nas Escolas.
Expressamos nossa preocupação com as condições das estradas vicinais de acesso
às aldeias Apinajé, indispensáveis para viabilizar o Transporte Escolar que
serve todas as Unidades Escolares existentes nesta terra indígena. Verificamos
que essa situação difícil das estradas vem se repetindo todos os anos, logo no
início do período letivo causando prejuízos e transtornos para Estudantes que
ficam impedidos de frequentar as aulas, enquanto os gestores dos municípios
ficam prometendo melhorar as condições das estradas vicinais nossas crianças
estão impedidos de ir à Escola. Lembrando que no período de dezembro a
fevereiro os Prefeitos tiveram tempo para recuperar as estradas, mas nada
fizeram; evidenciando total ausência de planejamento e falta de vontade
política.
E esse problema se arrasta há décadas, entre 2015 e 2021 houve uma tentativa (fracassada)
de Acordo entre as Prefeituras e a comunidade indígena mediado pelo MPF-TO e FUNAI,
mas as conversas não avançaram exatamente pelo desinteresse e negação dos
Prefeitos com essa nossa reivindicação.
Reunião de caciques Apinajé e Prefeitos na aldeia Prata. (foto: Arquivo Pempxà. Maio de 2021)
Atualmente existe um Processo Judicial
ajuizado pelo MPF-TO tramitando nos Tribunais que poderá condenar as
Prefeituras de Tocantinópolis,
Maurilandia, São Bento do Tocantins e Cachoeirinha a elaboração de um plano
efetivo de recuperação e conservação dessas vicinais, mais enquanto a justiça
não se manifesta e decide, essas estradas continuam esburacadas e abandonadas
prejudicando os mais de 300 Estudantes que dependem do Transporte Escolar para
frequentar aulas na Escola Estadual Indígena Mãtyk na aldeia São José, na
Escola Estadual Indígena Tekator, localizada na aldeia Mariazinha no município
de Tocantinópolis e na Escola Estadual Indígena Katam na aldeia Palmeiras no
município de Maurilandia.
É fato que no decorrer de décadas todos os gestores
que passaram pelas citadas Prefeituras nunca demonstraram nenhum interesse e
nem responsabilidades para assumir (em) a recuperação e conservação dessas
estradas internas do território Apinajé, dificultando assim a atuação dos
próprios órgãos públicos da esfera municipal, estadual e federal, haja vistas
que essas estradas são utilizadas com frequência por viaturas das Prefeituras, da
SEDUC, do RURALTINS, FUNAI, SESAI, IBAMA e nossos próprios veículos, pois
precisamos nos deslocar diariamente entre as aldeias, e acessar povoados e
cidades do entorno para visitar familiares, trabalhar, vender nossos produtos,
fazer compras e resolver assuntos pessoais.
Ainda, sobre a questão das estradas
vicinais, na última quinta-feira, dia 14/03/2024 estivemos reunidos com o
Senhor Prefeito de Tocantinópolis, Paulo Gomes, e na ocasião o chefe do Poder
Executivo do município de Tocantinópolis informou que estava com as maquinas
realizando serviços nas estradas na região da aldeia São José, e que concluída
essa parte, já iniciaria os trabalhos nas estradas na região da aldeia
Mariazinha. Assim nos comprometemos aguardar até que sejam concluídas as
estradas na região da São José e seja iniciado os trabalhos nas estradas na
parte da aldeia Mariazinha.
Trecho de estrada vicinal de aldeia Palmeiras, acesso à Tocantinópolis. (foto: Arquivo Pempxà. Junho de 2019)
Outra situação que está acontecendo e atrapalhando
o andamento das atividades escolares é a falta de material escolar, problema
verificado em todas as Escolas. As aulas foram iniciadas em fevereiro, mesmo
assim após mais de 40 dias estamos aqui registrando queixas dos país e mães de
Estudantes dessa falta de material escolar, problema que se repete novamente esse
ano, já que no ano de 2022 também verificamos o mesma demora para entregar
cadernos, lápis, réguas, livros e outros materiais didáticos nas referidas Unidades
Escolares.
Diante disso, informamos que
se esse problema não for resolvido, a partir de segunda-feira dia 18/03/2024,
estaremos paralisando as aulas em todas as Escolas estaduais e nas creches do
município em protestos por motivo da falta de material escolar, e o abandono e
falta de recuperação das estradas vicinais de acesso à nossas aldeias.
