21 de jul. de 2023

MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Intercâmbio Povos do Cerrado, Amazônia e Pantanal; “estamos conectados pela força das águas”

A realidade das Mudanças Climáticas foi principal assunto tratado no Intercambio dos Povos do Cerrado que aconteceu na cidade de Araguatins, na região do Bico do Papagaio, Norte do Tocantins nos dias 11, 12 e 13 de julho de 2023.
Ao menos 60 lideranças vindos dos Estados de Tocantins, Goiás, Bahia, Piauí, Maranhão, Pará e Mato Grosso representando suas comunidades e organizações participaram da Oficina ‘Povos do Cerrado e as Mudanças Climáticas’.

Lideranças e Brigadistas Indígenas do IBAMA/Prev-Fogo e voluntários dos povos Apinajé, Xerente e Krahô (TO) e Munduruku (PA) também somaram nessa troca de experiências e saberes. Durante três dias debatemos sobre os efeitos e consequências das Mudanças Climáticas na vida dos Povos do Cerrado, Amazônia e Pantanal, e como os povos e comunidades desses Biomas estão enfrentando a situação das Mudanças do Climáticas no Cerrado; um dos Biomas mais desmatados e degradados do Brasil.

Plenária dos Povos do Cerrado no Centro Paroquial em Araguatins. (foto: Pempxà, julho de 2023)

Na quarta-feira 12/07, 2º dia do Intercâmbio os participantes visitaram o território Apinajé; especificamente a aldeia Cocalinho no município de Cachoeirinha, localizada à 63 km de Araguatins. Nesta comunidade os participantes visitaram nascentes de águas e conheceram locais aonde foi aplicado o Manejo Integrado do Fogo-MIF no território indígena. O MIF são Ações preventivas contra incêndios florestais realizadas todos os anos pelos Brigadistas Indígenas do IBAMA/Prev-Fogo, nos meses de maio e junho. Na ocasião o líder Robson Krãkamreke Dias Apinajé, Agente do MIF explicou sobre essas Ações preventivas e as dificuldades que enfrentam na época de estiagem para combater os focos de incêndios fora de controle e muitas vezes de origem criminosa.

Ainda na aldeia Cocalinho, os participantes trocaram sementes, conversaram com lideranças locais e sentiram a realidade das famílias que vivem num contexto de conflitos, ainda desconfiadas e inseguras em razão do histórico de ataques que o povo Apinajé vem sofrendo nesses últimos 30 anos; antes e após a demarcação do território. Atualmente a situação está aparentemente calma, mas as lideranças não esquecem dos ataques e episódios de violências registrados num passado recente contra famílias Apinajé que habitavam na aldeia Cocalinho e em outras aldeias localizadas nessa região.

Intercambio dos Povos do Cerrado na aldeia Cocalinho. (foto: Pempxà, julho de 2023)

Esse Intercambio dos Povos do Cerrado, foi realizado pela Articulação AgroÉFogo e CESE em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST, Articulação para Pequena Agricultura do Tocantins -APA-TO e Associação União das Aldeias Apinajé-Pempxà, com participação de inúmeras Organizações locais e regionais dos Povos dos Biomas Cerrado, Amazônia e Pantanal impactados pelo desmatamento para formação de pastagens, plantio de soja, eucaliptos, carvoarias, grilagem e outras atividades do agronegócio. 

Acreditamos que esse Intercambio dos Povos do Cerrado foi uma experiência diferenciada, interessante e prática, porque todos participantes sentiram a realidade local e tiveram a oportunidade de perceber o abandono e as deficiências das políticas públicas; estradas e pontes em péssimas condições, o Posto de Saúde caindo aos pedaços, o medo e a preocupação com o fogo estampados no rosto de cada pessoa.


Povos do Cerrado no Intercambio na aldeia Cocalinho. (foto: Pempxà. Julho de 2023)

No dia 13/07/2023 em Araguatins foram apresentados vídeos e relatos mostrando Ações e Projetos desenvolvidos ou em execução nas comunidades camponesas, terras indígenas, nas quebradeiras de coco babaçu, e povos quilombolas presentes no Intercambio para amenizar os efeitos das Mudanças Climáticas nesses territórios localizados no Cerrado, Amazônia e Pantanal. O encerramento ocorreu no final da tarde desse dia.



