15 de out. de 2016

CARTA DOS POVOS INDÍGENAS XERENTE, APINAJÉ, KRAHÔ, KAYABI E JURUNA

HIDRELÉTRICAS NA AMAZÔNIA: DESTRUIÇÃO DE CULTURAS INDÍGENAS E TRADICIONAIS
As violações de direitos indígenas e direitos humanos se repetem nas três Bacias hidrográficas do Tocantins-Araguaia, Xingu e Tapajós

Participantes do Seminário em Tocantínia-TO. (foto: Odair Giraldin. Out/16)
Em reunião na cidade de Tocantínia/TO, realizada nos dias 13 e 14 de outubro de 2016, constatamos que as mesmas violações aos direitos dos povos indígenas, agravando a situação de desrespeito aos seus modos de vida tradicional e gestão territorial nas três bacias hidrográficas Amazônicas: Tapajós, do Xingu e do Araguaia-Tocantins, em relação ao processo de implantação das hidrelétricas de Teles Pires, Belo Monte, Estreito e de Lajeado, pelos consórcios Constran-UTC UHE (São Manoel do Tapajós), Norte Energia (Belo Monte), Investco (Lajeado), Teles Pires Energia Eficiente, CESTE (Estreito).
Para nós Povos Indígenas, não existe forma de compensação possível para compensar a perda da cultura e do modo de vida tradicional indígena, comprometendo o futuro dos nossos filhos e netos.
As consultas não têm sido realizadas. A Convenção 169 da OIT tem sido desrespeitada, ou seja, não tem sido feita de forma livre, prévia e informada, nas línguas indígenas, no tempo apropriado das aldeias e com a participação das comunidades. Os povos Kayabi, Xerente, Krahô, Apinajé e Juruna denunciaram que simples reuniões para conversas, foram utilizadas como processo de consulta pelas empresas, e como “autorizações” como licença prévia para o inicio da construção das hidrelétricas.
Como se não bastasse a forma desrespeitosa de “consulta”, utilizada como autorização para inicio da construção das obras, ferindo direitos fundamentais, o processo que continua desde a consulta, da elaboração do Programa Básico Ambiental (PBA), e as formas de compensações para comunidades impactados pelas hidrelétricas segue desastroso para o nosso modo de vida tradicional. A forma de compensação está gerando mais impactos negativos do que a própria obra em si.
Lideranças do povo Xerente. (foto: Odair Giraldin. Out/16)
Ao invés de alternativas de compensação, desenvolvidos pelos próprios impactados de forma autônoma, o que ocorre na prática são projetos criados pelos empreendedores e impostos aos nossos povos. O resultado desta imposição de projetos alheios aos nossos modos de vida tradicional é a má gestão dos recursos, que causa divisão interna, conflitos sociais entre as comunidades e a multiplicação de aldeias, entre outros.
Além de sofrer estes impactos, ainda pagamos a conta de luz mais cara do Brasil. Tendo em vista a devastação de nosso modo de vida tradicional, não apenas causados pelas hidrelétricas que impactam nossos territórios indígenas, mas também pela forma de compensação que tem sido praticada, demandamos:

1.Que sejam canceladas as hidrelétricas planejadas ou em qualquer fase de implantação, que impactem os territórios e Povos Indígenas;

2. Que os diversos povos indígenas e comunidades tradicionais se unam para resistir a estes empreendimentos e possam apontar outro modelo de desenvolvimento e de geração de energia para o país. Que seja desenvolvido pesquisa e concedido incentivos para geração de eletricidade por outras fontes que não sejam somente hidrelétricas;

