Mulheres indígenas indignadas, retiram a chefe do DSEI-TO Ivaineizília Ferreira Noleto, da mesa de discussões sobre a saúde indígena. (foto: Laila Menezes/CIMI.2013).
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Ouvimos a voz indignada de uma anciã que
perdeu sua neta, ainda na barriga da mãe, e o gemido de dor de nossas
crianças adoecidas nas aldeias. Ouvimos os relatos de ameaças e violências
contra nosso povo. Ouvimos os parentes detalhar sobre o avanço do agronegócio e
das florestas de eucalipto nas terras indígenas. Ouvimos sobre a lentidão do
Governo Federal em garantir os direitos assegurados pela Constituição Federal,
como a terra, acesso à saúde, educação e consulta prévia. Ouvimos a verdade por
trás das mentiras que os brancos tentam nos impor. Nessa verdade está nosso
horizonte.
Há 513 anos apareceram, em nosso
horizonte, as caravelas dos colonizadores. Nos impuseram seu mundo e nos
chamaram de selvagens, mas eles é que mataram milhões de indígenas. Porém,
percebemos que os brancos seguem tentando nos impor seu Estado, sua cultura e
seus interesses econômicos sobre as terras tradicionais que nos restam e nosso
modo de viver e olhar sobre o mundo. No parlamento, são cerca de 90
proposições, entre projetos de lei e propostas de emendas à constituição, que
tratam diretamente dos povos indígenas. O interesse do branco é grande em
destruir nossas terras e retirar nossos direitos.
Manifestações indígenas contra a Portaria 303 da AGU
(foto: Laila Menezes/CIMI.2013)
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Destacamos algumas dessas proposições. A
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 visa transferir do Executivo para o
Legislativo a demarcação e homologação de terras indígenas, quilombolas e áreas
de proteção ambiental. Sabemos que os ruralistas possuem a maior bancada da
Câmara Federal e se essa PEC 215 for aprovada, nunca mais teremos demarcações
no país. Outro projeto que nos preocupa é o PL 1610, sobre mineração em terras
indígenas. Enquanto o Estatuto do Índio se mantém parado, esse PL vai promover
um verdadeiro leilão de nossas terras, demarcadas ou não, para as mineradoras.
Já o PL 4740 pretende arrendar as terras indígenas para a criação de gado e
monoculturas do agronegócio.
Mas não é apenas o parlamento que
pretende praticar o esbulho de nossas terras. O Palácio do Planalto, aliado dos
ruralistas, baixou a Portaria 303, que pretende estender condicionantes da
Terra Indígena Raposa Serra do Sol para todas as terras tradicionais do país.
As condicionantes nem foram votadas pelos ministros do STF e por isso a
portaria foi suspensa, mas queremos a revogação dela. Durante este mês de maio,
a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffman, suspendeu todos os procedimentos de
demarcações da Funai no Paraná depois que o Embrapa questionou um relatório que
atestava a ocupação tradicional de uma comunidade Guarani. A ministra disse que
a Funai não é imparcial para demarcar e que as demarcações nos estados de Mato
Grosso do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso e Rio Grande do Sul também passariam
pelo crivo da Embrapa e ministérios. Nem nos piores momentos do neoliberalismo
sofremos tamanho ataque, que vem de fazendeiros e seus pistoleiros,
parlamentares ruralistas, governo federal e judiciário. O mais triste é que
acreditamos que Lula e Dilma poderiam melhorar nossas vidas, mas isso não está
acontecendo.
Terras e grandes projetos
Liderança indígenas tomam conhecimento das violências
que estão sendo praticadas pelas Polícias Federal e Força
Nacional, contra os povos indígenas. (foto: Laila Menezes/
CIMI.2013).
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O agronegócio cerca, invade e envenena as
terras indígenas. Querem nossas terras para produzir alimentos podres, à base
de agrotóxicos e sementes transgênicas. Não bastasse isso, o governo federal
impõe, sem consulta prévia como exige a Constituição Federal e a Convenção 169,
usinas hidrelétricas, estradas, hidrovias e o bilionário financiamento estatal
ao monoculturas de commodities e criação de gado. A tudo isso estão
relacionadas as ações da bancada ruralista, que pretendem mudar as regras para
facilitar a retirada de nossas terras com o objetivo de investir os milhões que
ganham do governo para os monoculturas. Por outro lado, isso faz parte de um
projeto de desenvolvimento nacional do governo federal, que não contempla
nossas nações e por isso cremos ser um projeto de desenvolvimento de uma elite
colonialista, branca.