Informamos ainda que as aulas ficaram paralisadas por tempo indeterminado até
que sejam resolvidos essas demandas da comunidade, e que durante a paralisação
os Professores e demais servidores não-índios não poderão acessar e nem permanecer
nas respectivas Unidades Escolares aonde atuam.
Em presença desses fatos estamos
encaminhando esse Manifesto para o conhecimento do MPF-TO, SEDUC, AGETO e FUNAI,
solicitando que adotem medidas cabíveis para resolver esses problemas. Diante do
exposto requeremos dos órgãos públicos competentes e responsáveis:
a)A urgente recuperação das estradas vicinais de
acesso às aldeias localizadas nos 4 municípios;
b)Aquisição e
entrega de material didático nas Escolas citadas;
c)Reestabelecimento
do diálogo, Acordo e parcerias entre as Prefeituras, AGETO, FUNAI, MPF-TO para
conservação das estradas vicinais na T.I. Apinajé;
Dividida pela rodovia (BR 230) Transamazônica, Terra Indígena Apinajé ainda aguarda por demarcação de área excluída pela Ditadura
Tese de doutorado em história, UFSC, 2022
PorFábio Zuker20 julho 2022 at 11:41(Atualizado em 14 setembro 2022 at 15:59)
Há 25 anos indígenas lutam pela demarcação de seu território na integridade, e clamam que a área que permanece fora da demarcada é fundamental para sua existência. Clima de violência que marcou o processo de demarcação nos anos 1980 volta à região.
Antônio é líder do povo Apinajé, e conta a história de como o traçado da Transamazônica, construída pela ditadura civil-militar (1964-1985) cruzou o território de seu povo no meio, criando um conflito que persiste até hoje. Os indígenas entendem que apenas uma parte de seu território, no Norte do Estado de Tocantins (na época dos acontecimentos era estado de Góias), encontra-se demarcada (Apinajé, com 140 mil hectares), e lutam pelo reconhecimento da outra metade (Apinayé II), a oeste e a sul da Transamazônica.
Procurada, a Funai não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem.
“A rodovia que causou um grave impacto foi a Transamazônica, a rodovia BR-230: cortou o território bem no meio. E ela propiciou que a área fosse invadida e o próprio governo passou a assentar famílias vindas do Sul”, explica Antônio Apinajé.
A liderança indígena conta que o traçado da “Transamazônica, em 1970, passou a quinhentos metros da principal aldeia Apinajé, a São José”, afirma Antônio. Com cerca de 400 habitantes, a aldeia São José está na origem de outras aldeias menores, que orbitam ao seu redor, explica o indígena.
Antônio conta ainda que com este traçado extirpando parte do território Apinajé, automaticamente os fazendeiros se disseram donos, do lado esquerdo, no sentido leste oeste, da Transamazônica . “E consideraram que a rodovia já era uma divisa”, afirma Antônio. O indígena conta ainda que os fazendeiros conversavam com as lideranças indígenas, induzindo-as a aceitar “que de agora por diante as terras de vocês ficam do lado direito, e a nossa do lado esquerdo (da Transamazônica)”. As áreas excluídas pegam o córrego Pirá, ribeirão Mumbuca, Cruz e Raiz – mas elas são referidas usualmente e em processos legais como as “Áreas do Gameleira” ou “áreas ao redor do Gameleira”
No momento da construção da estrada, o território Apinajé, como a maior parte das terras indígenas do Brasil, não estava demarcada – o início efetivo do processo demarcatório se dá em 1985. Hoje, o trecho inicial da Transamazônica que corta o território Apinajé sequer faz parte da rodovia – tendo sido abandonado em 1999, com a construção de uma espécie de desvio, após pressão dos indígenas, contornando a área do Ribeirão Gameleira reivindicada pelos indígenas. Ou seja, a divisão do território pela Transamazônica permanece mesmo após esta ter sido abandona, e se transformando em uma de estrada local.
Início da Transamazônica no trecho do entroncamento com a Belém-Brasília. Fotografia de Orlando Brito (1973). Fonte: Fagundes, Marcelo Gonzalez Brasil. “Fragmentos de uma história Panhĩ: história e território Apinajé na longa duração”
“E o resultado foi que quando foi demarcar, teve essa dificuldade e não demarcou. Nesse território ainda existe um conflito. Depois de mais de trinta anos, em que nosso povo busca conclusão da demarcação dessa parte que ficou de fora” explica Antônio.
