18 de ago. de 2017

JUSTIÇA

Inserido por: Administrador em 16/08/2017.
Fonte da notícia: Assessoria de Comunicação do Cimi

Indígenas e quilombolas viraram a noite em vigília na Praça dos Três Poderes e acompanharam julgamento no STF. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi
Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedentes as Ações Civis Ordinárias (ACOs) 362 e 366, movidas pelo estado de Mato Grosso contra a União Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai), em função da demarcação de terras indígenas. A decisão, tomada na manhã desta quarta (16), reafirmou os direitos constitucionais dos povos originários e foi comemorada pelo movimento indígena.
O estado de Mato Grosso sustentava que a União havia criado reservas indígenas sobre terras que pertenceriam ao estado e que não seriam de ocupação tradicional dos povos que nelas estão. Assim, a ACO 362 pedia indenização por áreas “devolutas” – ou seja, sem uso – que teriam sido anexadas pelo governo federal ao Parque Indígena do Xingu (PIX), criado em 1961. A ACO 366, bastante semelhante, pedia o mesmo em função da demarcação de terras indígenas dos povos Nambikwara, Pareci e Enawenê-Nauê, na década de 1980.
Os ministros do STF julgaram as ações em conjunto e decidiram, por oito votos a zero, que estava fartamente comprovado que as áreas reclamadas pelo estado de Mato Grosso eram de ocupação tradicional indígena e que, portanto, não cabia indenização.

Últimas semanas foram de muita mobilização, em Brasília e nas regiões. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi
Ação do Rio Grande do Sul não foi julgada
Nas últimas semanas, os povos indígenas se mobilizaram em todo o Brasil em defesa de seus direitos originários e contra a tese do chamado marco temporal, afirmando que suas histórias não começaram em 1988. Havia a preocupação de que os julgamentos desta quarta (16) trouxessem à discussão os postulados da tese, defendida pelos ruralistas, segundo a qual os indígenas somente teriam direito às terras que estivessem sob sua posse em 5 de outubro de 1988.
Por isso, cerca de cem indígenas acompanharam o julgamento no plenário do STF, enquanto outras dezenas aguardavam do lado de fora, depois de uma longa vigília iniciada na noite anterior junto com quilombolas. Ao mesmo tempo, manifestações e trancamentos de rodovias eram realizadas em todo o país. Alguns grupos de indígenas, como os Guarani e Kaiowá e os Kaingang, passaram mais de uma semana em Brasília, realizando rezas e rituais diários.
Além das duas ações julgadas, uma terceira, a ACO 469, também estava prevista para esta manhã, mas acabou sendo retirada de pauta. Trata-se de uma ação movida pela Fundação Nacional do Índio (Funai) contra o estado do Rio Grande do Sul, pedindo a nulidade de títulos incidentes sobre a Terra Indígena (TI) Ventarra, do povo Kaingang.
Como era a única ação que tratava de uma demarcação realizada após a promulgação da Constituição de 1988, havia a previsão de que a tese do marco temporal fosse um dos pontos de discussão. A partir de um pedido da Funai e do estado do RS, entretanto, ela foi retirada de pauta pelo relator, o ministro Alexandre de Moraes. Não há previsão de quando será julgada.

Mobilização indígena em Brasília e nas regiões durou semanas. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi
Direitos originários reafirmados
Embora a tese do marco temporal não tenha sido objeto direto do julgamento, os votos dos ministros tocaram neste ponto e, à exceção do ministro Gilmar Mendes, todos reafirmaram os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras tradicionais.
“Os ministros do Supremo, de modo majoritário, reafirmaram que o conceito de tradicionalidade dos povos indígenas tem a ver com o modo de ocupação das suas terras e tem fundamento na legislação brasileira muito anterior à Constituição Federal de 1988”, avalia Cleber Buzatto, secretário Executivo do Cimi.
A Constituição Federal reconhece aos povos indígenas, em seu artigo 231, “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. O julgamento no STF envolveu, assim, a discussão sobre o que são essas terras tradicionais. Grupos de interesses políticos e econômicos, como os ruralistas, pretendem limitar este conceito com o marco temporal, um critério não previsto pela Constituição Federal.
As constituições brasileiras e a própria legislação colonial têm um longo histórico de reconhecimento do direito dos povos indígenas sobre suas terras tradicionais. É por isso que os direitos indígenas são considerados originários: precedem a criação do próprio Estado brasileiro. Este arcabouço jurídico e histórico, do qual a Constituição Federal de 1988 é uma continuidade, constitui o chamado “indigenato”, e foi citado no voto do relator das ações, o ministro Marco Aurélio de Mello, seguido pelos demais.

Indígenas se encaminham para entrar no STF, de manhã, e acompanhar julgamento. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi
Raposa Serra do Sol
A tese do marco temporal foi pela primeira vez enunciada pelo STF no acórdão do caso Raposa Serra do Sol (Pet 3388/RR), que estabeleceu, além do marco temporal, 19 condicionantes para a demarcação da TI Raposa Serra do Sol.
Embora a corte do STF tenha definido que esta decisão se aplicaria somente àquele caso específico, em 2015, duas decisões da Segunda Turma do STF aplicaram o marco temporal para anular a demarcação das TIs Guyraroka, dos Guarani Kaiowá, e Limão Verde, dos Terena.
Em julho deste ano, após acordo com a bancada ruralista, Temer assinou um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) estendendo as condicionantes daquele julgamento para todos os órgãos do Executivo, poder responsável pela demarcação de terras indígenas. 
“Na decisão de hoje foi reafirmada a tese do indigenato, frente à tese do chamado marco temporal. Além disso, foi reafirmado pelo Supremo que as condicionantes da Petição 3388 valem só e unicamente para o caso Raposa Serra do Sol. Ao não aplicar o marco temporal nem as condicionantes do caso Raposa, os ministros reafirmaram que esta decisão não se estende a outras áreas”, avalia o secretário executivo do Cimi.

