CARTA FINAL DO SEMINÁRIO TOCANTINS NA ENCRUZILHADA: COMBATE AO DESMATAMENTO E ANÁLISE CRÍTICA AO REDD+ JURISDICIONAL
Inspirados e inspiradas pela
coragem e ousadia daqueles e daquelas que nos antecederam e pela força
ancestral que resiste em nossos territórios, nós, povos Apinajé, Krahô,
Xerente, comunidades quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, agricultores e
agricultoras familiares, camponeses e camponesas, assentados da reforma
agrária, pescadores e pescadoras artesanais, juventudes, movimentos sociais,
pastorais, sindicatos, pesquisadores, professoras e professores, entidades de
apoio e coletivos diversos, reunidos no Seminário Tocantins na Encruzilhada:
combate ao desmatamento e análise crítica ao REED+ Jurisdicional, realizado nos
dias 25 e 26 de setembro de 2025, em Palmas (TO), tornamos público este grito
coletivo de denúncia e de socorro.
Nosso encontro ecoa diante da
escolha do Estado brasileiro de transformar o Cerrado em bioma de sacrifício,
um território destinado à devastação para alimentar a máquina do agronegócio e
da financeirização da natureza. Essa lógica expulsa povos e comunidades de seus
lugares de vida, destrói as águas, as florestas e os modos de existência e
ameaça a própria continuidade da vida no planeta.
Este documento nasce como voz
insurgente diante do desmatamento acelerado, da grilagem institucionalizada, da
violência crescente no campo e da tentativa de transformar nossas florestas,
rios e territórios, - e até o gás carbônico que evitamos que seja lançado na
atmosfera - em mercadorias. Ele expressa nossa indignação, nossa denúncia e,
sobretudo, nossos compromissos de luta pela vida e pela preservação do Cerrado,
coração das águas do Brasil e morada de nossos povos.
Denunciamos
A expansão acelerada do
desmatamento no Tocantins e no MATOPIBA, intensificado pela expansão
desordenada da fronteira agrícola.
O avanço do desmatamento do
Tocantins, em especial nas unidades de conservação como a APA Cantão/Ilha do
Bananal. Dados revelam que o desmatamento na APA foi maior proporcionalmente do
que no restante do Estado do Tocantins, e intensificado de 2012 em diante.
Persistem práticas de emissão de
autorizações de supressão de vegetação (ASVs)/AEFs e cobertura nativa, muitas
vezes ilegais, conforme apontado no relatório lançado durante o Seminário.
A grilagem e a legalização de
terras públicas, expressa na Lei Estadual nº 3.525/2019 e em novos projetos que
buscam transferir terras da União para o Estado, abrindo caminho para a
concentração fundiária e a exclusão dos povos do campo.
A ausência de transparência dos
órgãos de fiscalização, em especial do Naturatins, sem validação das
informações do CAR referentes às Reservas Legais, APPs e áreas de sobreposição
com as APAS e demais UC e territórios PCTs.
A expansão da soja e da pecuária
extensiva como vetores estruturais da destruição, contaminando águas e solos
com agrotóxicos, expulsando comunidades tradicionais, povos originários e os
povos do campo, inviabilizando a produção da agricultura familiar e afetando a
saúde das populações.
O avanço da insegurança hídrica
no Tocantins. Observa-se a ausência de gestão realmente participativa da gestão
das águas nos territórios, com a concessão de autorizações e outorgas de
captação, represamento da água por grandes empreendimentos sem avaliação de
impacto, muito menos consultas prévias, livres e informadas para as demais
comunidades e territórios que serão atingidos.
A violação ao direito à consulta
livre, prévia e informada das comunidades. Seja nos procedimentos de
licenciamento ambiental, autorizações de supressão de vegetação, processos
administrativos minerários.
O avanço da mineração e de
megaprojetos de infraestrutura que agravam os impactos sociais, territoriais e
ambientais sobre os territórios.
O aumento da violência policial e
da criminalização das comunidades e dos movimentos sociais.
A violência contra comunidades
rurais e povos tradicionais, marcada por despejos extrajudiciais, repressão
policial e ameaças constantes a defensores de direitos humanos.