Impactos de um projeto militar de desenvolvimento
Marcelo Gonzalez Brasil Fagundes é historiador, professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e neste ano defendeu sua tese de doutorado em história sobre os Apinajé, intitulada “Fragmentos de uma história Panhĩ: história e território Apinajé na longa duração”. Um dos enfoques de sua pesquisa é, precisamente, o impacto dos projetos de desenvolvimento encabeçados pela ditadura civil-militar no território Apinajé.
“É a Transamazônica, é a política de desenvolvimento do regime militar que transforma a demarcação da terra Apinajé num problema”, reflete Fagundes, sobre a restrição ao uso tradicional e histórico do território Apinajé por seus habitantes.
Citando o jornalista Rubens Valente, autor do livro Os Fuzis e as Flechas, Fagundes caracteriza a construção da Trasnamazônica como um “processo caótico”, cujo resultado é “o favorecimento justamente dos grandes latifúndios, da oligarquia local, dos grileiros”. Fagundes salienta que na obra de Valente, fica demonstrada a falta de planejamento “do traçado da rodovia e aquilo que eles iriam encontrar no caminho. Enquanto ainda ocorriam reuniões entre empreiteiras e governo, a estrada já estava passando no território Apinajé”, reflete o historiador.
O historiador complementa, refletindo sobre como a restrição territorial pela transamazônica foi utilizada para restringir o território Apinajé. “foi exatamente a linha da Transamazônica que foi utilizada como como limite da área, com a justificativa trazida pelo regime militar na garantia do desenvolvimento nacional, de defesa da soberania nacional. Aqueles conceitos bastante específicos da ditadura”.
“A rodovia foi construída na década de 1970, a demarcação só acontece em 1985, e hoje, em 2022, eles (os Apinajé) estão brigando por esse território que a Transamazônica suprimiu”, sintetiza Marcelo Gonzalez Brasil Fagundes.
Fagundes explica que esta área que ficou fora da demarcação tem importância para os Apinajé por motivos históricos e cosmológicos, mas também econômico e produtivo. O historiador conta que missionários fundaram a vila de Boa Vista (atual Tocantinópolis) em 1818, mas que os indígenas Apinajé mantiveram uma certa autonomia em relação a esse aldeamento: “ou seja, eles mantinham a aldeia, em detrimento da missão que estava localizada em Tocantinópolis”, explica. Esta aldeia, chamada de Aldeia Alegria, é histórica, tanto na memória social quanto na documentação existente e está identificada nessa área reivindicada.
O historiador explica ainda que os Apinajés inseriram-se, no século XIX, nessa rede de relações capitalistas, fornecendo produtos da roça para a cidade: “eles abastecem a cidade, abastecem as embarcações, isso é bastante forte na documentação. E a presença das roças dos Apinajé, essa área, produtora, fértil, são justamente essas áreas que são essas áreas reivindicadas”. Ele explica que uma grande parte do território Apinajé hoje demarcado é composto por um cerrado arenoso, e que existem matas de vegetação ciliar similares à vegetação amazônica. Mas que justamente as terras que ficaram fora da demarcação, a oeste e ao sul, garantiam “aos apinajés a capacidade de produzir uma grande quantidade de alimentos”.
Além de afetar a segurança alimentar dos Apinajé, a exclusão das áreas do Gameleira da demarcação também afetou a economia indígena. A área é rica em babaçu, e a extração da amêndoa para a renda permitiu, ao longo de décadas, uma importante fonte de ingresso para os indígenas.
Por fim, a região possui também uma importância cosmológica e ritualística já que nela se encontram importantes petróglifos (gravuras feitas em Pedras), que fazem referência à escolha, em um plano divino, para a sua morada. A fava d’anta, planta típica da região utilizada com frequência pelos Apinajé, também tem grande incidência nesta área excluída da demarcação.
Clima de violência durante a demarcação
Antônio Apinajé conta que entre “1984 até 1985 aconteceu uma grande luta do povo de Apinajé para conseguir a regularização fundiária do território que hoje está demarcado parcialmente”. O indígena relembra momentos de tensão deste processo, como o despejo de famílias de uma aldeia localizada no Norte do território, em Cocalinho, por “ações de milicianos, de jagunços a mando de prefeitos da região aqui da região de Araguatins”.