Foto: Guilherme Cavalli/Cimi
Marco temporal: vencida a batalha, a luta continua
“Apesar de não ser objeto direto das ações julgadas, a tese do marco temporal sofreu forte impacto e os indígenas saíram mais fortalecidos. Ficou bastante clara a rejeição à tese, o que afeta diretamente o parecer vinculante da AGU assinado por Temer”, avalia Rafael Modesto dos Santos, assessor jurídico do Cimi.
O ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto, deixou claro que o marco temporal não estava em discussão, mas apresentou sua posição contrária à tese. “Entendo que somente será descaracterizada a ocupação tradicional indígena caso demonstrado que os índios deixaram voluntariamente os territórios que possuam ou desde que se verifique que os laços culturais que os uniam a tal área se desfizeram”, afirmou.
O ministro Ricardo Lewandowski reforçou a precisão científica e a validade dos estudos antropológicos como provas jurídicas – outro assunto recorrentemente criticado pelos ruralistas.
“É muito comum serem os laudos antropológicos desqualificados, imputando-lhes a característica de que são mera literatura”, afirmou o ministro. “A antropologia é sim uma ciência, tem um método próprio, um objeto específico e baseia suas conclusões em dados empíricos”.
A ministra Rosa Weber, em seu voto, reafirmou o conceito de “ocupação tradicional” definido pela Constituição Federal de 1988, mais abrangente do que pretende a tese do marco temporal. “Sabemos que devido às próprias características culturais dos índios, [ocupação tradicional] não significa necessariamente estar sobre a terra”, afirmou a ministra.
Gilmar Mendes, principal defensor do marco temporal, estava impedido de votar na ACO 362, pois já havia se posicionado quando ainda era Procurador-Geral da República, na década de 1990 - na época, a favor dos indígenas.
Apesar de seguir o voto dos demais ministros, Mendes fez um longo discurso anti-indígena, defendendo o marco temporal e dizendo que, sem ele, acabaríamos por “devolver Copacabana aos índios”, argumento comumente utilizado pela bancada ruralista. Isolado e descolado do objeto do julgamento, o discurso político de Gilmar Mendes destoou da posição dos demais ministros e ministras.
“Evidente que não foi o último julgamento, haverá outros julgamentos, por isso também a importância dos povos se manterem atentos, alertas e atuantes no sentido de que continuem se manifestando em defesa de seus direitos. Esse julgamento reforçou o direito dos povos às suas terras na perspectiva do direito originário, e não o direito restrito como a tese do marco temporal tenta fazer valer”, afirma Buzatto.

Vigília conjunta iniciou na noite de terça (15) e durou até a manhã do julgamento. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi
Ação quilombola
Os quilombolas uniram-se aos indígenas na vigília que teve início ontem, na Praça dos Três Poderes, e também estavam mobilizados em defesa de seus direitos. A votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, que pretende declarar inconstitucional o decreto que regulamenta a titulação de terras quilombolas, também foi adiada. 
O Ministro Dias Toffoli, que estava com o voto vistas e iria devolver o processo hoje, não pôde comparecer à sessão, pois estava doente. Assim como no caso da ACO 469, não há previsão de nova data para julgamento.

Notícias

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Em seu décimo aniversário, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas enfrenta sérios obstáculos para proteger populações tradicionais em todo o mundo.
Nota Pública: Michel Temer violenta os direitos dos povos indígenas para tentar impedir seu próprio julgamento
O parecer pretende institucionalizar e pautar as decisões do STF sobre a tese do “marco temporal”, que restringe o direito às terras que não estivessem ocupadas pelos povos indígenas em 5 de outubro...

16 de ago. de 2017

DIREITOS INDÍGENAS

       Marco Temporal Não!!!
Crianças Apinajé, futuro ameaçado pelo Estado brasileiro. (foto: Arquivo Pempxà 2013)
     A tese do marco temporal é mais uma trapaça que os não-índios herdeiros dos conquistadores estão armando para continuarem massacrando e oprimindo os indígenas no Brasil com respaldo das Leis e de forma aparentemente legal. Os objetivos continuam sendo os mesmos; ignorar e negar nossa história e existência milenar nessa Terra e impedir que a diversidades étnica e cultural constituída por centenas de povos originários continuem resistindo, sobrevivendo e prosperando no Brasil.
     Observem na linha de tempo da história, que a invasão portuguesa e espanhola foi marcada por guerras de extermínio, massacres, escravidão, epidemias, expulsão, exploração e outras formas de violência, perpetradas por bandeirantes, escravocratas, religiosos e coronéis. O fato é que essa tragédia macula e mancha a história da formação do Brasil e deveria repercutir de forma negativa envergonhando o Estado brasileiro. Mas, acontece ao contrário.
     Mesmo nos dias atuais os povos indígenas sobreviventes continuam sendo tratados com desprezo, preconceito e estigmatizados por uma sociedade que a cada dia demonstra ser mais intolerante, racista, ambiciosa, truculenta e autocrata. Esse comportamento medieval e retrogrado, manifestado por alguns setores antagônicos da sociedade, infelizmente continua gerando violentos conflitos socioambientais e vitimando muitas lideranças indígenas e camponeses no país.
        Assim observamos a classe dominante atuar estrategicamente para se apoderar e manobrar as instituições do Estado em seu favor. Temos um Congresso Nacional dominado por parlamentares ruralistas e evangélicos, que utilizam seus poderes e influências em causa própria. Da mesma forma um poder Executivo que troca favores com o Congresso Nacional e ambos se auto beneficiam desse conluio. Com o mesmo objetivo parte do poder Judiciário as vezes age conforme as imposições e conveniências de setores políticos e partidários.
       Essa realidade demonstram ainda o nível de maldade de determinados setores da sociedade, evidenciando a vocação dos mesmos para hostilizar, oprimir e agredir as minorias raciais e étnicas num país que conforme sua Constituição Federal se diz pluriétnico, multicultural, “democrático e de direito”. Mesmo assim determinados grupos atuam politicamente de forma deliberada e sem nenhum remorso contra os direitos e as liberdades fundamentais das minorias indígenas. De forma premeditada desrespeitam as Convenções e Tratados que o Brasil é signatário; constrangendo nosso país no contexto das nações civilizadas e democráticas do mundo.
      Certamente existem muitas falsidades, insensatez, hipocrisia e falácias, na atuação dessa classe política, que são eleitos e sempre se manifestam em nome de seus eleitores. Na verdade faltam lhes seriedade, decência, moral, caráter, credibilidade e ética. A realidade é que a grande maioria não representam os valores da população, e sim atuam em defesa de seus próprios interesses. Lembrando que a maior parte desses estão enlameados pela corrupção e sendo acusados de graves ilícitos.
     Nessa conjuntura crítica de retrocessos e revogação de direitos, está acontecendo hoje, 16/08/2017 julgamento no Supremo Tribunal Federal - STF do marco temporal. Se for confirmada essa pelo STF, o futuro dos povos indígenas estará seriamente comprometido e inseguro. Esses ataques e perseguições têm sido motivos de muita angústia e apreensão nas aldeias e comunidades quilombolas em todo o Brasil.
       Entendemos que a Suprema Corte do país não pode fazer parte desse conluio, gerador de violência, corrupção e retrocessos. Portanto é fundamental que os Ministro do Supremo Tribunal Federal-STF no momento de julgar essa questão, atuem com senso de Justiça, equilíbrio e sensatez, até porque o próprio STF reconheceu que a decisão tomada na PET 3388, as condicionantes aplicadas no caso da TI Raposa Serra do Sol dos povos Macuxi, Ingarikó e Taurepang em RR, não é vinculante para as outras terras indígenas.


