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28 de mar. de 2018
MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA
26 de mar. de 2018
FÓRUM ALTERNATIVO MUNDIAL DA ÁGUA
21/03/2018
Águas de março – lutas e resistências dos povos indígenas
Povos indígenas participam do Fórum Alternativo Mundial da Água, em Brasília. “Vamos organizar lutas concretas, desde nossas comunidades e aldeias, para impedir a continuidade e aprofundamento da destruição e contaminação das águas, contra a privatização”, afirma indígena

Alessandra Munduruku, liderança do rio Tapajós, denunciou no Fama as violências dos grandes empreendimentos na Amazônia. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi
POR EGON HECK, SECRETARIADO NACIONAL – CIMI
Os rios são nosso sangue,
A água é sagrada
É nossa mãe
Queremos nossa
Floresta de pé,
Nossos rios limpos!
Estão matando a natureza,
Querem exterminar nós filhos
Da terra e das águas
Mas nós Munduruku
Não vamos deixar,
Vamos fazer alianças
Com ribeirinhos, quilombolas, pescadores
Vamos lutar juntos,
Com outros países e povos!
As hidrelétricas, ferrovias, mineradoras,
A soja não vão passar,
Nosso sangue vamos derramar
Se for preciso, para o Tapajós
E todos os rios salvar!
Com esta poesia, Alessandra Munduruku, liderança do rio Tapajós, denunciou no Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama), que começou dia 17 e segue até amanhã, 22, em Brasília, o que o governo e as empresas estão fazendo no território de seu povo, no Pará. A indígena convoca todos e todas para uma grande união e luta mundial pela vida, contra o grande capital e seus projetos de morte.
“Querem nos matar de sede, de fome e com ódio querem exterminar os povos originários dessa terra. Querem contaminar tudo, nossas terras, nossas águas, nossas vidas. Mas nossos guerreiros, nossos encantados e deuses não vão permitir que isso aconteça. Denunciamos esses projetos de morte e anunciamos nossa certeza de que isso não vamos permitir”, diz.
Resistência e luta
“Vamos organizar lutas concretas, desde nossas comunidades e aldeias, para impedir a continuidade e aprofundamento da destruição e contaminação das águas, contra a privatização galopante dos nossos aquíferos, como o Guarani”, afirma representante do povo Guarani. Os participantes Kaiowá e Guarani externaram suas preocupações com a iminência do aquífero ser vendido às grandes corporações mundiais, sendo a Nestlé uma das principais interessadas, enquanto seus territórios continuam sem os territórios demarcados e protegidos.
“Senhores do poder: se desejarem aprofundar a destruição das condições de vida em nosso planeta Terra, Gaia, contaminando nossos territórios, terra água e ar, não esqueçam de deixar vossos caixões preparados, pois terão os sete palmos de chão previstos para os crimes contra a humanidade. Disso, tenham certeza, não escaparão”, enfatiza os Kaiowá e Guarani.
Nesse sentido se expressaram: sentimentos de revolta e indignação.
Enquanto o capitalismo selvagem se reconstrói no mar de lama e sangue derramado pelo mundo afora, vai se gestando e construindo novos caminhos e formas de luta e resistência. Brasília está, nestes dias, sendo também a capital mundial das águas para a morte, com o Fórum Mundial das Águas, dos poderosos, grande capital e governos com sua gana privatista, pela mercantilização e altos lucros; e das águas para a vida, com o Fama.
São milhares de militantes de diversas partes do mundo e do Brasil, que estão em Brasília para se unir ao grito e luta pelas nossas águas e pela vida. Também estão se somando a este fundamental movimento delegações indígenas e de populações tradicionais de todas as regiões do país.
Os povos originários estão preparando um dossiê e uma carta denúncia elencando as principais violências a que estão submetidos a partir da destruição e negação de seus territórios. No documento, que está sendo construído coletivamente, é enfática a resistência secular e atual, além da disposição de se unirem aos lutadores de todo o mundo para impedir a anunciada catástrofe mundial com a continuidade desse sistema capitalista neoliberal que assola e destrói a vida no planeta.