A falta de transparência quanto
às informações das terras públicas estaduais, sobretudo relacionadas às
destinações realizadas pelo Intertins.
A ausência de políticas de
regularização fundiária e de proteção efetiva de territórios indígenas,
quilombolas e povos do campo.
O esvaziamento institucional e o
desprezo pelas pautas de Direitos Humanos por meio do boicote aos espaços de
participação social, como as conferências.
O assédio às comunidades e a
erosão dos modos de vida sob a promessa de renda que desestrutura a autonomia.
A hegemonia da narrativa
pró-agronegócio na mídia (“o agro é pop”) e a disputa simbólica na sociedade
onde há uma subalternização das pautas socioambientais.
A ameaça da financeirização da
natureza via REED+ jurisdicional e a mercantilização da natureza.
O modelo de REDD+ Jurisdicional,
em debate no Tocantins, não enfrenta as causas estruturais do desmatamento,
abrindo espaço para a mercantilização da natureza, a violação de direitos e a
exclusão das comunidades que historicamente protegem os territórios.
O REDD+ Jurisdicional do
Tocantins não obedece os direitos assegurados pela Convenção 169 da OIT, uma
vez que não houve consulta prévia, livre e informada. Não foi realizada de
forma prévia, uma vez que as negociações sobre o REDD+ iniciaram sem a consulta
aos pcts, a venda dos créditos de carbono já começou a ser realizada, inclusive
sem a autorização da Assembleia Legislativa e a empresa certificadora e sua
metodologia de mensuração já estão definidos. Somente em 2025, documentos foram
liberados à ATA e somam muitas páginas, impedindo uma compreensão realmente
informada para uma decisão livre.
O REDD+ Jurisdicional ignora os
direitos territoriais dos PCTs, que estão sendo sistematicamente desrespeitados
pelo Estado do Tocantins.
Diante deste cenário,
afirmamos o nosso compromisso coletivo com:
A defesa do direito à terra e ao
território como condição central para combater o desmatamento e garantir a
soberania.
A afirmação de que não há justiça
climática sem justiça fundiária.
O reconhecimento dos povos
indígenas, quilombolas, camponeses, quebradeiras de coco e comunidades
tradicionais como guardiões e guardiãs do Cerrado e parte da solução da crise
climática. O Cerrado não será o bioma do sacrifício!
O fortalecimento das redes de
incidência política, a articulação dos planos estaduais de agroecologia e a
ampliação de práticas agroecológicas como alternativas reais ao agronegócio.
O fortalecimento da juventude,
das mulheres e da ancestralidade como pilares da luta.
Nos comprometemos, a partir
desse Seminário, com os seguintes encaminhamentos:
Suspender a implementação do
REED+ jurisdicional até que haja consulta livre, prévia e informada, e revisão
crítica das salvaguardas.
Revogar leis inconstitucionais de
grilagem (Lei 3.525/2019) e bloquear novos PLs que transfiram terras da União
para os estados.
Revogar normas pró-grilagem e
resistência a PLs federais que afrouxam o controle.
Transparência fundiária plena por
meio da criação de uma plataforma pública de dados (situação dominial,
processos, sobreposições, etc) para controle social.
Regularização fundiária,
reconhecimento e titulação de territórios tradicionais, medida essencial para a
proteção dos modos de vida e para a garantia de direitos.
Apoio à minuta de Decreto já
apresentada ao Governo Federal, que trata da regularização fundiária dos
territórios tradicionais, como ação urgente contra a grilagem e a violência no
campo.
Apoio a criação de um zoneamento
agroecológico e zonas de exclusão/limitação para a mineração e o agronegócio.
Criação de observatório.
Garantir a transparência e
controle social sobre as Autorizações de Supressão de Vegetação (ASVs),
conforme determinações do STF nas ADPFs 743 e 760.
Fiscalização efetiva e
responsabilização dos agentes do desmatamento ilegal, assegurando que a lei
seja aplicada sem seletividade.