Sobre nossas terras e nas áreas
limítrofes delas, sobretudo no Tocantins, avançam as florestas de eucalipto, as
carvoarias e canaviais, que quando queimam lançam sobre as aldeias fumaça e
poluição, gerando doenças respiratórias. A Secretaria de Regularização
Fundiária do estado foi entregue ao filho da líder do agronegócio no Brasil,
Kátia Abreu. O secretário, Irajá Silvestre filho, firmou convênio com o
Ministério de Desenvolvimento Agrário para regularizar as terras da União, ou
seja, as terras indígenas, quilombolas, áreas de preservação ambiental do
Tocantins. Isso mostra como o agronegócio avança em nossas terras, que não são
demarcadas e protegidas, a não se por nós mesmos e já decidimos que vamos
morrer defendendo-a. Mas não apenas retirando as nossas terras que tentam nos
usurpar. A nossa saúde está completamente quebrada, levando sofrimento e morte
para as aldeias.
Saúde e educação
A saúde indígena passa por problemas em sua
administração, desde Brasília, na Secretaria Especial de Saúde Indígena
(SESAI), do Ministério da Saúde-MS, até às regiões, no Distrito Sanitário
Especial Indígena (DSEI), onde os administradores regionais são incompetentes,
descompromissados e mentirosos. Isso gerou uma descrença generalizada e ao
mesmo tempo a inciativa em pedir a exoneração de Ivaneizília Ferreira Noleto,
chefe do Distrito Sanitário Especial Indígena do Tocantins DSEI-TO, depois que
a expulsamos de nossa II Assembleia. Ela registrou ocorrência na Polícia
Federal, alegando “danos emocionais”. Perguntamos: e nossos danos pelas
crianças e parentes mortos pela incompetência desses gestores? E nossos danos
por não termos saneamento básico e medicamentos, suspensos pela Portaria 3185 do
Ministério da Saúde? Quando ficamos doentes, temos de torcer para que nossa
doença esteja na lista do governo, pois do contrário morremos sem medicamentos.
A saúde indígena está na UTI e assim matam lentamente nossos povos. Quem vai
repará esses danos?
Mesmo
não tendo os estudos do branco, sabemos como educar nossos filhos com uma
educação diferenciada e exigimos que o governo respeite nossos currículos.
Sendo assim, na educação, apesar de
pequenos avanços, a situação não é muito melhor. O que vemos é que não existe
vontade política para garantir uma escola diferenciada e de qualidade como diz
a legislação. Não queremos ensinar nossas crianças a manusear a escrita para
mentir e prejudicar o outro; queremos ensiná-las a pensar e refletir, olhando para
a própria cultura e os direitos da Mãe Terra. Formamos guerreiros. Nossas
escolas devem ter o nosso rosto e fincadas em nosso chão, como forma de
garantir nosso envolvimento social e político; nossa relação com a Mãe Terra.
Esperança no horizonte
Apesar do clima de indignação, dos graves
problemas e desafios enfrentados pelas comunidades, realizamos uma Assembleia
de esperança, marcada pelas nossas celebrações e rituais, pela solidariedade e
amizade. Saímos fortalecidos e unidos, entre nós e com todos os que lutam por
um Brasil plural, mais justo e solidário.
Nailton Pataxó Hã hã hãe, presente na II Assembleia dos
Povos Indígenas de Goiás e Tocantins. (foto: Laila
Menezes/CIMI. 2013).
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Tivemos a presença de parentes de todo
país, caso dos Pataxó Hã-hã-hãe, Bahia, Xavante, Mato Grosso, Xukuru-Kariri,
Alagoas, além de aliados dos movimentos sociais, caso da Via Campesina, Comissão
Pastoral da Terra (CPT) e Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Nailton
Pataxó Hã-hã-hãe nos trouxe a palavra de que sozinhos não conseguimos nada,
portanto precisamos nos unir entre os povos e aliados. Acreditamos e confiamos
que a luta é árdua e longa, mas não abandonaremos a batalha. Seguimos até o fim
pelo Bem Viver, o Sumak kawsay ameríndio, em nossas terras indígenas.
Palmas TO, 23 de maio de 2013.
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