Um mundo e um Brasil diferentes
Quase duas décadas depois da explosão de revolta e partilha das experiências de luta por mudanças e transformações profundas expressas nos Fóruns Sociais Mundiais, que tiveram suas primeiras três edições realizadas em Porto Alegre, o Brasil é novamente palco de grandes fóruns que oxigenam e trazem esperança de que um outro mundo e Brasil são possíveis e urgentes. Os povos originários estão presentes trazendo suas contribuições a partir de suas sabedorias, religiosidade e cosmovisões. Reafirmação do expressado no documento entregue durante o Terceiro Fórum Social Mundial, em 2003: “Nunca mais um Brasil sem nós, os povos indígenas”.

Movimentos sociais do Brasil e do mundo cerram fileiras contra a privatização e mercantilização das águas. Foto: Laila Menezes/Cimi
No Fama, duas denúncias foram levadas pelos indígenas: as violências e ameaças dos grandes projetos na Amazônia, levadas para diversos espaços do Fórum por Alessandra Munduruku. Os Kaiowá, Guarani e Terena do Mato Grosso do Sul mais uma vez denunciaram a não demarcação de seus territórios, fato esse que desencadeia um mar de violências e mortes. Também ressaltaram e denunciaram as intenções e as tratativas oficiais para a privatização do Aquífero Guarani. Denúncia esta reforçada por expositores do debate.
No Fama, duas denúncias foram levadas pelos indígenas: as violências e ameaças dos grandes projetos na Amazônia
Representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), durante os debates nas atividades desenvolvidas pela Universidade Nacional de Brasília (UNB), e no Parque da Cidade, denunciaram o genocídio anunciado sobre 120 comunidades/povos indígenas em isolamento voluntário, diante do avanço desenfreado de frentes de expansão do agronegócio, mineradoras e madeireiras, nos espaços em que sobrevivem. A qualquer momento poderão ser extintos.
Com um agravante: a Funai sucateada e sem recursos tem desativado postos de vigilância, conforme o presidente do órgão, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas, deixando estas populações ainda mais vulneráveis. O Brasil é o país que tem maior número de povos “isolados” do mundo. A sobrevivência depende de ações urgentes e da solidariedade nacional e internacional. A proteção dos povos indígenas e a demarcação de suas terras são aliadas na luta contra a mercantilização e privatização da água.
Fonte: Egon Heck, do Secretariado Nacional - Cimi
22 de mar. de 2018
AGRICULTURA INDÍGENA
As formas de produzir e a agricultura tradicional do povo Apinajé, que habitam na região Norte de Tocantins
A unidade
produtiva do povo Apinajé é a família extensa, dessa forma na hora de realizar
serviços nos roçados, todos os membros da família (com exceção das crianças
pequenas e idosos) participam. Os homens fazem os roçados. Os serviços de plantar,
limpar e colher são tarefas predominantemente femininas, mas os homens também
ajudam nestes trabalhos.
No final do
período chuvoso entre os meses de maio a julho organizamos mutirões para
realizar serviços de derrubada do mato. Após algumas semanas o mato seco é
queimado para preparação do terreno. Após a queima do mato, os homens munidos
de machados, foices e facões realizam os serviços de coivaras, cortando e
ajuntando os pedaços de troncos, galhos e folhas remanescentes para serem queimados,
assim fica pronto o terreno para o plantio.
O plantio
ocorrem no início da estação chuvosa, no período que vai de outubro a dezembro.
As próprias lideranças mulheres tratam de organizar as mutirões para realizar
os serviços. Um dia antes uma ou duas lideranças femininas saem de casa em casa
convidando as companheiras do mesmo círculo familiar ou vizinhas próximas para
ajudar no plantio e limpeza das roças.
Geralmente
as mutirões para realizar serviços na roça ocorrem dias após o recebimento de salários,
aposentadorias e benefícios do Programa Bolsa Família. Se uma família é
influente e bem articulada consegue reunir 30 trabalhadores (as) ou mais, por
dia na mesma roça. Nos intervalos são servidos café aos trabalhadores (as) no
local de trabalho, nesses momentos alguns contam histórias e outros comentam
sobre questões da atualidade das aldeias.
Ainda cultivamos
uma grande diversidade de espécies leguminosas, tubérculos e frutíferas. As
mais importantes são mandioca, batata-doce, macaxeira, milho, feijão, arroz, fava
e banana, que são plantados juntos no mesmo roçado, deixando espaçamento entre
cada planta. Os serviços de limpeza tem início após a plantação completar um ou
dois meses. As vezes antes de plantar é necessário fazer uma carpina rápida.