 Terra Indígena Apinajé, 16 de agosto de 2017

Associação União das Aldeias Apinajé-Pempxà

9 de ago. de 2017

#MARCOTEMPORALNÃO!!!

Inserido por: Administrador em 09/08/2017.
Fonte da notícia: Mobilização Nacional Indígena

Foto: Midia Ninja
Audiência pública no Senado Federal e ato-debate na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) reuniram falas importantes na defesa do direito originário dos povos indígenas aos seus territórios. As atividades foram realizadas ao longo desta terça (08) e fazem parte da agenda nacional de mobilizações contra a tese do marco temporal e os retrocessos impostos aos direitos indígenas pelo governo Temer. Até o dia 16 de agosto, são esperadas novas mobilizações e atividades em todo o Brasil.
“Se for aprovado o marco temporal, vai ser aprovada o massacre, o derramamento de sangue, o genocídio, a expulsão e os ataques paramilitares que estamos sofrendo em nossas bases”, alertou Eliseu Lopes Guarani Kaiowá, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), no Senado. “Nossa história não começa em 1988! Estamos lutando pelo nosso território”, completou.



Saiba mais sobre a agenda da semana e sobre a campanha Nossa história não começa em 1988! 


O marco temporal estabelece que só teriam direito à demarcação os povos que estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. Assim, ignora o histórico de remoções forçadas e outras violências sofridas ao longo de séculos pelos povos indígenas. A tese pode ser adotada em julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) marcados para o dia 16 de agosto. Saiba, no fim da notícia, quais são as ações em jogo no Supremo.

“O marco temporal é inconstitucional. Na Constituição são reconhecidos os nossos direitos originários. A gente vem gritando, lutando para que as pessoas entendam essa questão”, afirmou Tiago Honório dos Santos, professor, membro da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e morador da Terra Indígena Tenondé Porã, em Parelheiros (SP). Ele esteve presente no ato-debate realizado na USP.

“O argumento [do marco temporal] é absolutamente insustentável e falho em sua própria base”, disse na audiência do Senado Luciano Mariz Maia, coordenador da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (6CCR/MPF). Ele acrescentou que o STF tem a responsabilidade de garantir as terras aos povos indígenas independente de data e lembrou do Parecer da Advocacia Geral da União (AGU) assinado por Temer, em julho, obrigando todos os órgãos do Executivo a aplicar o marco temporal, além de vedar a ampliação de terras já demarcadas: “O que temos é uma organização do Estado incapaz de garantir o direito dos índios à sua terra sem turbação, sem violência, e o Estado brasileiro sendo deficiente no seu dever de demarcar as terras indígenas”.

A presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Lia Zanotta, destacou que o marco temporal “apaga e invisibiliza a ocupação das terras originárias dos povos indígenas porque as populações originárias foram levadas a expulsões, a realocamentos”. Zanotta lembra que o próprio Estado brasileiro promoveu várias destas expulsões. Ela também participou da audiência pública no Senado Federal.

A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha afirmou, na USP, que o momento atual é marcado por “um presidente que não liga a mínima para a sua popularidade e que é capaz de fazer qualquer negócio para evitar tudo que lhe cai em cima e, com isso, o agronegócio está levando todas”. Nas palavras da antropóloga, o marco temporal é uma “doutrina completamente inventada e falaciosa”.

A pauta quilombola também fez parte do debate na USP. No dia 16, também haverá o julgamento pelo STF de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) visando derrubar o Decreto 4.887/2003, que regula a titulação de quilombos no país. A ação foi proposta pelo Partido Democratas (DEM). No julgamento, também existe o risco de adoção do marco temporal. “Titular terra indígena, titular terras de quilombos, essas terras ficam para as futuras gerações das comunidades. Votar pelo marco temporal é um voto racista. A pretensão da ADI é uma pretensão racista”, criticou Oriel Rodrigues de Moraes, assessor jurídico da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).

Foto: Midia Ninja

A audiência pública no Senado:


Entenda as ações no STF

A ACO 362, primeira na pauta, foi ajuizada nos anos 1980 pelo estado de Mato Grosso (MT) contra a União e a Funai, pedindo indenização pela desapropriação de terras incluídas no Parque Indígena do Xingu (PIX), criado em 1961. O estado de Mato Grosso defende que não eram de ocupação tradicional dos povos indígenas, mas um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) defende a tradicionalidade da ocupação indígena no PIX, contrariando o pedido do estado de MT.