Terra Indígena Apinajé, Julho de 2023


Associação União das Aldeias Apinajé-Pempxà

2 de jul. de 2023

NÃO AO MARCO TEMPORAL!

Em encontro, indígenas Apinajé reforçam que “não venderão nem trocarão suas terras”

A luta contra o marco temporal foi um dos temas mais debatidos na aldeia Serrinha, na TI Apinajé (TO); o evento ocorreu entre os dias 22 e 24 de junho

Encontro do povo Apinajé, na aldeia Serrinha (TO), foi realizado entre os dias 22 e 24 de junho. Na ocasião, o marco temporal foi um dos temas mais discutidos. Foto: Cimi Regional Goiás/Tocantins

POR CIMI REGIONAL GOIÁS/TOCANTINS

A luta contra o marco temporal foi um dos temas mais debatidos na aldeia Serrinha (TO), escolhida pelo povo Apinajé para ser o local do Encontro de Formação Política do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Goiás/Tocantins. O evento, realizado entre os dias 22 e 24 de junho, teve como tema “Direitos Indígenas: ameaças, desafios, perspectivas e estratégias de luta”.

Ao todo, participaram indígenas de 40 aldeias, da Terra Indígena (TI) Apinajé, em Tocantins – entre eles estavam homens, mulheres, crianças, jovens e anciões.

No encontro, as lideranças Apinajé fizeram uma análise da conjuntura nacional, regional e local. Destacaram como os principais problemas que afetam os povos indígenas a aprovação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, no dia 30 de maio, na Câmara Federal, e manifestaram repúdio a essa votação – já que a proposição tem como objetivo liberar, na prática, as terras indígenas para a mineração e paralisar as demarcações de terras indígenas. O ataque direto foi contra o artigo 231, da Constituição Federal de 1988.

“A proposição tem como objetivo liberar, na prática, as terras indígenas para a mineração e paralisar as demarcações de terras indígenas”

Em encontro, indígenas Apinajé demonstraram descontentamento com mais um pedido de vista do julgamento do marco temporal, no STF, e com o PL 2903/2023 (antigo PL 490/2007). Foto: Cimi Regional Goiás/Tocantins

Outro ponto importante no debate foi a retomada do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, no Supremo Tribunal Federal (STF), no início de junho – o caso de repercussão geral sobre direitos originários. Na ocasião, os indígenas apresentaram descontentamento com mais um pedido de vista – desta vez, feito pelo ministro André Mendonça. As lideranças destacaram que essa demora tem provocado mais violência contra os povos indígenas, mais ameaças ao direito dos povos a viver em paz em seus territórios.

Os indígenas lembraram, ainda, do sofrimento dos povos que vivem à beira das estradas, como o povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e os povos que vivem em territórios alheios, como é o caso do povo Avá-Canoeiro, que já tem a Portaria Declaratória da TI Taego Awá desde 2016, mas que, pela tese ruralista do marco temporal, não avançou a demarcação do território. E, como esse caso, há muitos territórios com os processos de demarcação paralisados.

“Há muitos territórios com os processos de demarcação paralisados”

No encontro, houve manifestações sobre problemas relacionados com as invasões do território por madeireiros e traficantes ilegais de animais silvestres. Além disso, as pressões pela empresa Suzano estão voltando para assediá-los mesmo dentro das aldeias.

Outra questão levantada pelas lideranças presentes foi a luta pela outra parte da terra, a região da Gameleira, que, devido ao erro no processo demarcatório, ficou fora da demarcação feita em 1985. No entanto, o povo Apinajé manifestou que não abre mão dessa parte da terra, e afirmaram que essa terra é deles e não vão deixar na mão de outros.

Em relação aos problemas das políticas públicas, exigiram que o município tome providências para dar manutenção a todas as estradas no interior do território. A precariedade e condições péssimas das estradas têm provocado impactos graves na educação, como a paralisação das aulas. Já na saúde, os impactos são mais graves, pois coloca em risco a vida das pessoas. Além da estrada ruim, existe falta de transporte, falta de remédios e demora nos atendimentos à saúde.

“A precariedade e condições péssimas das estradas têm provocado impactos graves na educação, como a paralisação das aulas”

Indígena Apinajé fazendo anotações durante encontro na aldeia Serrinha, na TI Apinajé (TO). Foto: Cimi Regional Goiás/Tocantins

Foi exigido também que o poder público e os órgãos competentes assumam sua responsabilidade e compromisso para a manutenção das estradas. E pediram para que o Ministério Público Federal (MPF) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) tomem providências e busquem solucionar, em breve e definitivamente, essa situação vergonhosa das estradas internas.