Para limpar nossos roçados, além das foices, facões, enxadas, rastelos, as
vezes usamos ainda o fogo. Nunca usamos herbicida ou pesticidas, que são
conhecidos como agrotóxicos, nas plantações.
A colheita
acontece entre 3 a 6 meses após o plantio. No caso da mandioca somente depois
de 18 meses ou mais está pronta para ser colhida. No dia da colheita as
mulheres chefes de famílias donas das roças convidam suas parentelas e
vizinhanças para colheita. Tudo que a pessoa consegui colher leva para casa.
Assim acontece nas roças seguintes. Em todos os momentos de mutirões seja para
limpar, plantar ou colher, a própria dona da roça prepara e oferece a
alimentação aos trabalhadores.
A colheita
da mandioca é um processo mais demorado pois depende de uma estrutura
especifica para fabricação da farinha. As casas de farinha são locais aonde a
mandioca é processada e transformada em farinha, polvilho ou beiju. Nossas
famílias costumam ficar semanas envolvidas no processo de arrancar, raspar,
ralar, prensar e torrar a farinha. Depois de pronta o produto é distribuído
entre os membros da família e o excedente é comercializado nas cidades
próximas.
Nossas roças
são diversificadas, sustentáveis e familiar. Ainda geram renda, conhecimentos e
renova a flora das capoeiras aonde são implantadas. Algumas espécies da fauna como
periquitos, jaós, macacos, caititus, pacas, capivaras e outros roedores são
atraídos e vem se alimentar nos roçados, aonde são caçados e abatidos servindo
de alimentação para nosso povo. Os produtos que plantamos e colhemos são
saudáveis, livres e independentes de agrotóxicos.
O cultivo de
roças tradicionais, é uma forma de guardar e conservar a diversidade de
sementes tradicionais ou crioulas, importantes para biodiversidade, e para
Segurança Alimentar e Nutricional dos povos tradicionais e camponeses. As
sementes de batata-doce e mandioca guardadas pelos povos indígenas durante
séculos são exemplos concretos.
Em 1985, um
Programa da antiga CVRD (atual Mineradora Vale) tentou introduzir a pratica da
mecanização na TI. Apinajé, mas não deu certo, pois depende de maquinário,
adubos e outros itens que encarecem esse sistema produtivo. A mecanização
também degrada o meio ambiente e não permite plantio de diversidades. Atualmente
na maioria das comunidades são cultivadas roças de toco no sistema tradicional. Nosso
desafio é fazer frente a esses retrocessos e continuar lutando e praticando nossa agricultura familiar, sustentável, livre, saudável e diversificada.
Terra
Indígena Apinajé, 22 de março de 2018
Associação União das Aldeias
Apinajé-Pempxà
9 de mar. de 2018
DIREITO À ÁGUA
Águas de março
”Água sagrada e bendita, dai-me licença e inspiração,
preciso escrever uma canção, ou quem sabe uma oração, para exaltar tua
valiosa existência, desde o momento da criação”
Nesses dias
que antecedem a realização do 8º Fórum Mundial da Água - FMA, que será
realizado no período de 18 a 23 de março de 2018 em Brasília – DF, alguns
veículos de comunicação passaram a divulgar reportagens e entrevistas com
especialistas e gestores de órgãos públicos responsáveis pela implementação das
políticas dos recursos hídricos. Em suas falas esses gestores estão orientando à
população para o uso moderado e racional para não faltar água. Algumas rádios ainda
estão veiculando em suas programações campanhas e informes publicitários recomendando
às populações urbanas e rurais para que economizem e não desperdicem água. O
discurso falacioso de uso racional da água ecoa também nas tribunas da Câmara e
Senado Federal, aonde alguns parlamentares da bancada ruralista se contradizem
falando de preservação de mananciais e conservação da água, mas por outro lado atuam
contra a legislação ambiental. Esses
mesmo parlamentares da bancada ruralista votaram pela afrouxamento do Código
Florestal e alguns são acusados de desmatar e envenenar áreas de nascentes e
mananciais hídricos.