Em novembro de 1984, a aldeia Cocalinho foi invadida por cerca de 25 homens armados e aparentemente embriagados, liderados pelo ex-prefeito do município de Araguatins, João de Deus. Com as ameaças e o clima de medo, 40 indígenas apinajés foram obrigados a subir em um caminhão e deixados na beira da rodovia Transamazônica próximos à aldeia São José, explica o historiador Marcelo Gonzalez Brasil Fagundes em sua tese de doutorado.
A liderança indígena relembra também que o clima de ameaças contra o seu povo estava generalizado: “o povo Apinajé sofreu ameaças dentro da cidade de Tocantinópolis, que eram promovidas, que eram perpetradas pelos coronéis, pelos fazendeiros da região”.
Antônio recorda que, no final de junho de 1985, alguns meses após a demarcação da terra indígena Apinajé, a tensão chegou ao climax com o pior episódio de violência contra os Apinajés, “que foi a morte de um jovem Apinajé chamado Valdemar, e a prisão de outros indígena. Inclusive idosos, e outros baleados dentro da delegacia de polícia de Tocantinópolis”.
Para Marcelo Fagundes, citando o livro de memórias do indigenista Fernando Schiavini De Longe Toda Terra é Azul, na época coordenador da Funai na região, o assassinato de Valdemar Apinajé, os baleados e as detenções “foi um processo de vingança orquestrado pelos fazendeiros pela demarcação da Terra Apinajé”, comenta o historiador, que entende a situação como uma “arapuca”.
Dois indígenas que estavam na feira municipal reagiram às provocações de policiais militares e acabaram detidos. Ao tomarem conhecimento da prisão, os Apinajés vão para a porta da delegacia acampar em um gramado, como forma de protesto. Em determinado momento algumas das lideranças vão acompanhar no hospital uma criança internada, e os policiais se aproveitam para atirar no grupo, detendo diversos indígenas, baleando dois e assassinando Valdemar Apinajé – cujos dois filhos, Oscar e Carlos Apinajé, são importantes lideranças hoje.
Este momento marcou o tumultuado processo de demarcação capitaneado pelos próprios Apinajé. Indígenas de outras regiões do Tocantins e do Pará também vieram auxiliar na delimitação do território que passou por uma sucessão de grupos de estudo um vaivém de decisões – minuciosamente narradas na tese de Fagundes. Vale a pena trazer alguns dos momentos decisivos deste processo, que implicou na redução do território Apinajé e que molda o conflito vivenciado pelos indígenas ainda hoje.
A demarcação do território Apinajé atravessa o século XX e diferentes políticas indigenistas. Segundo documentos do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) analisados pelo historiador, data de 1948 o primeiro processo de demarcação junto ao Departamento de Terras e Colonização em Goiás – quando a responsabilidade era ainda do governo do estado. Poucos anos depois, em 1953, já é possível observar uma redução considerável nas propostas do território Apinajé a ser demarcado, de modo a favorecer fazendeiros “e expulsar os Apinajé das terras do ribeirão Botica”, conforme escreve Fagundes em sua tese.
Na entrevista concedida ao InfoAmazonia, Fagundes ressalta que “mesmo nesse mapa, nesse croqui de 1953, que é o que que tenta restringir ao máximo a terra dos Apinajé, liberando a maior quantidade de terras para a colonização e para esses posseiros, mesmo neste momento as terras do Gameleira (que são essas terras que hoje a gente chama de Apinayé II) são reconhecidas pelo estado. Então elas são reconhecidas pelo estado desde sempre, desde 1948”. Ela só será excluída na canetada que demarca o território, em 1985.
“Naquele momento, ainda na época do SPI já se percebia a pressão, das oligarquias locais e regionais. É uma região historicamente muito caracterizada por conflitos fundiários, e a política de colonização dos militares vai acentuar essa relação”, explica Fagundes.
O historiador explica que em 1962 é feito um outro mapa, pelo chefe do posto da Funai, chamado Jonas Bonfim, e que a partir de memórias dos anciãos, das antigas aldeias, inclui-se no território Apinajé essas áreas hoje reivindicadas. Ou seja, “o Estado sempre reconheceu essas áreas como áreas Apinajé”.
Ao longo dos anos 1960, o antropólogo Roberto DaMatta faz trabalho de campo entre os Apinajé. Assim que retorna do campo, o antropólogo envia uma carta pública, e faz as primeiras demandas para o início da demarcação da área Apinajé em 1970. Sucedem-se uma série de Grupos de Trabalho para delimitação da área, mas sem chegar a um consenso.
