GRATIDÃO AOS
POVOS INDÍGENAS
(Porque os brasileiros devem)
GRATIDÃO AOS
POVOS INDÍGENAS
(Porque os brasileiros devem)
*Fernando Schiavini |
O que os brasileiros conhecem
das contribuições dos indígenas à formação do Brasil e dos brasileiros, além
das inevitáveis histórias da “bisavó pega a laço”? Porque a história e a mídia enaltecem a
participação dos europeus e dos negros na formação da cultura brasileira e os
indígenas continuam discriminados, como se em nada houvessem contribuído com
ela?
A PENETRAÇÃO NO TERRITÓRIO
O que a maioria
dos brasileiros não sabe é que a própria penetração e colonização do território
que viria a ser o BRASIL não teria sido
possível sem a participação dos indígenas, de seus conhecimentos e tecnologias.
Seria impossível aos portugueses, por exemplo, transportar alimentos da Europa,
suficientes para suprir centenas de homens, em expedições ao interior que
podiam durar vários anos. Quando os
europeus aqui chegaram, os indígenas brasileiros já haviam domesticado e
cultivavam espécies alimentares há mais de 10.000 anos. No caso da mandioca,
uma espécie reconhecida pela ciência como 100% brasileira, não apenas a
cultivavam, mas haviam desenvolvido toda a tecnologia para o seu aproveitamento
e conservação por longos períodos. A farinha de mandioca era o principal
alimento das expedições, complementado com os produtos da caça, da pesca e da
coleta de frutos, que também dependiam das tecnologias e dos conhecimentos
indígenas para serem praticadas. A farinha de mandioca, aliás, foi o principal
alimento dos brasileiros até finais do século XIX e até hoje está presente nos
lares de todo o país.
O LEGADO NA ALIMENTAÇÃO
Com relação à
alimentação, no entanto, não foi somente a mandioca. Os indígenas já haviam
domesticado e disseminado, por todo o território nacional, o milho (hoje produzido e exportado em
larga escala e do qual se origina uma série de produtos industriais), batata-doce, abóbora, inhame, cará, feijão, fava e banana, enumerando os mais
conhecidos. De modo geral, os agricultores indígenas selecionavam suas sementes
segundo algumas características positivas, como maciez, cores e tamanhos.
Assim, nos legaram inúmeras variedades dessas espécies, que resultam não
somente em excelentes qualidades alimentares, mas também em peso e
produtividade. Abóboras gigantes que chegam a pesar 50 kg ou mais, “cabeças” de
inhames que alcançam o peso de 20 kg, pés de mandioca que chegam a fornecer 50
kg de alimento, são muito comuns no Brasil.
Esses produtos
são cultivados e alcançam boa produção em todos os quadrantes do território
nacional, sem necessidade de insumos ou defensivos agrícolas, exatamente porque
foram disseminados e adaptados pelos povos indígenas, em milênios de migrações
e trocas intertribais. Muitos desses
alimentos, ainda largamente consumidos pelos brasileiros, também contribuíram para
a implantação das fazendas de criação de animais. Desde o período colonial, é
muito comum nas fazendas brasileiras a utilização do milho, da mandioca, dos
inhames e das abóboras como ração para bois, galinhas, cavalos e porcos. Também
foram com os indígenas que aprendemos a consumir inúmeros frutos nativos, como
o caju, goiaba, abacaxi, maracujá, buriti, pequi, pitanga, apenas par citar
alguns.
O CONHECIMENTO DAS ERVAS MEDICINAIS
A contribuição
dos indígenas para a manutenção física
dos brasileiros não para por aí. Os conhecimentos das ervas medicinais de todos
os biomas do território nacional salvaram
da morte milhões de pessoas, desde a colônia, acometidas por doenças tropicais.