Não basta a população
mais empobrecida pagar um alto preço pelos serviços de tratamento e distribuição de
água para suprir suas necessidades básicas; ainda são obrigados fazer
sacrifícios e sofrer cortes no fornecimento de água. Já os empresários do
agronegócio usam a vontade a água para irrigar suas plantações, não se
preocupam se vai faltar água ou não nas torneiras, já que têm poder aquisitivo
para comprar água mineral para abastecer suas ganâncias.
Com certeza
os representantes de empresas, governos e instituições financeiras participantes
do 8º Fórum Mundial da Água - FMA irão destacar a importância da água para os seres vivos
do Planeta Terra, afirmando de forma repetitiva que a água é elemento essencial
à vida e um direito de todos. Porém sabemos que isso não é verdade pois
atualmente a maioria das populações sofrem com falta d’água para suas atividades
cotidiana e produção familiar, muitas comunidades não tem acesso à água potável
para beber. Nesses grandes eventos que tratam de debater esses sérios problemas
ambientais, sanitários e de escassez de água, os governantes sempre recorrem a
esses discursos demagógicos e hipócritas para iludir a população. Algumas
autoridades com poder de decisão falam muito, no final, decide se pouco e na
prática implementa se quase nada.
O mais provável é que os 30 mil participantes do
8º Fórum Mundial da Água - FMA irão
ouvir da classe empresarial a retórica mercantilista destacando a importância
comercial da água. Para as grandes empresas que estarão em peso presentes no 8º
Fórum Mundial da Água, os recursos hídricos são produtos e mercadorias
estratégicas para sustentar a especulação financeira e garantia de lucros sem
limites. Dessa forma, faltar água nas torneiras compensa para esses empresários.
Nos últimos
30 anos as demandas pela água triplicaram, e os conflitos de interesses também.
Atualmente a água é um dos recursos da natureza mais demandados especialmente
para usos na agricultura industrial, na mineração e produção de energia
elétrica. No estado do Tocantins a instalação de bombas para captação de água
dos rios Javaés e Formoso para irrigar plantações está esgotando aqueles rios
afluentes do Araguaia. O ilícito gerou Ação Judicial do MPF-TO contra as empresas
que estão sendo responsabilizadas na Justiça. No Norte de Tocantins, o povo
Apinajé sofre com desmatamento implantados com autorização emitidas de forma
monocrática pelo NATURATINS, sem a participação da FUNAI, e sem consultas a
comunidade. Sequer foram realizados Estudos de Impacto Ambiental ou apresentado
qualquer Relatório que permita avaliação dos impactos do empreendimento sobre
as nascentes e mananciais de água da TI. Apinajé.
Se nada for feito pelas autoridades e
governos, doravante os conflitos pela água irão aumentar no Brasil. As recorrentes
violações de direitos humanos que acontecem no contexto desses conflitos continuarão
cada vez mais violentos, ofuscando a imagem do Brasil perante a comunidade
internacional. A Convenção 169 da OIT e outros tratados internacionais
ratificados pelo Brasil, estão sendo desrespeitados e jogados definitivamente na
lixeira da história.
Em razão do
relevante valor da água para os seres humanos e demais espécies vivas, nossos
pequenos, médios e grandes rios deveriam ser mais respeitados e cuidados.
Entretanto a cada momento a sociedade assiste paralisada esses mananciais e
nascentes em todos os biomas do Brasil, especialmente no Cerrado e na Amazônia,
sendo cada vez mais agredidos, degradados e mortos pela classe empresarial do
agronegócio, pela mineração e setor elétrico. É deprimente ver nossos rios agonizando
e sendo transformados em lixeiras. A grande maioria das cidades ribeirinhas
lançam seus esgotos diretamente no leitos rios que banham. Não podemos esquecer
a tragédia ambiental de Mariana - MG, provocada pela mineração. O rio Tietê que
corta a capital paulista continua sendo um vergonhoso exemplo que a sociedade,
governos e imprensa olham, mas fingem não ver.