Outro momento importante do encontro foi o aprofundamento sobre o marco temporal: como está o processo, sobre a análise dos votos dos ministros e os passos seguintes desse julgamento histórico e fundamental para os povos indígenas.

As diversas falas dos caciques, vice caciques e das lideranças Apinajé foram para reafirmar que eles não vão deixar que o marco temporal seja aprovado e, por isso, se mobilizaram no dia 7 de junho fechando a rodovia TO-210 em apoio aos indígenas que estavam mobilizados em Brasília na mesma data.

“Os ministros têm que votar logo, e tem que votar em favor de nosso direito originário. Nós somos os primeiros habitantes do Brasil. E nós não vamos deixar de lutar pelo que é nosso. Não vamos parar de lutar e, enquanto existir um fio de nosso cabelo, vamos brigar pelo nosso direito”, afirmou uma das lideranças presentes no encontro.

“Não vamos parar de lutar e, enquanto existir um fio de nosso cabelo, vamos brigar pelo nosso direito”

Povos indígenas realizaram vigília em frente ao STF nesta terça-feira (29), em defesa de seus direitos originários. Foto: Yarikazu Xipaya

Povos indígenas realizaram vigília em frente ao STF, em junho de 2021, em defesa de seus direitos originários. Foto: Yarikazu Xipaya

A partir do encontro, os indígenas construíram e enviaram uma mensagem para os ministros: “nós queremos que mantenham o nosso direito originário como diz a Constituição Federal de 1988. Nós não vamos trocar nunca nossa terra, não vamos aceitar que seja nossa terra trocada ou vendida. Pois a terra é nossa Mãe, e nossa Mãe é uma só e não vamos vendê-la jamais”, diz um trecho da mensagem.

“Nós não vamos trocar nunca nossa terra, não vamos aceitar que seja nossa terra trocada ou vendida”

Os anciões Apinajé incentivaram os jovens a seguir os passos de seus avós e avôs, que lutaram pela demarcação do território, e que, assim como outros povos, vieram a ajudá-los na luta. Agora todos devem se unir em uma só luta contra o marco temporal.

A palavra das mulheres Apinajé foi também muito forte e contundente: “o marco temporal é uma coisa ruim, que quer acabar com nosso direito originário, mas nós não vamos ficar paradas. É Tirtũm [Deus] que nos deu a terra, e por isso vamos lutar”.

Em seguida, reafirmaram com força e convicção: “os caciques têm voz, os anciões têm voz, os alunos têm voz, os jovens têm voz, os professores têm voz, as mulheres têm voz. E nossa voz é uma voz só: vamos defender nossa terra, que é nossa Mãe. Pois, sem a nossa terra, não temos nada, nem batata doce, mandioca, inhame, fava. Nossa cultura acaba e nós também acabamos. Por isso, vamos defender nosso direito”.

“Vamos defender nossa terra, que é nossa Mãe”

Encontro do povo Apinajé abriu espaço para mulheres, homens, anciões, jovens e crianças se manifestarem contra o marco temporal. Foto: Cimi Regional Goiás/Tocantins

Os Apinajé também ficaram muito preocupados com o PL 490/2007, aprovado na Câmara, e que agora tramita no Senado sob numeração PL 2903/2023. O projeto também ameaça as terras indígenas, e os povos sabem que os seus territórios são muito cobiçados.

Os jovens também levantaram sua voz para dizer que vão lutar, pois seu território é rico em água, floresta, frutas, remédios, entre outros elementos essenciais. Disseram que lutarão pelas futuras gerações, pelos seus filhos e netos. A intenção é garantir o território livre de ameaças para seus filhos brincarem felizes e em paz.

Animados e fortalecidos pelos cantos e danças realizados durante o encontro e nas noites à luz da lua, reafirmaram que continuarão firmes e decididos. Não vão renunciar ao seu direito e estão prontos para ir a Brasília para somar na defesa do direito originário com os outros povos indígenas de todo o país. A força ancestral que brota da terra e de suas espiritualidades anima e fortalece a luta contra o marco temporal.

Veja aqui o documento final do encontro.