A PAZ DA LUTA
Os
índios Aymara, que habitam há séculos as margens do lago Titicaca, nos Andes,
defendem a necessidade de sete diferentes tipos de paz. A primeira paz é a paz
para frente, com seu passado. A arrogante cultura ocidental põe o passado para
trás. Os Aymara põem o passado para frente, porque ele é conhecido, lembrado.
Se você tem remorsos, dívidas não pagas, culpas, arrependimentos, não está
totalmente em paz.
A segunda é para trás, com seu futuro.
Quem está assustado com dívidas a pagar, com emprego incerto, esperando más
notícias, tem medo do que virá, não está em paz.
A terceira é para o lado esquerdo, com
seus próximos. Sem a paz familiar, não há paz. A disputa doméstica, o
descontentamento com familiares e amigos próximos tira o sentimento de paz.
A quarta é para o lado direito, com
seus vizinhos. Não adianta a paz em casa se, do outro lado da rua, estão a
ameaça, a maldição, o descontentamento.
A quinta paz é para baixo, com a terra
em que você pisa, de onde virá o sustento. Se vier tempestade, se o solo secar
ou tremer, não haverá paz completa.
A sexta é para cima. Com os espíritos
dos antepassados, com a vontade de Deus. Se você não está em paz com o mundo
sobrenatural, espiritual, com a metafísica da sua existência, sua paz fica
incompleta.
A sétima é para dentro de si. Consigo
próprio, na saúde do corpo, na lucidez da mente, no prazer do trabalho, na
correspondência dos seus amores. Sem paz consigo, você não está em paz.
No atual mundo global, todos os seres
humanos são vizinhos. A paz de cada um, exige o bem estar de cada outro, não
importa onde ele estiver no mundo. Hoje, a paz com a terra, deve ser a paz com
a Terra, o equilíbrio ecológico é uma condição para a paz. Como não ter remorso
sabendo que já perdemos cinco séculos de história? Como ter paz com o futuro,
sabendo que estamos despedaçando o mundo? E como ter paz com a família, quando
filhos e netos perguntarem o que você fez para evitar a tragédia?
Por
isso, a paz exige luta por um mundo melhor para todos.
Publicado
com o titulo “Paz e Lutas”
O
Globo – 22 de dezembro de 2007
Artigo
extraído do Livro “As Cores da Economia”
Cristovam
Buarque
Brasília-DF, setembro de 2013
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