A gestão e
uso da água não priorizar as necessidades básicos e nobre dos humanos e das
outras espécies vivas, ou seja tomar banho, beber, lavar roupas, molhar as
lavouras, navegar, pescar entre outros usos. A pesar dessa situação de extrema
gravidade, os governos nunca implementam projetos sérios para recuperação e
revitalização dos mananciais hídricos. A situação do Rio São Francisco é um
clássico exemplo dessa falta de compromisso e responsabilidade dos governantes
com nosso rios. Contrariando as expectativas das organizações da sociedade
civil, nos últimos anos o governo Temer tem avançando nessa agenda retrógrada e
neoliberal, de agressões e violências contra os direitos humanos; incluindo nosso
direito ambiental e acesso à água. Somente agora no clima do 8º Fórum Mundial
da Água – FMA, o presidente Michel Temer de maneira pretensiosa e oportunista,
aproveitando da cobertura da grande mídia, anda acenando com algumas medidas (política) em defesa das águas. No entanto sabemos que isso não passa de
um jogo de faz de conta.
A pesar de
serem os mais vulneráveis, ameaçados e prejudicados pelos problemas da
degradação de nascentes, poluição dos rios, escassez de água potável para
consumo diário, doenças, fome e sede, as populações urbanas da periferia, os
ribeirinhos, os povos indígenas e povos tradicionais, serão excluídos e não
terão espaço nos debates e instancias de tomadas de decisão do 8º Fórum Mundial
da Água - FMA. O evento será dominado e controlado por empresas e/ou
corporações vinculadas à governos que tratarão sempre de impor e defender a
privatização dos rios, lagos, aquíferos e outros mananciais de água.
Dessa forma
as organizações sociais, trabalhadores (as) do campo e da cidade estão
organizando o Fórum Alternativa Mundial da Água - FAMA. De acordo com a CPT, o objetivo do FAMA é questionar a
privatização da água, do saneamento básico, dos recursos naturais e a
exploração deles por grandes empresas. Além disso, visa denunciar a
ilegitimidade do Conselho Mundial da Água.
O valor
espiritual e religioso da água, nunca pode ser ignorado e desconsiderado
A água é também
elemento da natureza importante para cultura e religiosidade de muitos povos no
mundo inteiro. Esperamos que os interesses mercantilistas das grandes empresas
não ofusque esse fato que permeia a relação dos povos e das culturas com a água
desde a antiguidade até os dias de hoje.
Na história o
Velho Testamento da Bíblia Sagrada, o livro de Gêneses diz: “no início o Espírito de Deus andava sobre as
águas”. No Novo Testamento outro fato importante citado foi o batismo de
Jesus Cristos, por João Batista nas águas do Rio Jordão. As narrativas bíblicas
estão repletas de fatos e acontecimentos relacionados à água. Até hoje muitas
igrejas cristã realizam batismo mergulhando o indivíduo na água.
Aqui no
Brasil os índios Javaés e Carajás que habitam na Ilha do Bananal na divisa de
Tocantins, Goiás e Mato Grosso afirmam que sua origem aconteceu no fundo do
lendário rio Araguaia. O Povo Kayapó que vivem nos estados de Mato Grosso e
Pará, dizem que os primeiros Kayapós foram criados numa casa dentro da água,
por isso se auto denominam Mebengôkré.
O povo Apinajé do Estado de Tocantins encerram os cerimoniais de posse de
caciques com banhos rituais em ribeirões. Nas celebrações do Pàrkapê, no momento
da chegada das Toras no pátio da aldeia, as mulheres Apinajé levam bacias e
cabaças com água para lavar as toras e os participantes beberem. Segundo a
mitologia do povo Apinajé, O sol e lua jogaram cabaças na água, que se
transformaram em pessoas dando origem aos primeiros Apinajé. Enfim os mitos de origem, e de existência de
muitos povos indígenas estão vinculados à água. Mitologia a parte, a ciência
também afirma que as primeiras formas de Vida surgiram na água.
Os rios são
partes dos modos de vida dos povos indígenas e comunidades ribeirinhas, especialmente
na Amazônia, Cerrado e Pantanal. Nessas regiões o relacionamento diário com a
água acontece na navegação, nas pescarias ou num simples passeio nos rios,
lagos e ribeirões. Os gestos de tirar a roupa e mergulhar na água constituem se
Ritos que demostram um relacionamento recíproco e amigável com a água. “Você me limpa e purifica, que cuidarei de
Você”. Seja como for, o contato com a água para lavar e higienizar o corpo,
ou como diversão é sempre uma necessidade para o indivíduo e uma terapia para
alma. O fato é que todos gostamos de mergulhar em águas puras e cristalinas
para se refrescar do calor. Existem ainda algumas fontes de águas que contém substâncias e minerais importantes para curar algumas enfermidades.