Já a ACO 366 questiona terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci e também foi movida pelo estado do Mato Grosso contra a Funai e a União. Semelhante à 362, ela foi ajuizada na década de 1990, pede indenização pela inclusão de áreas que não seriam de ocupação tradicional indígena. Neste caso, a PGR também defende a improcedência do pedido do estado do MT.

A última que será julgada no dia 16 é a ACO 469, sobre a Terra Indígena Ventarra, do povo Kaingang. Movida pela Funai, ela pede a anulação dos títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo governo do Rio Grande do Sul nesta terra, conforme exige a Constituição. A ação é simbólica dos riscos trazidos pela tese do “marco temporal”: durante a política de confinamento dos indígenas em reservas diminutas, os Kaingang foram expulsos de sua terra tradicional, à qual só conseguiram retornar após a Constituinte, com a demarcação realizada somente na década de 1990. Sem relator, a ação tem parecer da PGR favorável aos indígenas e está com pedido de vistas da ministra Carmen Lúcia, que deve ser a primeira a votar.

No Brasil

Dia Internacional dos Povos Indígenas: passa o tempo, persiste o genocídio – por Egon Heck
Para os povos indígenas, o que os fatos narram é um constante genocídio. Desde a usurpação da América, o que contam as ocorrências é uma realidade de perseguição e mortandade.
Frente a novas violações de direitos indígenas, entidades da sociedade civil brasileira acionam ONU
Na semana de celebração do Dia Internacional dos Povos Indígenas, 48 instituições enviaram informe à relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direitos dos povos indígenas
Semana de lutas: indígenas em todo o Brasil mobilizam-se contra o Marco Temporal
Em intensa agenda de atividades até o dia 16 de agosto, povos indígenas unem-se contra a tese que ameaça o direito constitucional à terra
Organismos da CNBB e pastorais sociais divulgam nota aos ministros do STF em solidariedade a indígenas e quilombolas
A Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora, junto a pastorais e organismos da CNBB, apela para que ministros do STF não legitimem a violência histórica contra indígenas e...
APIB pede que PGR investigue Michel Temer por crimes de improbidade administrativa e favorecimento a bancada ruralista
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou hoje representação na Procuradoria Geral da República, solicitando que Rodrigo Janot investigue mais crimes cometidos por Michel Temer

3 de ago. de 2017

DIREITOS

Inserido por: Administrador em 03/08/2017.
Fonte da notícia: Mobilização Nacional Indígena
O STF não pode legitimar o genocídio e as violações cometidas contra os povos indígenas no último século. Participe desta luta e diga você também: #MarcoTemporalNão. A história dos povos indígenas não começou em 1988 e não pode ser interrompida!
No dia 16 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará três ações que podem ser decisivas para os povos indígenas no Brasil. As decisões dos ministros sobre o Parque Indígena do Xingu (MT), a Terra Indígena Ventarra (RS) e terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci poderão gerar consequências para as demarcações em todo o país. Por isso, os indígenas reforçam, a partir de hoje, uma série de mobilizações por seus direitos.
Uma das principais bandeiras dos grupos interessados em limitar os direitos territoriais indígenas, com forte representação no Congresso Nacional e no governo federal, tem sido o chamado “marco temporal” - uma tese político-jurídica inconstitucional, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse em 5 de outubro de 1988. Os ruralistas querem que o ‘marco temporal’ seja utilizado como critério para todos os processos envolvendo TIs, o que inviabilizaria a demarcação de terras que ainda não tiveram seus processos finalizados.
Em meio às negociações de Temer para evitar seu afastamento da presidência, os ruralistas do Congresso conseguiram emplacar sua pauta no governo federal. Temer assinou, em julho, um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) obrigando todos os órgãos do Executivo a aplicar o “marco temporal” e a vedação à revisão dos limites de terras já demarcadas - inclusive visando influenciar o STF.
Na prática, o marco temporal legitima e legaliza as violações e violências cometidas contra os povos até o dia 04 de outubro de 1988: uma realidade de confinamento em reservas diminutas, remoções forçadas em massa, tortura, assassinatos e até a criação de prisões. Aprovar o “marco temporal” significa anistiar os crimes cometidos contra esses povos e dizer aos que hoje seguem invadindo suas terras que a grilagem, a expulsão e o extermínio de indígenas é uma prática vantajosa, pois premiada pelo Estado brasileiro. A aprovação do marco temporal alimentará as invasões às terras indígenas já demarcadas e fomentará ainda mais os conflitos no campo e a violência, já gritante, contra os povos indígenas. 
Afirmar que a história dos povos indígenas não começa em 1988 não significa, como afirmam desonestamente os ruralistas, que eles querem demarcar o Brasil inteiro. Os povos indígenas querem apenas que suas terras tradicionais sejam demarcadas seguindo os critérios de tradicionalidade garantidos na Constituição – que não incluem qualquer tipo de “marco temporal”!
Por isso o movimento indígena e as organizações de apoio aos povos na sociedade civil pedem a revogação imediata do Parecer 001/2017 da AGU e diz: Marco Temporal Não!
Entenda as ações no STF
A Ação Civil Originária (ACO) 362, primeira na pauta, foi ajuizada nos anos 1980 pelo Estado de Mato Grosso (MT) contra a União e a Funai, pedindo indenização pela desapropriação de terras incluídas no Parque Indígena do Xingu (PIX), criado em 1961. O Estado de Mato Grosso defende que não eram de ocupação tradicional dos povos indígenas, mas um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) defende a tradicionalidade da ocupação indígena no PIX, contrariando o pedido do Estado de MT.
Já a ACO 366 questiona terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci e também foi movida pelo Estado do Mato Grosso contra a Funai e a União. Semelhante à 362, ela foi ajuizada na década de 1990, pede indenização pela inclusão de áreas que, de acordo como o Estado de MT, não seriam de ocupação tradicional indígena. Neste caso, a PGR também defende a improcedência do pedido do Estado de MT.
A última que será julgada no dia 16, é a ACO 469, sobre a Terra Indígena Ventarra, do povo Kaingang. Movida pela Funai, ela pede a anulação dos títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo Estado do Rio Grande do Sul sobre essa terra. A ação é simbólica dos riscos trazidos pela tese do “marco temporal”: durante a política de confinamento dos indígenas em reservas diminutas, os Kaingang foram expulsos de sua terra tradicional, à qual só conseguiram retornar após a Constituinte, com a demarcação realizada somente na década de 1990. Desde então, a Terra Indígena Ventarra está homologada administrativamente e na posse integral dos Kaingang. Sem relator, a ação tem parecer da PGR favorável aos indígenas e está com pedido de vistas da ministra Cármen Lúcia, que deve ser a primeira a votar.

