* A HISTÓRIA DE UM GUERREIRO APINAJÉ E A ORIGEM DO MẼÔKREPÔX RUNHTI
Antigamente
quando existiam muitos índios, os Apinajé, (nossos antepassados) realizavam
muitas andanças e caçadas em seu território. Naquela época também faziam muitas
incursões de guerra contra outros povos. Conta se que existia um jovem chamado
Pẽpxi-ti que sempre acompanhava os adultos nessas expedições. Quando ficou
adulto resolveu formar um grupo de cinco pessoas e saíram à procura de outras
aldeias. Nessa expedição Pẽpxi-ti levou sua irmã moça. Então chegaram à aldeia
dos Kupẽ rop e observaram que tinha muitas miçangas (kẽn).
Cantador Apinajé, com capacete de palha semelhante os usados por Pepxi-ti. (foto: Antônio Veríssimo. 08/2011)
|
Pẽpxi-ti
viu que a aldeia dos Kupẽ rop era muito grande, se atacassem com certeza seriam
mortos. Resolveram então ficar de tocaia
no mato perto da fonte de água esperando para “pegar” os enfeites. No dia
seguinte de manhã apareceram alguns homens e mulheres para tomar banho. Seus
braços e pernas estavam bem enfeitados com miçangas e também traziam os cestos
cheios de miçangas.
Decidiram
que pegariam as miçangas somente no período da tarde. Durante o dia os Kupẽ rop
correram com toras e cantaram no pátio à tarde inteira. No final da tarde
seguiram para o rio para tomar banho. Os Apinajé (Panhĩ) observaram tudo.
Quando o Sol estava entrando chegaram mais gente para banhar. Antes de entrarem
na água os Kupẽ rop tiraram suas miçangas e guardaram em cima de jiraus.
Então
Pẽpxi-ti e seus guerreiros aproveitaram esse momento para atacar os Kupẽ rop,
mataram os homens e mulheres e pegaram as miçangas. Voltaram para moita onde
estavam escondidos, anoiteceu e não apareceu mais ninguém na fonte de água. A
irmã de Pẽpxi-ti sugeriu que viajassem a noite por que os Kupẽ rop costumavam
banhar pela manhã e veriam os mortos. Se não saíssem logo seria alcançados e também
mortos pelos Kupẽ rop. Pẽpxi-ti respondeu que deveriam aguentar a luta. A mulher
disse que não. Tinham que partir. Assim cada um pegou miçangas e viajaram.
Foram dormir na beira de outro rio, de manhã a mulher sugeriu que arrumassem
logo um jeito de atravessar o rio, pois os Kupẽ rop com certeza estavam chegando.
Foram
cortar buriti para fazer uma balsa e atravessar o rio. Depois de pronta
colocaram na água para fazer a travessia. Quando estavam na metade apareceram
os Kupẽ rop enraivecidos e passaram a atirar flechas que caiam dentro da água não
atingindo nenhum (Panhĩ) Apinajé. Os Kupẽ rop perceberam que não tinha como
atravessar o rio atrás dos Apinajé, foi então que Pẽpxi-ti começou a cantar.
Sua
irmã então disse que não era hora de cantar. Mas ele respondeu que queria
cantar. Ele cantou para todos os objetos que via. A irmã ficou ouvindo as
cantigas de Pẽpxi-ti. Ele cantou para o peixe e para o Kupẽ rop. Continuou
cantando até atravessar o rio em direção sua aldeia. Em terra para todo animal
que via ele cantava. A irmã ia “gravando” na cabeça todas as cantigas que seu
irmão ia cantando. Ao verem um jabuti Pẽpxi-ti puxou uma cantiga para o jabuti.
O Sol estava muito quente. A irmã reclamou sugerindo que entrassem num brejo
para se refrescarem. Ele então cantou para o Sol. Um calango correu e ele
cantou para o calango. Enquanto isso sua irmã ia apreendendo tudo.
Ao
se afastarem de perto do rio puderam viajar com mais calma. E a todo instante Pẽpxi-ti
parava para cantar as coisas que via pelo caminho. Viajaram três dias para
chegar à aldeia deles. E levavam muitas
miçangas (kẽn). Chegaram próximo à aldeia à tardinha. Acamparam na beira de um
ribeirão. Pẽpxi-ti mandou que a irmã pegasse carvão das árvores queimadas e passaram
no rosto para ficar preto. E assim pintados seguiram para aldeia. Na estrada
encontraram alguns caçadores. Pẽpxi-ti ordenou que voltassem e avisassem que
estavam chegando. Os caçadores voltaram e informaram ao cacique que se dirigiu
ao pátio e chamou todos para dar a notícia.