Fortalecimento da agricultura
familiar e camponesa, da agroecologia e das práticas sustentáveis como pilares
do desenvolvimento socioambiental do estado.
Criar e implementar um Plano Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica, com recursos garantidos e participação social, integrando assistência técnica, compras públicas, cadeias de valor agroextrativistas e educação do campo.
Apoiar políticas públicas estruturantes: assistência técnica, educação do campo, saúde, fortalecimento de cadeia agroextrativistas.
Fortalecimento da agricultura familiar e camponesa, da
agroecologia e das práticas sustentáveis como pilares do desenvolvimento
socioambiental do estado. Nossos territórios, práticas agroecológicas e
conhecimentos tradicionais representam alternativas reais ao modelo predatório
do agronegócio e devem ser reconhecidos e fortalecidos.
Garantir a participação efetiva
das comunidades em processos de licenciamento ambiental e decisões que impactam
os territórios.
Fortalecimento e criação de
instâncias de participação social como os conselhos, as conferências, o fórum
de participação social, as associações nos territórios.
Garantir conferências e processos
participativos reais com convocação adequada, garantia da logística e
mobilização territorial.
Campanha de comunicação para
“reflorestar mentes” e disputar a narrativa com conteúdos acessíveis, formação
política e alianças no âmbito dos três poderes nos três níveis.
Fortalecer a construção dos
protocolos comunitários de consulta e organização em rede para o enfrentamento
direto às denúncias aqui apresentadas.
Implementação de um mecanismo de
vigilância em saúde para os impactos relacionados ao uso de agrotóxicos e às
atividades minerárias com atenção especial aos territórios afetados.
Fortalecer e reestruturar o
Incra, Funai, Ibama, ICMBio, Prevfogo, Naturatins com concursos, capacitação e
orçamento.
Assistência técnica e extensão
rural contínua a assentados e agricultores familiares para reduzir a
vulnerabilidade ao arrendamento e a dependência de agrotóxicos.
Monitoramento e pressão sobre as
decisões do STF e cobrança de cumprimento pelo estado.
Popularizar ferramentas de
denúncia e rastreabilidade, fomentando boicotes, pressão econômica e devida
diligência de empresas.
Chamamento ao Poder Público
O Tocantins está em uma
encruzilhada histórica: aprofundar a destruição de seus ecossistemas ou
construir um futuro de justiça socioambiental, baseado na democracia, na
valorização da diversidade cultural e na defesa da vida.
Conclamamos o Governo do Estado,
a Assembleia Legislativa e demais instituições públicas a se posicionarem de
forma clara contra o desmatamento e em favor dos povos do campo, da floresta e
das águas. O futuro do Tocantins depende de escolhas firmes e justas hoje.
Não aceitaremos retrocessos nem
falsas soluções!
Não há justiça climática sem
justiça fundiária: a defesa da terra e do território é condição central para
enfrentar o desmatamento e garantir soberania e segurança alimentar.
Assinam:
Coalizão Vozes Do Tocantins Por
Justiça Climática
Instituto Sociedade População e
Natureza – ISPN
Tamo De Olho
Núcleo Universidade De Brasília –
UnB
Movimento Dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra – MST
Alternativas Para A Pequena
Agricultura No Tocantins - APA-TO
Articulação Tocantinense De
Agroecologia – ATA
Coordenação Estadual Das
Comunidades Quilombolas Do Tocantins – COEQTO
Grupo De Trabalho Amazônico – GTA
Associação De Mulheres
Agroextrativistas da APA Cantão - AMA Cantão
Associação Indígena Apinajé -
Pyka Mex
Curso De Direito UFT/Arraias
Núcleo De Estudos Em Agroecologia
e Desenvolvimento Sustentável - NEADS/UFT
Associação De Apoio Às Unidades
De Conservação Onça D’água
Associação Indígena Mē Hempej Xà
Associação União Das Aldeias
Apinajé PEMPXÀ
Associação Das Mulheres Xerente
Observatório De Conflitos
Socioambientais do MATOPIBA
Instituto Terra, Direitos e
Cidadania
Associação Comunitária dos
Artesãos e Pequenos Produtores de Mateiros - ACAPPM