Após anos de um processo atribulado que pouco avança, marcado por ameaças e violências, em 1985, DaMatta publica uma carta denunciando a situação no jornal O Estado de São Paulo. Em seguida, a Funai emite a portaria para dar início à demarcação.
Em paralelo, os Apinajé realizavam um feito histórico, explica Fagundes, dando início a autodemarcação de seu território, a partir de alianças estabelecidas com indígenas Krahô, Xerente, Karajá e inclusive Kayapó do Mato Grosso, contando com a participação do próprio Raoni Metuktire. O estopim desta mobilização foi o incidente de violência promovido contra lideranças indígenas pelo vereador de Tocantinópolis José Bonifácio Gomes, um proeminente político local, ocorrido no final de 1985. Após este episódio, os indígenas passam 40 dias abrindo picadas ao redor de seu território, com estas alianças estabelecidas junto a outros povos indígenas, em “uma autodemarcação para forçar o Estado a reconhecer uma área de 148 mil ha, incorporando as áreas do Cocalinho e as reivindicações não atendidas da região do ribeirão Gameleira”, escreve Fagundes em sua tese.
Isso gerou um aumento na agressividade por parte das oligarquias locais, conforme escreve o historiador: “os habitantes de Tocantinópolis, por sua vez, preparavam o contra-ataque. Dois caminhões da prefeitura municipal, com 40 homens armados, saíram da cidade dispostos a invadir a aldeia São José. No entanto, estes foram barrados pela polícia militar”
No início de 1980 ocorre a criação do Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantis (GETAT), para resolver conflitos fundiários no Sudeste do Pará, Norte de Goiás e Oeste do Maranhão – região popularmente conhecida como “bico do papagaio”. A ação do grupo “consolidou uma estrutura de concentração de terras nas mãos de grandes proprietários. O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou que a política de “colonização dirigida” fez parte dos planos governamentais que sistematicamente desencadeavam esbulho de terras, favorecendo a invasão e titulação de territórios indígenas a terceiros”, escreve Fagundes em sua tese.
É neste clima de ameaças e intimidações de órgãos estatais, políticos locais e grupos armados, somado ao receio de que um massacre contra os Apinajé na iminência de acontecer, que o grupo interministerial chamado de “Grupão”
Criado no início dos anos 1980, em meio ao clima de redemocratização do país, o chamado Grupão era o nome dado ao grupo interministerial composto por representantes do Ministério do Interior, Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários, Fundação Nacional do Índio, e outros órgãos federativos. Historicamente, ele serviu para atender demandas anti-indígenas e enfraquecer o poder da Funai
define a exclusão da área do gameleira. A justificativa pela redução do território foi a defesa do “desenvolvimento nacional” e da “integração nacional”.
“Se você olha para as próprias justificativas trazidas pelo Grupão, são seis grandes fazendas (que ficam na área da gameleira, reivindicada pelos indígenas). Então a população afetada pela demarcação dessa área se restringe a meia dúzia de fazendeiros”, afirma Fagundes.
O indigenista Gilberto Azanha, chefe da AJARINA, escreveu um telegrama questionando a exclusão da área da gameleira. Fonte: Fagundes, Marcelo Gonzalez Brasil. “Fragmentos de uma história Panhĩ: história e território Apinajé na longa duração” (Tese de doutorado em história, UFSC, 2022)
Clima de violência hoje
A decisão gerou insatisfação entre os Apinajé, que seguem tentando recuperar seu território. Para Carlos Augusto C. Almeida, do Conselho Indígena Missionário do Tocantins (CIMI-TO), com a decisão da justiça em 2020 para que a União e Funai concluam a demarcação do território em dois anos, o clima de ameaças e violência na região acirrou: “os apinajé já viveram isso no passado. Há grande perigo disso. Inclusive os apinajé falam para os indígenas não frequentarem a cidade de Tocantinópolis, para evitar ameaças”.
"Estamos observando a formação de milícias armadas, e estamos vivendo um período iminente de um derramamento de sangue."
Carlos Augusto C. Almeida, CIMI-TO
O missionário alerta para uma piora nesta situação de ameaças devido política de liberação de armas do governo Bolsonaro: “estamos observando a formação de milícias armadas, e estamos vivendo um período iminente de um derramamento de sangue”, alerta.
