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13 de set. de 2025

CERRADO

CARTA FINAL DO I ENCONTRO DAS MULHERES INDÍGENAS DO CERRADO

Carta das Mulheres Indígenas do Cerrado — Por território, água e vida

Nós, mulheres indígenas do Cerrado - Apinajé, Apãnjekrá Kanela, Baikairi, Bororo, Gavião Pycopcatiji, Guajajara, Guarani Kaiowá, Javaé, Karajá, Kariri, Kaxixo, Kinikinau, Krahô, Krenje, Krepymcateje, Krikati, Memortumré Kanela, Paresi, Tabajara, Terena, Tuxá, Wapichana, Xakriabá, Xavante, Xerente e Xukuru - nos reunimos em Brasília (DF), no I Encontro das Mulheres Indígenas do Cerrado, junto com o XI Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, para somar vozes e anunciar caminhos em defesa dos nossos direitos e da proteção do Cerrado. Articuladas no âmbito da Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado (MOPIC), reafirmamos nosso protagonismo e a unidade entre povos, gerações e territórios.

O Cerrado abriga pelo menos 179 Terras Indígenas no bioma e em suas bordas (áreas de transição), de 62 povos em 10 estados. São cerca de 20,7 milhões de hectares e mais de 200 mil pessoas. Muitos desses territórios estão em diferentes etapas de regularização, com processos que precisam ser finalizados e garantidos para nossos povos. E nessa conta não estão as inúmeras reivindicações por Terras Indígenas ainda não reconhecidas pelo Estado brasileiro no Cerrado.

Somos guardiãs de uma biodiversidade única. O Cerrado junta veredas, campos e matas que abrigam milhares de espécies e alimentos que sustentam nossas famílias e economias. Também é o coração das águas: nascentes e brejos que alimentam as grandes bacias do São Francisco, Tocantins-Araguaia, Paraná-Paraguai e Parnaíba e recarregam os lençóis de água. Com as mudanças climáticas, as secas ficam mais longas, o calor mais forte, a chuva mais irregular e as queimadas mais intensas. Quando há desmatamento e veneno, as nascentes adoecem, as veredas baixam e a sede aumenta. Cuidar da biodiversidade e das águas do Cerrado ajuda a enfrentar a crise do clima: nossos territórios, com raízes profundas e nosso jeito tradicional de cuidar do fogo, refrescam o ambiente, mantêm a umidade e ajudam a estabilizar as chuvas. Defender o Cerrado é defender o clima e a vida de todo o Brasil.

As mulheres estão na linha de frente do cuidado com o Cerrado. Somos guardiãs de sementes e nascentes, cuidamos de roças e quintais, mantemos viveiros, fazemos manejo do fogo com sabedoria, acompanhamos a qualidade da água, ensinamos nas escolas e transmitimos conhecimentos. Quando uma mulher é atacada, todo o território sofre: a violência nos afasta dos espaços de decisão, rompe redes de cuidado, desorganiza economias e silencia saberes. Nesse contexto, nossa solidariedade ao povo Javaé pelo recente feminicídio de uma jovem indígena. Não à violência! Proteger as mulheres é proteger o Cerrado.

Durante o Encontro organizamos nossa discussão em seis eixos temáticos - Saúde, Educação, Cultura, Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, Território e Economias Indígenas e Sustentabilidade -  e, com base nos trabalhos de grupo, sistematizamos desafios e fortalezas comuns. Como desafios identificamos: a necessidade de demarcação e a proteção territorial; a educação desvalorizada e o risco às línguas indígenas; a saúde marcada pela falta de assistência e por impactos diversos; a violência contra as mulheres; a presença de álcool e drogas nos territórios e seus efeitos sociais; o uso de agrotóxicos e o avanço da mineração e do agronegócio; a criminalização de lideranças indígenas; os efeitos das mudanças climáticas sobre costumes e alimentação; e o suicídio entre jovens. Ao mesmo tempo, sustentam nossa resistência: a cultura e os saberes tradicionais; a organização de mulheres e o protagonismo feminino; a produção de alimentos, a agroecologia, a agricultura familiar e as ações de restauração; a organização comunitária, as associações e uma base social forte; a defesa ambiental e a proteção do Cerrado; a educação e a saúde diferenciadas; e a espiritualidade e a força da natureza que nos orientam.

Diante desse quadro, reivindicamos:

1 - Demarcação já e proteção efetiva de todas as Terras Indígenas do Cerrado, com ações imediatas contra invasões, desmatamento, grilagem, garimpo e violência.

2 – O fortalecimento da política de saúde indígena,  com recorte de gênero, garantindo parteiras, benzedeiras, pajés e medicinas indígenas; equipes permanentes com formação intercultural; atenção à saúde mental e às violências.

3 – O fortalecimento da educação escolar indígena diferenciada, com autonomia pedagógica, valorização e estabilidade de professoras e professores indígenas, garantia das línguas e de currículos próprios.

4 - Enfrentamento à violência contra as mulheres indígenas, com protocolos comunitários, acesso à justiça e políticas de prevenção construídas com nossas lideranças.

5 - Economias indígenas e sustentabilidade: fortalecimento de roças, quintais, sementes crioulas, artesanatos, outras iniciativas produtivas e de restauração lideradas por mulheres.

 7 - Reconhecimento e implementação de PGTAs, protocolos de consulta e brigadas indígenas com recursos e participação plena das mulheres.

8 - Políticas específicas para aldeias urbanas, garantindo território, água, educação, saúde e proteção social diante da expansão das cidades sobre nossas comunidades.

9 - Cerrado Vivo já: desmatamento zero no bioma; proteção e restauração de veredas, nascentes e matas de galeria; reconhecimento e financiamento do manejo tradicional do fogo; e regras firmes para captação de água e uso de agrotóxicos nas bacias que nascem no Cerrado, com participação deliberativa das mulheres indígenas.

10 - Adaptação climática no Cerrado com protagonismo indígena: elaboração de planos de adaptação comunitários por território/região; sistemas de alerta e brigadas permanentes; proteção de nascentes e recuperação de veredas; fortalecimento de roças e viveiros com espécies nativas resistentes à seca e bancos de sementes; e acesso direto a financiamento climático para iniciativas lideradas por mulheres indígenas.

Nós, mulheres indígenas do Cerrado, afirmamos: cuidar do Cerrado é cuidar do Brasil. Onde uma mulher indígena está, a água resiste, a mata respira e o futuro se levanta. Exigimos que o Estado cumpra seu dever constitucional; que os órgãos competentes atuem com urgência e respeito aos nossos modos de vida; que a sociedade reconheça o Cerrado como coração das águas e casa de muitos povos. Seguiremos juntas e em movimento, com nossos cantos, nossas línguas e nossas sementes, por território, água e vida - agora e para as futuras gerações.

Esta carta integra a plataforma política das mulheres indígenas do Cerrado no âmbito da MOPIC - Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado.

 

Brasília – DF, 12 de setembro de 2025


Associação União das Aldeias Apinajé_PEMPXÀ

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