3. Que nossa voz seja somada aos dos cientistas, pesquisadores e que a sociedade discuta este modelo de desenvolvimento baseado em grandes empreendimentos de infraestrutura que destroem, além de nossos modos de vida tradicional, esta destruindo também grande parte da Amazônia e do Cerrado. Ressaltamos que esses biomas ainda estão em pé, em grande parte por conta da luta de povos indígenas e comunidades tradicionais;
4. O fortalecimento e união entre os indígenas, a sociedade civil e academia e para que juntos possamos demandar a participação no planejamento da politica energética do país, através de representantes indígenas no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE[1]);
5. A degradação do meio ambiente causada pelos empreendimentos compromete a produção dos nossos alimentos nos cultivos tradicionais, a pesca, gera a seca dos rios e a falta da caça. Tais atividades causam o empobrecimento e compromete nossa segurança alimentar e favorece o aparecimento de doenças como diabetes, pressão alta e outras enfermidades que ameaçam nosso povo pelo consumo de alimentos industrializados;
6. Todos estes impactos são agravados ainda mais pelos efeitos das mudanças climáticas globais que os territórios indígenas estão enfrentando;
7. Que a consulta em relação a qualquer empreendimento que cause qualquer impacto, direta ou indiretamente, em nossas terras, seja feita de maneira livre, prévia e informada, de acordo com as orientações de cada comunidade e ainda, respeitando aos artigos previstos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
8. Que quaisquer pesquisas de diagnósticos e levantamentos das informações iniciais sejam realizadas com nosso consentimento e nossa participação, que tenhamos conhecimento dos resultados e que possamos acompanhar os levantamentos e pesquisas quando estas forem realizadas em Terras Indígenas;
9. Que haja o cumprimento da legislação brasileira e internacional, por exemplo, a obrigação de estudos e relatórios de impacto ambiental (EIA/RIMA) e observação a Convenção 169 da OIT em relação a todos os projetos impactantes aos povos indígenas;
10. Que violações e erros sejam evitados em projetos de usinas hidrelétricas em planejamento, em estudo,  em fase de consulta bem como em outros grandes empreendimentos que impactem Terras Indígenas (mineração, hidrovia, estradas, agronegócio e outros);
11. Que os congressistas ARQUIVEM imediatamente as propostas legislativas contendo ataques aos direitos duramente conquistados pela sociedade brasileira e povos indígenas, em particular:
a.       Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 e o Projeto 1610, que abre as terras indígenas para a exploração da mineração, dentre outros que ameaçam direitos constitucionais
b.      PEC 65/2012, que flexibiliza o processo de licenciamento ambiental e retira a possibilidade de participação da sociedade no processo.

Assinam os Povos Indígenas: XERENTE, APINAJÉ, KRAHÔ, KAYABI E JURUNA

Apoiam esta carta:

ADRIANA BATISTA CASTORINO
CAIO BRETTAS
ELINEIDE MARQUES
ESTHER MIRIAN CARDOSO MESQUITA
HEBER ROGÉRIO GRACIO
JULIANA LAUFER
LIGIA RAQUEL SOARES
MONISE VIEIRA BUSQUETS
ODAIR GIRALDIN
PAULA FRANCO MOREIRA
SIMONE ATHAYDE
SYLVIA SALLA SETUBAL
MARTA KARAJA
ITIANE FERREIRA PEREIRA
EDER JOFRE ALVES WANZELER
SHEILLINY OLIVEIRA SILVA
LILIANE PEREIRA RIBEIRO
MARCELO RIBEIRO COSTA
SAMUEL CROMWELL EDUARDO E SOUSA
SAULO CESAR AGUIAR DA SILVA
JHONATA NASCIMENTO FERREIRA
JHON LENNON CONCEICAO DOS SANTOS
RAILAINE FLORENCIO DE SOUSA
LUANE RIBEIRO GOMES
VICTORINA BISPO AIRES
RÍZIA ASSUNCAO ARAUJO
LENY CRISTINA REGO RODRIGUES
DÉBORA DOS SANTOS PEREIRA
FABIANE SOUSA SARGIO




[1][1] Até hoje os assentos para representantes da sociedade civil e para academia não foram integrados ao conselho.

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