Por essa razão
estamos sempre alertas defendendo nossos territórios, formado por florestas,
campos, lagos, rios, ribeirões, nascentes e aquíferos, espaços que estão sempre
interligados entre si, para sustentar e manter os cursos d’água duradouros,
permanentes e vivos para presentes e futuras gerações.
Terra
Indígena Apinajé, 09 de março de 2018
Associação União das Aldeias
Apinajé-Pempxà
2 de mar. de 2018
MPF
NOTA TÉCNICA
O
Ministério Público Federal, Procuradoria da República no Estado do Tocantins,
pelo Ofício da Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Índios e
Comunidades Tradicionais, expede a presente NOTA TÉCNICA em relação ao Projeto
de Lei nº 194/2017, em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado do
Tocantins, de autoria do Deputado José Bonifácio, que visa alterar a Lei
Estadual nº 1.959/2008, que dispõe sobre a proibição de queima, derrubada e do
uso predatório das palmeiras do coco de babaçu. A Lei Estadual nº 1.959/2008
tem a seguinte redação:
Lei nº 1.959 de
14/08/2008
Publicado no DOE
em 15 agosto de 2008
Dispõe sobre a
proibição da queima, derrubada e do uso predatório das palmeiras do coco de
babaçu e adota outras providências.
O GOVERNADOR DO
ESTADO DO TOCANTINS
Faço saber que a
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO TOCANTINS decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Art.
1º São proibidos a queima do coco babaçu, inteiro ou in natura, para qualquer
finalidade, a derrubada e o uso predatório de suas palmeiras no Estado do
Tocantins, vedadas ainda, as práticas que possam prejudicar a produtividade ou
a vida do babaçu.
§
1º É permitida a derrubada de palmeiras de coco babaçu no Estado do Tocantins:
I
- se necessária a execução de obras, projetos ou serviços de utilidade pública
ou de interesse social, assim declarado pelo Poder Público, sem prejuízo do
licenciamento junto ao órgão ambiental competente;
II
- com o objetivo de estimular a reprodução das palmeiras, aumentar a produção
do coco ou facilitar a sua coleta;
III
- nos casos de raleamento, obedecido o disposto no art. 3º desta lei.
§
2º Para fins do disposto no inciso I do § 1º deste artigo, o órgão licenciador
deve indicar as medidas de compensação ambiental a serem adotadas pelo responsável.
§
3º O disposto neste artigo não se aplica ao carvão produzido da casca do coco
de babaçu em caieira, pelas quebradeiras de coco e comunidades tradicionais.
Art.
2º As matas nativas constituídas por palmeiras de coco de babaçu, em terras
públicas ou devolutas são de livre uso e acesso das populações
agroextrativistas, desde que as explorem em regime de economia familiar e
comunitário, conforme os costumes de cada região.
Parágrafo
único. Em terras privadas, a exploração é condicionada a celebração de termo de
acordo entre as associações regularmente constituídas de quebradeiras de coco
de babaçu ou de comunidades tradicionais e os respectivos proprietários.
Art.
3º É permitido o trabalho de raleamento nas áreas de incidência de palmeiras de
coco de babaçu, desde que obedecidos os seguintes critérios:
I
- sacrifício prioritário de palmeiras fêmeas senis;
II
- manutenção de, no mínimo, oitenta palmeiras produtivas e oitenta palmeiras
jovens em cada hectare desmatado, obedecendo ao espaçamento máximo 10m x 10m;
III
- utilização de meios adequados de desbaste, que não comprometam a vegetação
remanescente;
IV
- vise melhorar a produtividade e facilitar o acesso aos babaçuais, sendo
permitido o manejo da vegetação associada.
Parágrafo
único. O trabalho de raleamento é condicionado à autorização do órgão ambiental
competente.
Art.
4º Compete ao Instituto Natureza do Tocantins - NATURATINS e à Companhia
Independente de Polícia Ambiental - CIPAMA a execução e fiscalização do
cumprimento desta lei, podendo para tanto, celebrar convênios com órgãos
federais, municipais e com a sociedade civil organizada.
Art.