2 de ago. de 2017

POLÍTICA


Governo Temer e ruralistas tentam influenciar STF a aprovar medidas contra povos e comunidades tradicionais

Por Marcelo Charleo, Roberto Liebgott e Onir de Araújo*
Está na pauta de julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), do dia 16 de agosto, o julgamento de três processos envolvendo terras indígenas demarcadas pelo Poder Executivo e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra decreto que regulamenta a demarcação de terras quilombolas. Serão, portanto, julgadas a Ação Civil Originária (ACO) 469, que teve pedido de vistas da ministra Carmen Lúcia, que trata de discussão sobre a nulidade de títulos sobrepostos à terra indígena Ventara, do Rio Grande do Sul; a ACO 362, com relatoria do ministro Marco Aurélio e que discute pedido de indenização do Estado do Mato Grosso alegando que a União definiu indevidamente os limites do parque e se apropriou de áreas do estado, mas que na prática discute a demarcação do Parque Nacional do Xingu; a ACO 366, também relatada pelo ministro Marco Aurélio, que discute pedido de indenização por desapropriação indireta de terras que teriam sido ilicitamente incluídas dentro do perímetro das reservas indígenas Nambikwára e Parecis e das áreas a elas acrescidas; e a ADI 3239/DF que trata da constitucionalidade do Decreto 4887/2013 que regulamenta as demarcações das terras quilombolas, julgamento que teve dois votos, o do relator do processo, do então ministro Cezar Peluzzo que se manifestou contra o decreto e o voto favorável a sua constitucionalidade proferido pela ministra Rosa Weber.

