30 de mai. de 2019

POLÍTICA

Senado aprova MP 870 e devolve demarcações à Funai e o órgão ao Ministério da Justiça
A MP 870 segue à sanção presidencial. Caso não fosse votada, a medida perderia validade no dia 3 de junho
A decisão é considerada uma das vitórias mais importantes contra o governo Bolsonaro e a bancada ruralista no Congresso. Foto: Leonardo Milano/MNI
A decisão é considerada uma das vitórias mais importantes contra o governo Bolsonaro e a bancada ruralista no Congresso. Foto: Leonardo Milano/MNI
POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI
Em meio ao clima de tensão entre o Congresso e o governo, o plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (28), por 70 votos a favor e quatro contra, o relatório da Medida Provisória (MP) 870/2019. Sem alterações na redação vinda da Câmara dos Deputados, que devolveu as demarcações de terras indígenas à Fundação Nacional do Índio (Funai) e o órgão indigenista ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJ), a MP 870 segue para a sanção presidencial.
Caso a medida não fosse votada até a segunda-feira (3), perderia a validade e o arranjo administrativo do primeiro escalão federal teria que voltar a ser como era na gestão de Michel Temer. O texto aprovado pelo Senado reverteu as alterações de Bolsonaro na estrutura administrativa que afetavam mais diretamente aos povos indígenas, ao vincular a Funai ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e submeter as demarcações ao Ministério da Agricultura.
Plenário do Senado aprovou, nesta terça-feira (28), o texto-base da Medida Provisória 870/2019. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Plenário do Senado aprovou, nesta terça-feira (28), o texto-base da Medida Provisória 870/2019. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Para os povos indígenas, a decisão é considerada uma das vitórias mais importantes contra o governo Bolsonaro e a bancada ruralista no Congresso. Isso porque a medida editada pelo presidente Jair Bolsonaro, retira da Funai as atribuições de demarcar as Terras Indígenas (TI) e leva para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), comandado pelos ruralistas, inimigos históricos das pautas indígenas. A Funai foi retirada do MJ e alocada no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado pela pastora Damares Alves. A MP reorganizou as estruturas e competências dos ministérios, reduzindo de 29 para 22 o número de pastas.
Em nota sobre a aprovação do texto da MP 870/2019, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) destaca que este resultado é fruto da união das forças de várias pessoas e instituições; parlamentares, de indígenas e de indigenistas e encoraja a sociedade brasileira a se manter em permanente e coordenada mobilização contra os retrocessos do governo Bolsonaro. “A terra é o princípio de tudo. Ela é nossa mãe e nosso pai. Nossa relação com a terra é de sustentabilidade, de respeito com a mãe natureza. A terra está gritando, está pedindo socorro e há quem não escute esse clamor”, denuncia a APIB.
“A terra é o princípio de tudo. Ela é nossa mãe e nosso pai”
Indígenas Kayapó clicados com o Congresso Nacional ao fundo durante o ATL 2019. Foto: Mídia Ninja
Indígenas Kayapó clicados com o Congresso Nacional ao fundo durante o ATL 2019. Foto: Mídia Ninja
Mesmo após a aprovação no Senado, é difícil saber se o governo irá referendar ou não, parcial ou totalmente a decisão da casa. Se lançar mão de vetos, o risco de novos embates com o Legislativo é grande, já que este tem a prerrogativa de apreciá-los.
Por outro lado, parlamentares favoráveis ao governo tentam desmobilizar o movimento indígena enviando uma série de sinais contraditórios sobre a tramitação da MP. Durante a votação, a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) reafirma o posicionamento da bancada governista. “Quero deixar claro aos produtores rurais que, independente do que acontecer agora, o presidente Bolsonaro não vai mais assinar demarcação de Terras Indígenas. Não assinou desde o dia 1º de janeiro e não vai assinar. Porque o presidente entende que os índios nunca tiveram as terras. Elas sempre foram da União”.
“O presidente Bolsonaro não vai mais assinar demarcação de Terras Indígenas”
Soraya Thronicke, durante sessão plenária em fevereiro de 2019, quando promete dedicar seu mandato à valorização do agronegócio. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Soraya Thronicke, durante sessão plenária em fevereiro de 2019, quando promete dedicar seu mandato à valorização do agronegócio. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
De fato, os territórios indígenas são de propriedade federal, conforme prevê a Constituição de 1988. No entanto, as comunidades tradicionais têm direito à posse permanentes e usufruto exclusivo de seus recursos naturais. Em resumo, a titularidade da União não é obstáculo ao avanço das demarcações, conforme argumenta a senadora.
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ASSEMBLEIA INDÍGENA


“Deus deixou a borduna, a flecha e a raiz para nos proteger e defender nossos direitos e territórios”