5º O infrator desta lei, independentemente das sanções civis, penais e
administrativas previstas e da obrigação de reparação do dano causado, deve
incorrer no pagamento de multa:
I
- no valor de R$ 100,00 a R$ 500,00 por unidade, quilo, metro de carvão vegetal
ou metro cúbico, para aquele que receber ou adquirir, vender ou expor à venda,
transportar ou que tenha, para fins comerciais ou industriais, carvão de coco
de babaçu inteiro ou in natura;
II
- no valor de R$ 1.000,00 a R$ 5.000,00, para aquele que conduzir palmito
extraído de palmeira de coco de babaçu, ressalvada as condições mencionadas no
§ 1º do art. 1º desta lei.
Parágrafo
único. A inobservância das demais infrações não tipificadas nesta lei, sujeita
ao infrator às sanções previstas na legislação ambiental em vigor, em especial
as previstas na Lei Estadual nº 771, de
7
de julho de 1995, e Decreto Federal nº 3.179, de 21 de setembro de 1999.
Art.
6º O produto da arrecadação da multa instituída nesta lei é recolhido ao Fundo
Estadual do Meio
Ambiente
e revertido para a recuperação de áreas de babaçuais e para o desenvolvimento
de políticas públicas em favor das comunidades de quebradeiras de coco de babaçu
e das comunidades tradicionais.
Art.
7º O Poder Executivo e suas autarquias ficam proibidos de conferir benefícios,
sob qualquer instrumento, aos infratores desta lei, devendo constar estes em
relação organizada pelo órgão ambiental competente.
Art.
8º Com o propósito de estimular a instalação de unidades industriais que visem
o aproveitamento integral do coco de babaçu, é proibida a comercialização
interestadual do coco de babaçu inteiro ou in natura.
Art.
9º A quebra do coco de babaçu em duas ou mais partes, processadas em qualquer
ambiente, sem o aproveitamento do mesocarpo e da amêndoa, não justifica a
carbonização das referidas partes, que assim, não são consideradas cascas para
este efeito.
Art.
10. Ao Poder Executivo incumbe a elaboração de normas complementares que julgar
necessárias ao fiel cumprimento desta lei.
Art.
11. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art.
12. É revogada a Lei nº 1.366, de 31 de dezembro de 2002.
Palácio Araguaia,
em Palmas, aos 14 dias do mês de agosto de 2008; 187º da Independência, 120º da
República e 20º do Estado.
MARCELO DE
CARVALHO MIRANDA
Governador do
Estado
MARY MARQUES DE
LIMA
Secretária-Chefe
da Casa Civil
Já
o projeto apresentado atinge o cerne da regulamentação, que é a salvaguarda da matéria-prima
utilizada pelas quebradeiras, com a seguinte redação:
PROJETO DE LEI Nº
194/2017
Altera
a Lei nº 1.959, de 14 de agosto de 2008, que dispõe sobre a proibição da
queima, derrubada e uso predatório das palmeiras do coco-babaçu e adota outras
providências.
A
Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins decreta:
Art.
1º. Fica alterado o art. 1º da Lei nº 1.959, de 14 de agosto de 2008, que passa
a vigorar com a seguinte redação:
Art.
1º. São proibidos a derrubada e o uso predatório das palmeiras de babaçu no
Estado do Tocantins, vedadas, ainda, as práticas que possam prejudicar a
produtividade ou a vida das palmeiras do babaçu.
Art.
2º. São revogados os artigos. 8º e 9º da Lei nº 1.959, de 14 de agosto de 2008.
Art.
3º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Justificativa:
A
presente proposta justifica-se pelo fato de que o coco babaçu vem apodrecendo debaixo
das palmeiras em virtude do baixo preço da amêndoa pago pelos compradores. Além
disso, a prática da queima vem sendo feita ilegalmente para a fabricação de
carvão.
Sala das Sessões,
em 19 de Outubro de 2017
JOSÉ BONIFÁCIO
Deputado Estadual
Após
tomar conhecimento da existência do referido projeto de lei, o Movimento
Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) procurou o Ministério
Público Federal no dia 06.12.2017, manifestando sua preocupação com o referido
projeto, alertando para as seguintes circunstâncias:
1-
A partir do momento que forem permitidas a comercialização e a queima do coco
babaçu inteiro, os proprietários de imóveis rurais e outros intermediários,
notadamente vendedores de carvão, coletarão os cocos inteiros e não os
disponibilizarão para as quebradeiras;
2-
Ao contrário do ocorrido quando da aprovação da lei original, e também do que determina
a Convenção 169 da OIT, as quebradeiras não foram ouvidas em momento algum
sobre o referido Projeto de Lei, tendo dele tomado conhecimento por acaso;
3-
O artigo 112 da Constituição do Estado do Tocantins estabelece que “Art.