Todas as ações relativas às demarcações de terras indígenas discutem aspectos relativos à ocupação tradicional indígena assim como no caso dos territórios quilombolas. Significa dizer que os ministros podem, durante estes julgamentos, discutir a tese jurídica do Marco Temporal, supostamente decorrente da Constituição Federal de 1988, conceituando, por esse prisma, o que é ou não área tradicionalmente ocupada por esses povos ou comunidades. No caso das demarcações das terras quilombolas se questiona a constitucionalidade do decreto e já se iniciou, como apontado acima, o debate, tendo, pois, incluindo ainda a discussão para a fixação da marcação temporal com lastro na Constituição Federal de 1988.
Tendo presente que os ministros do STF pautaram os julgamentos relativos às demarcações de terras indígenas e quilombolas, a Frente Parlamentar da Agropecuária, comandada pelos deputados federais Nilson Leitão, Luis Carlos Heinze e Alceu Moreira, entre outros, decidiu se antecipar ao debate e propôs - de antemão - uma negociação – na verdade uma chantagem - exigindo que o governo federal adotasse medidas no sentido de inviabilizar demarcações de terras indígenas. Como contrapartida, a bancada ruralista garante o apoio de parlamentares contra o pedido, apresentado pela Procuradoria Geral da República, de abertura de processo de crime comum, no âmbito STF, contra Michel Temer. Vídeo do deputado Luis Carlos Heizen, que circula nas redes sociais, confirma as pressões da bancada ruralista sobre o governo Temer, especialmente sobre o Ministério da Justiça e a Advocacia Geral da União (AGU).
Medidas preparatórias e de legalidade e legitimidade duvidosas sob o ponto de vista jurídico já haviam sido tomadas em setembro do ano passado, no que se refere às comunidades quilombolas, através da Sub Chefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, SAJ, de nº 2897/2016, que recomendava entre outras medidas em decorrência do resultado parcial com voto em favor da ADI a interrupção dos processos de demarcação e titulação, como medida para evitar “insegurança jurídica maior”. O órgão também justificou a devolução de todos os processos de demarcação de territórios quilombolas à Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD/MDA) para revisão e ajustes, alegando que caberia ao órgão “decidir a ordem em que se dará a regularização”, tal medida, de flagrante ilegalidade levou a 6ª Câmara de Revisão a publicar uma Nota Técnica no dia 19 do corrente mês denunciando a flagrante ilegalidade da orientação da Casa Civil da Presidência da República, in verbis: A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) defende, em nota técnica divulgada nessa quarta-feira (19), o prosseguimento dos processos de demarcação e titulação de terras ocupadas por comunidades quilombolas. O documento dirigido à Casa Civil da Presidência da República pede que seja suspensa orientação recente do órgão para que demarcações sejam interrompidas até a conclusão de julgamento sobre a legalidade do processo no Supremo Tribunal Federal (STF).
Nessa esteira de ataques e medidas preparatórias com cunho categoricamente anti-indígenas e antiquilombolas foi editado o Parecer 001/2017/GAB/CGU/AGU e aprovado pelo presidente Michel Temer, estampando, portanto, a negociata estabelecida com a bancada ruralista. O parecer retoma a portaria 303/2012 da AGU, sobre a qual recaíram severas críticas do Ministério Público Federal, povos, comunidades e organizações indígenas e entidades indigenistas e, por consequência, acabou sendo suspensa pelo Poder Executivo. A referida portaria pretendia impor aos procedimentos de demarcação de terras, a tese do marco temporal e as 19 condicionante definidas durante o julgamento pelo STF da Pet 3388/2009, relativa à demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. Na ocasião, os ministros da Suprema Corte decidiram que o procedimento de demarcação daquela terra era válido e que as condicionantes nele estabelecidas não se vinculariam a outras demarcações de terras. A AGU, não satisfeita, tentou em 2012 impor sua interpretação do julgamento com a pretensão de atender a interesses econômicos e políticos – como os da bancada ruralista – inviabilizando a demarcação, o reconhecimento e a proteção das terras indígenas.
O parecer atual, contudo, segue na mesma monta da portaria arquivada, ou seja, impor a vontade e os interesses dos exploradores sobre os direitos indígenas e quilombolas e na prática, se a reforma trabalhista nos faz retroceder a situação anterior a era Vargas, o objetivo e o foco desses setores é reconstituir a Lei de Terras de 1850. Essa é a estratégia. E pior, negociam com aqueles que se encontram na administração dos poderes públicos benesses e favores submetendo o direito a uma condição vulnerável, o qual vale apenas para os que detêm ou são os selecionados e acolhidos pelos interesses econômicos hegemônicos ou em disputa, transformando o direito num privilégio, como se vivêssemos num regime de exceção. Lamentavelmente é o que parece ocorrer no atual contexto político e jurídico em nosso Brasil.
Tanto a tese do Marco Temporal, que não se encontra entre as 19 condicionantes, mas apenas é referida em votos de ministros no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, como as condicionantes não encontram guarida no texto constitucional relativo às demarcações de terras. As interpretações jurídicas do direito não podem se pautar por interesses políticos e econômicos. O resultado do julgamento da ação popular contra Raposa Serra do Sol demonstra, em certa medida, que, para além da legitimidade da demarcação, se pretendia impor limites às demandas indígenas. O voto-vista apresentado pelo ministro Carlos Menezes Direito - no qual propôs as 19 condicionantes e o marco temporal ao procedimento demarcatório daquela terra - deve ser analisado com cuidado para que não sejam generalizadas as decisões daquele julgamento. Isso porque, sobre as condicionantes e o marco temporal foram interpostos vários embargos de declaração tanto com o intuito de rejeitar as condicionantes, ou para vinculá-las às demais demarcações de terras no país. Os embargos da Pet 3388/RR foram julgados e os ministros do STF, em sua maioria, se manifestaram no sentido de restringir – condicionantes e o marco temporal – ao caso concreto de Raposa Serra do Sol.
Adite-se: os atuais estudos demarcatórios realizados pela Funai – no caso dos povos indígenas – e pelo Incra – relativo aos quilombolas –, seguem ritos definidos por normatizações administrativas, já apresentadas: o Decreto 1.775/96, a Portaria 14/96 e o Decreto 4887/2003, onde se prevê investigações históricas, antropológicas, arqueológicas, sociais, fundiárias e ambientais necessárias para avalizar ou rejeitar uma demarcação administrativa. O marco temporal - que ora se pretende ilegalmente e ilegitimamente resgatar - propõe a exclusão desses estudos e rompe com o que está expresso na Carta Magna de que “os índios tem o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, ou seja, aquelas condicionantes e aquele marco temporal, como então definidos STF, referem-se efetivamente a um conjunto de condições vinculadas ao caso específico da terra indígena Raposa Serra do Sol, e, portanto, não podem e nem devem ser extensivos a outros procedimentos. Sobre isso, o jurista José Afonso da Silva, declarou:
"A decisão do Supremo diz respeito a um caso específico. Não criou jurisprudência geral coisa nenhuma. Pode ser que, no futuro, o STF afirme alguma outra coisa, mas, até lá, um caso único e específico pode até criar um precedente, mas não uma jurisprudência. O que a AGU está fazendo é, a partir da sua própria interpretação do que os ministros decidiram em 2009, estender para todos os outros casos a decisão (Agência Brasil, 20/07/2012)".