Segundo o missionário, os ruralistas estão incitando a população da cidade contra os Apinajé: “os que possuem terras, que vão perder com a nova demarcação, provocam a cidade contra os indígenas Apinajé. Eles vão trabalhar de tal maneira, que a cidade vai se envolver contra os indígenas”, afirma, relatando um clima de ameaças inclusive contra os funcionários locais da Funai.
“Eles, os ruralistas, eles estão se preparando para o embate”, afirma Almeida. E conclui, desabafando e relembrando que toda esta tensão poderia ter sido evitada: “se a demarcação Apinajé, não fosse a questão ideológica, do governo não aceitar o tamanho da terra na época, muitos dos conflitos hoje teriam sido resolvidos”.
Comunidades indígenas Apinajé estão sendo beneficiadas com energia solar do Programa Luz para Todos-Amazônia Legal
No período de 08 a 17 de janeiro de 2024, a Equipe Técnica da
Empresa CGB Energia e ENERGISA, acompanhados por um servidor da FUNAI/CTL de
Tocantinópolis, estiveram percorrendo as 11 aldeias mais isoladas do território
Apinajé realizando instalação dos equipamentos de energia solar do Programa Luz
para Todos-Amazônia Legal. O sistema é composto por painel solar, controlador
de carga, bateria, inversor de tensão e lâmpadas. O cadastramento das famílias beneficiadas
ocorreu no mês de dezembro de 2022, e após mais de um ano de espera, as mais de
60 famílias indígenas comemoram a chegada da energia em suas residências que
antes eram iluminadas à noite apenas com velas ou lamparinas.
As aldeias Arco-Iris, Bacuri, Pintada, Piaçava, Betânia, Morro
Grande e Serra Dourada no município de Tocantinópolis, Recanto dos Morros e
Mata Verde (São Bento do Tocantins), Caatinga e Cocalinho (Cachoeirinha) foram comtemplados
com equipamentos de geração de energia solar. Nessa nova fase de implantação ao
menos 250 indígenas de 11 aldeias foram beneficiados diretamente. As Escolas
das aldeias Mata Verde, Cocalinho e Bacuri receberam equipamentos de energia solar
mais potentes. As famílias beneficiadas
receberam ainda orientações e sobre o cuidado e uso dos equipamentos de energia
solar; especialmente sobre o que pode e o que não pode ser ligado nesse (novo) sistema
de geração de energia do Programa Luz para Todos.
O Decreto presidencial 4.873 de 11 de novembro de 2003 instituiu
o Programa Luz para Todos. Antes de 2003 era muito difícil energia elétrica chegar
nas localidades rurais mais distantes e isoladas; especialmente no Norte e Nordeste do país. Mas, a energia do
Programa Luz para Todos veio pra ficar e melhorar as condições de vida das
populações que vivem nessas áreas urbanas e rurais do Brasil. Segundo o Ministério
das Minas e Energia -MME nesses 20 anos o Programa alcançou 3,5 milhões de residências,
beneficiando 17,2 milhões de pessoas em todo o país.
Mas, existem muitas pessoas que ainda não tiveram acesso aos benefícios
da energia elétrica; especialmente as comunidades mais distantes e isoladas da chamada
Amazônia Legal. Sabemos que nessa grande região existem inúmeras dificuldades
para implantar a infraestrutura de torres de transmissão, fios e cabos, e
outras situação que podem impedir levar a energia até às aldeias indígenas, comunidades
ribeirinhas, assentamentos e quilombos localizados em áreas remotas de difícil acesso
da Amazônia Legal.
E para enfrentar e superar essa situação o Programa Luz para
Todos foi relançado pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva, no dia 04 de agosto
de 2023 durante visita à cidade de Parintins no Amazonas. Além da energia da rede convencional que é
distribuída através de linhas de transmissão, torres e cabos, nessa nova fase adotou se o sistema de geração
solar ou fotovoltaica que facilita e permite levar energia elétrica para
comunidades mais distantes e isoladas da Amazônia Legal. Nessa nova fase o
Programa atenderá comunidades dos estados do Acre, Mato Grosso, Rondônia e
Tocantins.
Esse sistema de geração de energia que foi instalado nas
aldeias Apinajé, já vem sendo implantado em outras aldeias indígenas do estado
do Tocantins desde 2022. Em tempo consideramos a chegada da energia elétrica um
bem essencial e uma conquista para as comunidades indígenas que ainda não
tinham acesso à esse serviço. Agora as famílias beneficiadas podem iluminar
suas casas, assistir televisão, carregar um celular e conservar alimentos. E algumas
Escolas Indígenas que foram beneficiadas com energia solar, agora podem funcionar normalmente
à noite se for o caso.