Ainda hoje essas ervas são largamente utilizadas em todo o país, principalmente
no interior, onde continua muito comum se recorrer aos conhecimentos dos
raizeiros, benzedeiras e pajés. Mesmo
nas grandes cidades do país ainda se encontram bancas de raizeiros oferecendo
folhas, cascas e raízes para a cura de doenças. Inúmeras dessas ervas foram
transformadas em remédios alopáticos e homeopáticos que são comercializados
pelas farmácias e drogarias. Um dos casos mais conhecidos nesta área foi o desenvolvimento
da anestesia, utilizada atualmente
em todos os procedimentos cirúrgicos, que teve a sua origem no “curare”, um
composto utilizado por várias etnias indígenas, no exercício da caça.
A CONTRIBUIÇÃO ÀS ARTES E AO LÚDICO
Apesar desse
aspecto não ser jamais enaltecido pelas mídias, os povos indígenas contribuíram
imensamente com as artes nacionais, como os trançados em fibras, a tecelagem, a
cerâmica, além das festas tradicionais e dos ritmos. Se observarmos os ritmos das músicas
nordestinas e nortistas, largamente difundidas por todo o país, como o coco,
baião, xaxado, lambada, carimbó, veremos uma forte influência dos ritmos
indígenas. No carnaval carioca (e de outras regiões), de onde teriam vindo os
enormes cocares de penas usados por todas as escolas de samba que desfilam na
Sapucaí, senão dos povos indígenas?
TODOS FOMOS COLONIZADOS PELOS INDÍGENAS
Segundo a interpretação de Darcy Ribeiro, o
sociólogo Gilberto Freire, em seu livro Casa Grande & Senzala, teria
reconhecido que se os europeus
colonizaram os territórios indígenas, os brasileiros foram “colonizados”
culturalmente pelos indígenas. De fato, os europeus, entre maravilhados e
decepcionados, ainda hoje comentam sobre essa “maneira de ser” do brasileiro,
como que resignados por não completar o trabalho colonizador.
A GÉNETICA E O "JEITINHO"
Na verdade, o indígena imprimiu no
brasileiro mais do que o traço genético, que segundo pesquisas realizadas pela
UFMG ainda prevalece no "sangue" de mais de 60% da população
brasileira. Imprimiu também a própria forma de ser, de agir e de compreender o
mundo. O modo descontraído e alegre, a hospitalidade, o espírito pacifista e
gregário, a impontualidade, o planejamento em cima da hora, o “jeitinho” para
resolver as coisas, entre outras marcas da brasilidade, são legados
essencialmente indígenas, reforçados pelas influências negras.
Então, por que os brasileiros resistem em
reconhecer a influência indígena na cultura nacional em seu sentido mais amplo? Isso, com certeza, tem a ver com as informações
transmitidas nas escolas, que continuam a colocar os indígenas como um elemento
histórico do passado, e pelos veículos de comunicação de massa, para os quais
os povos indígenas são invisíveis, exceto quando são alvos de notícias negativas.
ELES TEIMAM EM OCUPAR SUAS PRÓPRIAS TERRAS
Em nosso entendimento, isso ocorre porque os indígenas “teimam” em garantir a
posse de suas terras ancestrais, sempre
cobiçadas pelo capitalismo, não somente pelas terras em si, mas também pelas
suas “riquezas naturais” (madeira, minérios). Além disso, os indígenas também
“teimam” em não explorar seus territórios, exatamente porque não são
capitalistas. Vejam o exemplo dos negros.
Após terminada a escravidão, eles puderam ter reconhecidos seus valores
culturais e sua influência na cultura brasileira. Bastou, entretanto, que
tivessem alguns territórios “quilombolas” reconhecidos e demarcados nos últimos
anos para que voltassem a ser discriminados como “improdutivos”, inclusive pelo
poder governamental.
QUANDO
SEREMOS REALMENTE UM PAÍS?
O Brasil jamais será um
país de fato se continuar negando
suas origens, inclusive a negra e a europeia, e a sua genuína maneira de ser,
negando sua imensa e riquíssima diversidade cultural.
Quanto aos indígenas,
eles não querem muito. Pedem apenas respeito à sua ancestralidade na ocupação
deste país e ao direito de viver em paz no que restou de suas terras, segundo
seus costumes, crenças e tradições, como está estabelecido nos artigos 231 e
232 da Constituição Federal.
*Indigenista
e Escritor
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