Com o julgamento a Pet 3388/RR (DJe de 01/07/2010), o  STF deixa evidente que o Art. 231, § 1º, da CF/88 não cria marco temporal vinculando as demarcações futuras, mas estabelece que no caso concreto da terra indígena Raposa Serra do Sol havia que se estabelecer, não somente um delimitador para reconhecimento da demarcação, mas acima de tudo para dizer que ao longo da história os povos daquela terra foram esbulhados. Justifica-se, neste caso, a argumentação do renitente esbulho. Segundo o STF, “o renitente esbulho se caracteriza pelo efetivo conflito possessório iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição de 1988, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada”.
Portanto, a polêmica estabelecida no âmbito do Poder Judiciário – através de decisões de desembargadores e ministros – utilizando-se da tese do marco temporal e do renitente esbulho serve, em essência, para estabelecer limites aos direitos indígenas e também quilombolas relativos às demarcações de suas terras, pois impõem que estes devem provar que estavam sobre a terra, ou em conflito e/ou em disputa processual pela área pleiteada naquele período – comprovando o renitente esbulho. Há, todavia, que se dizer que o esbulho contra indígenas e quilombolas é comprovado pela história passada e recente de nosso país. São fartas as bases documentais que comprovam terem ocorrido intensos conflitos, esbulhos e expulsões dos indígenas das terras onde habitavam tradicionalmente. Também são fartas as fontes que mostram que os povos eram impedidos de voltar às terras ou de pleiteá-las, dadas às pressões políticas e as violências sofridas. O renitente esbulho não deve e não pode ser caracterizado pelo conflito evidente, aparente ou de fácil caracterização, mas, sobretudo, deve ser investigado aquele que se prolongou ao longo do tempo em função de um leque interminável de circunstâncias, que não apenas os conflitos físicos, armados e/ou judicializados.  
A presença contemporânea dos povos indígenas e das comunidades quilombolas em luta pela terra é, em essência, a comprovação do renitente esbulho. Eles não sucumbiram ao passado, vivem no presente e são eles – povos e comunidades de hoje – com quem o Estado e o Poder Judiciário devem se preocupar.
O jurista José Afonso da Silva acresce, a partir do julgamento da Pet 3388, quanto à ilegitimidade de algumas das condicionantes expressas naquele julgamento, de modo especial do “marco temporal de ocupação das terras indígenas pelos índios” . Para o Constitucionalista, o referido marco é questionável:
"Fixado pretorianamente de modo arbitrário como sendo a data da promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988. Questionável também por ter dado ao conceito uma dimensão normativa com aplicação geral a todos os casos de ocupação de terras indígenas".
O enunciado do acórdão do julgamento da Pet 3388 referindo que a “Constituição Federal trabalhou com data certa  - a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) – como insubstituível referencial para o dado da ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia, ou seja, para o reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que ocupam” é entendido pelo jurista José Afonso da Silva como espoliador dos direitos fundamentais dos índios porque junta  dois conceitos: o marco temporal em 05/10/1988 e o renitente esbulho”. O jurista pergunta:
"Onde está isso na Constituição? Como pode ela ter trabalhado com essa data, se ela nada diz a esse respeito nem explícita nem implicitamente? Nenhuma cláusula, nenhuma palavra do art. 231 sobre os direitos dos índios autoriza essa conclusão. Ao contrário, deve- se ler com a devida atenção o caput do art. 231, ver-se-á que dele se extrai coisa muito diversa. Vejamos: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, língua, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer espeitar todos os bens”.
Se são “reconhecidos... os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, é porque já existiam antes da promulgação da Constituição. Se ela dissesse: “são conferidos, etc.”, então, sim, estaria fixando o momento de sua promulgação como marco temporal desses direitos.
Conclui, assim, que são equivocadas as interpretações do Poder Judiciário no tocante ao marco temporal, pois a atual Constituição não limita os direitos ordinários dos povos indígenas às suas terras ao dia 05 de outubro de 1988, impedindo demarcações de terras para os povos que apenas conseguiram regressar a elas depois do advento da atual Carta Magna.
Adverte o afamado professor que:
"O termo “marco” tem sentido preciso. Em sentido espacial, marca limite territorial. Em sentido temporal, como é o caso, marca limites históricos, ou seja, marca quando se inicia algum fato evolutivo. O documento que marcou o início do reconhecimento jurídico-formal dos direitos dos índios foi a Carta Régia de 30 de junho de 1611, promulgada por Fellipe III, que firmou o princípio de que os índios são senhores de suas terras, “sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre elas se lhes fazer moléstias ou injustiça alguma".
Acerca do instituto do renitente esbulho, observa que não é correto interpretar, à luz da Constituição Federal, que os conflitos envolvendo terras indígenas tenham um caráter tipicamente possessório na forma caracterizada pelo direito civil. Para o jurista, a ocupação indígena de suas terras não é uma mera posse, pois eles as ocupam com fundamento no indigenato. Para ele, a ocupação é fundada em direitos originários, de sorte que quando o não-índio se apossa dessas terras, ele não retira apenas a posse dos índios sobre elas, mas um conjunto de direitos que integram o conceito de indigenato.
Alerta ainda, de modo enfático, que a interpretação restritiva de esbulho renitente como controvérsia possessória judicializada é absolutamente inaceitável porque:
"A controvérsia não é tipicamente possessória..., ou seja, não é uma disputa individual em que um possuidor retira a posse do outro, pois os direitos ordinários dos índios sobre a terra, como visto no correr deste parecer, não pertence a eles como indivíduos, mas às comunidades indígenas; demais os índios e as comunidades indígenas antes da Constituição de 1988 não tinham legitimidade processual, pois estavam sujeitas ao regime tutelar, de sorte que exigir deles o cumprimento de ônus, qual seja a defesa das terras que ocupam, que são de propriedade da União, e  que, pela sua situação de tutelado, não podem cumprir, é desconhecer que o direito se interpreta em relação ao contexto em que incide, sem levar em conta que a Constituição lhes garante também sua organização social, costumes e tradições. Demais, os direitos constitucionais dos índios são de natureza protetiva de minorias, e como tal devem ser interpretados sempre de modo favorável aos beneficiários, não se lhes impondo ônus fora de sua situação vivencial".
Ademais, sobre o renitente esbulho, há que se ressaltar, como já observou o ilustre professor, que até 1988 os povos indígenas eram tutelados pelo Estado, portanto, não poderiam pleitear seus direitos autonomamente (essa função era da União, através de seus órgãos de assistência). E há que se considerar as frequentes denúncias de que os próprios órgãos de assistência foram responsáveis pelo esbulho e exploração das terras, tendo alguns servidores públicos atuado para coibir e reprimir as comunidades e lideranças indígenas. No mesmo sentido, o Relatório Figueiredo traz com nitidez, atrocidades praticadas contra as comunidades indígenas nos anos de 1950 a 1970.
Portanto, se, no âmbito do Poder Judiciário, os indígenas não agiam porque eram impedidos, agora eles são considerados sujeitos de direitos individuais e coletivos – Artigo 232 da CF: “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo” – e não podem mais ser ignorados. E, igualmente, não devem ser punidos porque não ingressaram com reclamatórias na justiça em um contexto no qual tal ação não lhes era facultada. Ainda hoje, observa-se que, na maioria das demandas contra as demarcações de terras, os povos e suas comunidades não estão sendo intimados ou citados para responder e se fazer representar. Isso implica, segundo a Constituição Federal, na nulidade das ações em que os povos não foram chamados para responder – sendo eles partes legítimas tanto no polo passivo como no ativo das ações.