A XII Assembleia Geral da Associação União das Aldeias Apinajé-Pempxà foi realizada no período de 04 A 08 de dezembro de 2023 na aldeia Cipozal, território Apinajé, município de Tocantinópolis, Norte de Tocantins
Durante 4 dias os caciques e lideranças debateram principais assuntos de interesse do povo Apinajé. A aldeia Cipozal foi comunidade escolhida para receber os mais de 200 participantes vindos de 60 aldeias distribuídas no território Apinajé. Nessa Assembleia tivemos expressiva participação de lideranças; especialmente jovens, mulheres e anciãos praticantes da cultura Apinajé. Além das discussões sobre a situação da saúde, debatemos sobre as estradas, a troca da Diretoria da Pempxà e as Prestações de contas da Associação. Os caciques trataram também sobre a proposta de criação do Fundo Timbira. Nesta XII Assembleia contamos ainda com as presenças dos convidados e representantes do Centro de Trabalho Indigenista-CTI, do Presidente da Associação Wyty Catë das Comunidades Timbira do Maranhão e Tocantins, do Coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena -DSEI-TO e do Presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena CONDISI-TO, os dois últimos convidados compareceram no dia 06/12.
No primeiro momento assunto tratado pelos caciques foi a situação das estradas vicinais de acesso às aldeias. Todos os caciques e lideranças manifestaram preocupação com a situação das estradas vicinais, especialmente as lideranças das aldeias São José e Mariazinha aonde estão localizadas as duas maiores Escolas desse território indígena, a Escola Estadual Indígena Mãtyk frequentada por mais de 500 crianças e adolescentes da região da aldeia São José e a Escola Estadual Indígena Tekator que recebe ao menos 350 Estudantes da região aldeia Mariazinha. A falta de estradas e a precarização dessas vias públicas podem deixar esses estudantes sem frequentar as aulas no período chuvoso entre fevereiro e abril do próximo ano de 2024.
Diante dessa situação mais de 60 caciques presentes na XII Assembleia da Pempxà, criaram uma Comissão de lideranças para ir em Palmas reunir com MPF-TO, FUNAI e AGETO entregar Documentos e pedir a recuperação das estradas vicinais de acesso às aldeias localizadas no eixo da Rodovia TO 126 e os trechos de acesso às aldeias localizadas do trevo próximo a aldeia Prata no município de Tocantinópolis até o povoado Veredão no município de São Bento do Tocantins. Os caciques também decidiram acionar o MPF-TO, para pedir a retomada de conversas com os Prefeitos de Tocantinópolis, Maurilândia, São Bento do Tocantins e Cachoeirinha, visando a retomada de Acordo entre essas quatro Prefeituras, o MPF-TO, a FUNAI e as comunidades indígenas para manutenção dessas estradas vicinais.
Dia 06 no período da tarde tivemos as presenças de Haratumã Warassi Javaé Coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena DSEI-TO e Ivan Xerente, Presidente do Conselho Distrital da Saúde Indígena CONDISI-TO. Hara Javaé explicou que vieram ao território Apinajé assinar ordem de serviço para início das obras da Unidade de Saúde da aldeia Mariazinha, e a conclusão do Sistema de Abastecimento de Água-SAA das aldeias Boi Morto e Bacabinha. Hara lembrou que “no momento estamos trabalhando com o que temos”. Comentou sobre os enormes desafios que enfrentamos, mas estamos trabalhando para melhorar o atendimento. Por sua vez o Senhor Ivan Xerente Presidente do CONDISI esclareceu sobre sua atuação no controle social da saúde indígena e enfatizou que “sempre tem se levantado nos Fóruns e nas reuniões de Presidentes de CONDISI em defesa dos direitos e interesses dos povos indígenas do estado do Tocantins”.
Os caciques denunciaram as dificuldades e a precarização do atendimento à saúde dos pacientes indígenas pelo PBI de Tocantinópolis. As lideranças também reclamaram da estrutura de atenção à saúde Apinajé que encontra se praticamente abandonada pelo poder público. As lideranças se queixaram das obras de saneamento básico que foram iniciadas há muitos e nunca foram concluídas, e pediram providências dos gestores.