112. É obrigatória a preservação das áreas de vegetação natural e de produção
de frutos nativos, especialmente de babaçu, buriti, pequi, jatobá, araticum e
de outros indispensáveis à sobrevivência da fauna e das populações que deles se
utilizam.”
Veja-se
que o objetivo da preservação é garantir a sobrevivência das populações que
deles se utilizam. Pois bem. Trazida a questão ao Ministério Público Federal,
faço as seguintes considerações:
1-
Inicialmente, afirmo a atribuição do Ministério Público Federal de atuar em
defesa das quebradeiras de coco babaçu, atribuição esta pacificada pelo
Enunciado nº 19 da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que trata de
Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, nos seguintes termos: ENUNCIADO
nº 19: “O MPF, dentre outros
legitimados, tem atribuição para atuar judicial e extrajudicialmente em casos
envolvendo direitos de quilombolas e demais comunidades tradicionais, sendo a
competência jurisdicional da justiça federal. Tal atribuição se funda no artigo
6º, inciso VII, alínea “c”, e artigo 5º, inciso III, alínea “c”, da Lei
Complementar nº 75/93, no fato de que a tutela de tais interesses corresponde à
proteção e promoção do patrimônio cultural nacional (artigos 215 e 216 da
Constituição); envolve políticas públicas federais, bem como o cumprimento dos
tratados internacionais de direitos humanos, notadamente da Convenção nº 169 da
OIT”.
2-
Também não há dúvida quanto ao fato de as quebradeiras de coco babaçu serem
reconhecidas como comunidades tradicionais, pela sua própria autoafirmação, ainda
corroborada por sua participação no Conselho Nacional de Povos e Comunidades
Tradicionais, instituído pelo Decreto nº 8.750/2016.
3-
Firmadas essas premissas, passo à análise do projeto questionado, ciente de que
não foi ainda aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins, não
possuindo portanto implicação concreta na vida das quebradeiras de coco babaçu.
Sem querer interferir no âmbito de matéria interna
corporis da Casa de Leis,
cumpre-me externar a posição do Ministério Público Federal, Procuradoria da
República no Estado do Tocantins, em relação ao Projeto de Lei nº 194/2017:
3.1-
Tenho que o Projeto já nasce eivado de ilegalidade, uma vez não observado o artigo
6º da Convenção 169 da OIT, internalizada no Direito brasileiro pelo Decreto nº
5051/2004, que prevê:
1.
Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:
a)
consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e,
particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que
sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de
afetá-los diretamente;
Uma
vez que o Projeto visa estabelecer medida legislativa suscetível de afetar diretamente
as quebradeiras de coco babaçu, não poderia sequer ser proposto sem consultar-lhes
previamente.
3.2-
A proposta apresentada padece de inconstitucionalidade flagrante. Com efeito, a
Constituição Federal criou um sistema de proteção ao patrimônio cultural brasileiro,
e prevê em seu artigo 216:
Art.
216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
I
- as formas de expressão;
II
- os modos de criar, fazer e viver;
Já
o parágrafo primeiro desse mesmo artigo determina:
§
1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,
tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
Ora,
se as formas de criar, fazer e viver (coleta, quebra, beneficiamento, utilização
do coco babaçu) dos grupos formadores da sociedade brasileira (as quebradeiras
de coco babaçu) constituem patrimônio cultural brasileiro e é determinado ao
Poder Público sua proteção e preservação, não pode o Estado do Tocantins
instituir lei que ameace de morte a existência da comunidade tradicional. Nesse
sentido, o Ministério Público Federal aguarda que o Projeto de Lei nº 194/2017
seja definitivamente arquivado na Assembleia Legislativa do Estado do
Tocantins.
Palmas
- TO, 08 de dezembro de 2017.
Álvaro
Lotufo Manzano
Procurador da República
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