Acerca das 19 condicionantes, a Suprema Corte foi enfática em dizer que a sua aplicabilidade é limitada, restringindo-se ao caso concreto de Raposa Serra do Sol. Na história brasileira há outras decisões que não podem ser generalizadoras. Podemos lembrar, por exemplo, de um marco da historiografia cearense, o Relatório da Província, escrito em 1863, no qual se decretava a extinção dos índios no estado do Ceará e a anexação dos territórios destes às glebas destinadas à colonização. Naquele, e em quase todos os estados, a ordem era favorecer os interesses dos setores regionais e nacionais dominantes, exterminando (ou extinguindo oficialmente) os indígenas para, assim, liberar as terras. Um século mais tarde, já não se decretava a inexistência dos povos indígenas e sim, a necessidade de promoção de sua “gradativa e harmoniosa integração”, através de um aparato jurídico e de ações assistenciais que visavam obter, pela via da integração da população indígena, a liberação das terras por eles ocupadas para os projetos de desenvolvimento nacional.
As condicionantes retomam argumentos reacionários em relação aos povos indígenas e contrariam os direitos constitucionais destes povos em aspectos cruciais. Um primeiro aspecto diz respeito ao direito de pleitear ampliação ou revisão de limites de terras já demarcadas. Embora, em geral, se utilize a expressão “ampliação de terras”, na grande maioria dos casos se trata de uma reivindicação justa de revisão dos limites estabelecidos pela Funai em um contexto de conflito, no qual o órgão indigenista aconselhou que os índios aceitassem uma redução da área para possibilitar a sua demarcação sem maiores embates (e tais procedimentos ocorreram em desajuste com o que determina a Constituição Federal). São muitas as terras indígenas demarcadas, sobretudo nos estados do Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que demandam revisão de limites, pois tiveram uma drástica redução nas dimensões apontadas pelos grupos técnicos e não correspondem à área de ocupação tradicional de povos e comunidades indígenas. Citando um caso concreto, no estado de Santa Catarina, a área indígena Toldo Pinhal, do povo Kaingang, foi identificada pelo grupo técnico e recomendada para demarcação com uma extensão de 9.800 hectares, considerando a ocupação tradicional e as necessidades do grupo em questão. Contudo, a Funai demarcou apenas 980 hectares, portanto, uma área dez vezes menor. Como este, há dezenas de outros casos.
Sobre a interpretação de que não há possibilidade de se ampliar terras já demarcadas, o jurista José Afonso da Silva argumenta:
"O que é fundamental é que a Constituição, no caput do Art. 231, garante aos índios os direitos originários sobre as terras que ocupam. Então onde houver terras indígenas nessas condições, a demarcação é obrigatória. Os índios têm direito à demarcação de suas terras na sua totalidade. Esses direitos preexistem ao ato de demarcação, por isso mesmo a demarcação é reconhecida até pelo próprio Supremo Tribunal Federal como meramente declaratória. Ora, então, se forem indígenas as terras confinantes com terras já demarcadas, corre-lhes o direito à ampliação da demarcação até cobrir as áreas que ficaram fora da demarcação original".
O segundo aspecto diz respeito à restrição do usufruto exclusivo sobre as terras pelos índios, conforme estabelece o Art. 231 da Constituição Federal. As condicionantes limitam aos indígenas o usufruto de recursos existentes em suas terras restringindo as possibilidades apresentadas por outras normas legais. Além disso, determinam que seja dispensada a consulta prévia às comunidades quando houver interesse da União na implantação de empreendimentos em terras indígenas. Nesse sentido, a expansão da malha viária ou a geração de energia (via construção de hidrelétricas, por exemplo) poderia ser entendida como estratégica, dispensando a prévia consulta às comunidades que vivem nas terras afetadas? Tal aspecto afronta premissas da Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Povos Indígenas e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, esta última ratificada pelo Estado brasileiro, que determinam a realização de consulta prévia, livre e informada às populações indígenas sobre qualquer empreendimento que as afetem. A aplicação das condicionantes articuladas ao marco temporal parecem alinhadas ao desejo de colocar um ponto final nos procedimentos democráticos, que pressupõem consultas, debates, diálogos com a população envolvida.
Ao longo dos séculos, as terras indígenas acabaram servindo e/ou sendo utilizadas por diversos povos em função do direito originário. Direito anterior a outros direitos que possam incidir sobre terras indígenas. Neste sentido a demarcação tem a função de estabelecer os limites espaciais de uma determinada terra e assegurar aos povos ou comunidades o direito de usufruir delas dentro de uma perspectiva de futuro. Segundo Marco Antônio Barbosa, a Constituição assegura os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam numa perspectiva de esclarecer que a utilização e relacionamento dos povos com as terras são de outra natureza:
"Visou o legislador constituinte deixar claro que o Estado brasileiro reconhece aos índios direitos territoriais preexistentes ao próprio Estado brasileiro, por isso a utilização das expressões: reconhecidos e direitos originários. Redigida de forma pouco precisa, a Súmula 650-STF deve ser aplicada tão-somente às hipóteses a que ela se refere - usucapião de terras mencionadas no art. 1º, alínea "h", do Decreto nº 9.760/1946 -, devendo os operadores do direito atentar para as peculiaridades e as circunstâncias constantes dos precedentes que embasaram a edição do enunciado, sob pena de violação ao disposto no Art. 231 da Constituição e ao art. 14 da Convenção 169 – OIT".
Diante de todo o exposto, e tendo em vista que estão em disputa poderosos interesses políticos e econômicos, que visam essencialmente a exploração e espoliação das terras e seus recursos naturais e ambientais e, como consequência, pretendem a aniquilação dos direitos indígenas e quilombolas, requer-se, depois dessa discussão, que o Supremo Tribunal Federal mantenha a coerência com decisões proferidas por ocasião do julgamento do caso Raposa Serra do Sol, e pacifique, em definitivo, afastando a tese do marco temporal, do renitente esbulho, bem como as 19 condicionantes vinculadas ao caso concreto daquela decisão, e que os ritos demarcatórios, tanto no que se refere às demarcações de terras indígenas como das comunidades, afastando, por conseguinte essas malfadadas teses, consolidando a constitucionalidade do Decreto 4887/2003, dos direitos originários e tradicionais dos povos indígenas, tudo pautado pelo espírito da Constituição Federal, regulados por normas que assegurem que as ações sejam realizadas pelos órgãos da administração pública federal, como efetivamente ocorre.
Se assim o decidir, por uma questão de justiça, a Suprema Corte evitará que medidas extremas, com características de uma justiça de exceção, contra povos e comunidades originárias e tradicionais, se consolidem.
Porto Alegre, 31 de julho de 2017.
Marcelo Charleo, advogado, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ e membro da Comissão Americana de Juristas
Roberto Antonio Liebgott, filósofo, bacharel em Direito e missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul.
Onir de Araújo, advogado, integrante da Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas, Rio Grande do Sul