Diante do encerramento do Programa Básico Ambiental PBA Timbira em 2021, há dois anos estamos discutindo outras formas de gestão dos recursos oriundos da compensação da UHE Estreito e nessa Assembleia continuamos debatendo a proposta do Fundo Timbira e o funcionamento desse Programa pensado para substituir o PBA Timbira. Após apresentação dos parceiros e Assessores convidados para contribuir nos debates sobre o Fundo Timbira, Oscar de Sousa F. Apinagé, atual Presidente da Associação Wyty Catë das Comunidades Timbira do Maranhão e Tocantins, enfatizou que “essa é uma proposta maior que ainda está sendo debatida e encaminhada para uma decisão coletiva do Povo Timbira”.
O advogado Aluísio Azanha assessor jurídico do Centro de Trabalho Indigenista-CTI, convidado para esclarecer com mais detalhes o funcionamento do Fundo Timbira iniciou afirmando que a ideia é apresentar e informar com calma essa proposta de funcionamento do Fundo Timbira. Destacou que a partir de Fundos Indígenas fica mais fácil acessar outras doações e apoios de parceiros. “Esse é um grande desafio, mas o CTI acredita no protagonismo de vocês”. Independente do Fundo Timbira a Wyty Catë e Associação Pempxà continuam separadas e fazendo suas próprias gestões e tomadas de decisões, afirmou. Após esclarecimentos dessas dúvidas e questionamento, os caciques Apinajé encaminharam e decidiram em favor da criação do Fundo Timbira.
Na manhã do dia 08/12 no pátio central da aldeia Cipozal foram formalmente empossados os (novos) membros da Diretoria da Associação Pempxà para os próximos três anos. Em acordo com deliberação da Plenária da XII Assembleia Geral da Associação Pempxà, por consenso os caciques indicaram para o cargo de Presidente o nome de José Eduardo Dias Pereira Apinajé (aldeia Paraiso) e para vice-presidente o Euclides Ribeiro Apinajé (aldeia Mariazinha), para função de 1º tesoureiro o nome de Emílio Dias Apinajé (aldeia Cipozal) e 2º tesoureiro Edivan Doutouter Corredor (aldeia Ngôgri) e para atuar na função de 1º secretário, Antonio Veríssimo da Conceição (aldeia Cocalinho) e Alcides Carvalho Krikati (aldeia Cipozal) o 2º secretário. Na ocasião foram indicados os (novos) nomes de lideranças para compor o Conselho Gestor Apinajé que juntos com conselheiros Krahô, Krikati e Gavião atuarão no âmbito do Fundo Timbira.
A situação das estradas, o atendimento à saúde e o Fundo Timbira foram debatidos e deliberados nessa XII Assembleia da Associação Pempxà, mas existem outras questões relacionadas a demarcação e proteção do território, produção comunitária e/ou familiar de alimentos e a instalação de energia do Programa Luz para Todos e outras políticas públicas demandadas pelas comunidades que também precisam ser resolvidas. Ressaltamos que em novembro de 2022 as famílias indígenas que moram nas aldeias Serra Dourada, Bacuri, Arco-Iris, Batânia, Pintada, Piaçava no município de Tocantinópolis, Morro Grande município de Maurilândia, Recanto dos Morros e Mata Verde no município de São Bento do Tocantins, Cocalinho e Caatinga no município de Cachoeirinha foram cadastradas pela FUNAI e a empresa concessionária de energia elétrica do estado do Tocantins para instalação de energia solar nessas aldeias. Passados mais de um ano e as mais de 60 famílias ainda estão aguardando a instalação de placas solar para atender essas 11 aldeias mais distantes e isoladas. As lideranças pedem a Empresa ENERGISA urgência para atender essa demanda dessas comunidades citadas.
Eis nossos desafios para os próximos anos. Precisamos reorganizar e reunir nossas bases e comunidades, em luta e trabalho pelos nossos direitos e valores culturais. Precisamos manter a unidade de nosso povo. Lutar em defesa da vida nos territórios, cuidar da terra e se preocupar com o destino das gerações futuras. Esses são grandes desafios que já estamos enfrentando. Seguiremos em frente juntos e articulados com organizações indígenas e indigenistas regionais e nacional; aliados e parceiros da causa indígena, na lua contra as ameaças, retrocessos e retirada de direitos. Juntos continuaremos fazendo a resistência e luta contra o Marco Temporal e outras ameaças dos ruralistas contra nossos direitos territoriais, culturais e ambientais assegurados pela Constituição Federal promulgada em 05 de outubro 1988.