Os
familiares de Pẽpxi-ti foram saber se eram informações sobre eles. O cacique
avisou que eles estavam chegando e que ia recebê-los no pátio. Eles chegaram
cantando e enfeitados (as) com miçangas e capacetes de palhas de buriti. E os
guerreiros carregavam pesadas bordunas nas mãos. A mãe e irmã de Pẽpxi-ti
choraram muito depois que o levaram para casa. Ele então falou: “Agora vocês
vão embora, depois que descansar bem eu darei um presente pra vocês”. Pela
manhã Pẽpxi-ti levou as miçangas para o pátio e as distribuiu para todos da
aldeia. Então o Ritual Mẽôkrepôx-runhti começou com as cantigas do guerreiro Pẽpxi-ti.
Mulheres preparando o bolo de macaxeira. (foto: Carlos Tep Krut F. Apinagé. Julho 2015) |
COMO É REALIZADO O RITUAL MẼÔKREPÔX
RUNHTI HOJE
Há
muitos anos as cantigas do guerreiro Pẽpxi-ti (Mẽôkrepôx runhti) vem sendo ensinadas e repassadas de
geração a geração dos Apinajé sendo cantadas até os dias de hoje em rituais de
encerramento de luto. Através dessas cantigas nosso povo (Panhĩ) Apinajé,
dialoga e se relaciona com as árvores, os animais, a água, o vento, as estrelas
e o sagrado.
Atualmente o Mẽôkrepôxrunhti é um dos Rituais mais realizados
pelos Apinajé e acontece sempre no período de junho a setembro. E durante
realização dessa celebração são consumidos muitos alimentos, especialmente os
produtos da roça como batata, farinha de mandioca e macaxeira; que é consumida
em forma de bolo misturada preferencialmente com carne de caça.
Pela manhã encerramento do Meokrepox runhti. (foto: Carlos Tep krut F. Apinagé. Julho de 2015) |
Para
realizar o Mẽôkrepôx runhti as famílias devem cultivar uma boa roça e plantar esses
produtos para garantir alimentação dos participantes. Os Apinajé também costumam
realizar grandes caçadas e pescarias para arrumar carne e peixes para essa
“Festa”. Porém com a diminuição dos territórios de caça, a escassez de animais e
a diminuição do pescado a maior parte dessas proteínas são compradas na cidade.
A última Celebração foi realizada na aldeia Brejinho e iniciou se
no dia 02/07/15 com corte de cabelo de alguns participantes nomeados para essa
formalidade. Durante a noite inteira, de quinta para sexta teve cantorias no
pátio da aldeia. Nos intervalos das cantigas aconteceram rodas de conversas,
regadas a generosos goles de café.
No dia 03/07/15 pela manhã,
os participantes homens e mulheres enfeitados com capacetes de palhas de
palmeira babaçu se deslocaram do pátio até a casa onde foram expostos os bens
para serem distribuídos. Depois das cantorias, danças e choros coletivos foram
distribuídos produtos da roça especialmente farinha de mandioca, carne moqueada
e arroz. Também foram distribuídas “coisas” adquiridas na cidade como colheres,
pratos, bacias e panelas.
Os bens foram distribuídos entre os participantes,
especialmente aqueles que ficaram acordados e ajudaram nas cantorias. Depois do
encerramento, no período da tarde os participantes retornaram à suas aldeias.
Essa celebração reúne
muitas famílias que vem de outras aldeias e até de outros povos. Por ocasião
dos Mẽôkrepôx runhti as famílias se encontram e se confraternizam entre si;
fortalecendo as relações de respeito e amizade. Por essa razão queremos sempre
celebrar para que esses valores, saberes, costumes, mitos e crenças continuem
sendo transmitidos para as gerações futuras.
Fonte:
tese de Doutorado de Odair Geraldin (ASPÊN PYRÀK) História, Cosmologia,
Onomástica e Amizade Formal Apinajé. UNICAMP, Campinas SP. Fev. 2000.
Terra Apinajé, 22 de julho de 2015
Associação União das Aldeias Apinajé-PEMPXÀ
Nenhum comentário:
Postar um comentário