Em assembleia realizada no território Krahô, mais de 390 indígenas de povos do Goiás e Tocantins reuniram-se para debater estratégias de resistência
Assembleia realizada no território Krahô com povos de Goiás e Tocantins. Foto por Cimi - Regional Goiás/Tocantins
Assembleia realizada no território Krahô com povos de Goiás e Tocantins. Foto por Cimi – Regional Goiás/Tocantins
POR LAUDOVINA PEREIRA, DO REGIONAL GOIÁS/TOCANTINS
Mais de 390 indígenas reuniram-se na aldeia Kapej, município de Itacajá (TO), para a realização da Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins. Com participantes dos povos Krahô, Apinajé, Xerente, Krahô-Kanela, Krahô Takaywrá, Javaé e Kanela do Tocantins, e do povo Tapuia de Goiás, o evento foi de 21 a 25 de maio. Teve como tema “Estratégias de resistência frente às ameaças ao direito originário dos povos indígenas garantido na CF/1988 e a defesa das políticas públicas no contexto atual”.
Com a chegada dos povos indígenas à aldeia Kapej, o território Krahô vestiu-se com a diversidade de pinturas e línguas. O maracá com seu canto e força deu a acolhida a todos os povos e aos aliados. A lua, desde o céu com milhares de estrelas, abençoava este encontro de lutas, sonhos, esperança e resistência.
Durante a assembleia, em meio a cantorias e danças dos povos presentes, foi debatida a conjuntura indigenista nacional, as ameaças aos direitos e territórios, os vários projetos de desenvolvimento, a proposta da reforma da previdência e a política de saúde indígena. Todos os diálogos tiveram o objetivo de informar e esclarecer os diversos ataques que estão em curso contra os direitos garantidos na Constituição, além de buscar estratégias conjuntas para a defesa dos seus direitos e territórios no contexto do governo Bolsonaro.
A assembleia contou com a presença de participantes dos povos Krahô, Apinajé, Xerente, Krahô-Kanela, Krahô Takaywrá, Javaé e Kanela. Foto por Cimi - Regional Goiás/Tocantins
A assembleia contou com a presença de participantes dos povos Krahô, Apinajé, Xerente, Krahô-Kanela, Krahô Takaywrá, Javaé e Kanela. Foto por Cimi – Regional Goiás/Tocantins
Destacou-se que estes ataques atuais são, principalmente, porque o artigo 231 da Constituição rompe intensamente com a política de Estado de aculturação. Buscava-se desde a década de 70 a integração dos povos indígenas à comunhão nacional. Na contramão do integracionismo, os artigos 231 e 232 consolidaram as garantias individuais e coletivas dos povos indígenas. Por meio deles, a Constituição reconhece também o direito à diferença dos povos, suas organizações sociais, seus usos, costumes, crenças, tradições, línguas maternas e processos de aprendizagem e saúde diferenciada.
Mas, infelizmente, os direitos territoriais estão sofrendo ataques constantes pela pressão e cobiça dos interesses econômicos do agronegócio, da mineração e pelos grandes projetos de desenvolvimento incentivados pelo governo federal, visando à exploração desenfreada da Mãe Terra. Tais direitos são vistos como obstáculos para o desenvolvimento econômico, acusando os indígenas de impedir o progresso do país. Para isto, atacam o direito originário dos povos sobre suas terras tradicionalmente ocupadas.
Todos os diálogos tiveram o objetivo de informar e esclarecer os diversos ataques que estão em curso contra os direitos garantidos na Constituição. Foto por Cimi - Regional Goiás/Tocantins
Todos os diálogos tiveram o objetivo de informar e esclarecer os diversos ataques que estão em curso contra os direitos garantidos na Constituição. Foto por Cimi – Regional Goiás/Tocantins
Encontra-se no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação do povo Xokleng que representa justamente essa disputa entre direito originário e marco temporal. Esta ação no STF foi caracterizada como de Repercussão Geral, ou seja, o que for definido nela valerá para todos os processos de terras indígenas no Brasil. É o Recurso Extraordinário (RE) n° 1.017.635.
O indigenato reconhece que o direito originário não está vinculado a título, tempo, ou época. E reconhece que os povos indígenas são os originais senhores de suas terras. Este direito às terras tradicionalmente ocupadas é anterior à criação do próprio Estado brasileiro.
Já a tese do marco temporal restringe tal direito à terra, ao uso e ocupação física e temporal dos povos indígenas. Ela propõe silenciar, esquecer e desconhecer os abusos e crimes pelos quais os povos indígenas passaram, as expulsões e os deslocamentos forçados que os impediram de estar em suas terras na data da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Outro tema importante foi a MP 870 do governo Bolsonaro, que ataca frontalmente a demarcação das terras ao transferir este poder para os ruralistas, que são inimigos históricos dos povos indígenas. Durante a assembleia foi comunicada uma importante vitória do movimento indígena e dos aliados na Câmara dos Deputados, com as emendas realizadas na Medida Provisória. Após aprovação no Senado, se espera a sanção presidencial para que a Funai volte a ser responsável por demarcar as terras indígenas e retorne definitivamente ao Ministério da Justiça.
As falas das mulheres reforçaram que não deixarão que seus territórios sejam divididos e devastados. Foto por Cimi - Regional Goiás/Tocantins
As falas das mulheres reforçaram que não deixarão que seus territórios sejam divididos e devastados. Foto por Cimi – Regional Goiás/Tocantins
A proposta do arrendamento das terras indígenas foi amplamente debatida na Assembleia e foi um dos pontos de preocupação, visto o incentivo que o governo Bolsonaro e o ministério da agricultura estão dando ao tema. As falas das mulheres e dos caciques reforçaram que não deixarão que seus territórios sejam divididos e devastados pelos tratores do latifúndio para implantar suas monoculturas. Não vão permitir que toneladas de agrotóxicos sejam despejadas e matem os animais e poluam os rios e córregos, as pessoas e os animais têm direito de viver sem veneno.
Denunciaram a precariedade do atendimento na saúde indígena e a proposta do governo Bolsonaro do desmonte do subsistema de saúde indígena, construído com muita luta pelo movimento indígena. Há uma preocupação para com os perigos de permitir que os inimigos dos povos nos municípios anti-indígenas sejam gestores dos recursos e da política de atendimento à saúde indígena. Além disso, exigiram a volta de todas as instâncias que fazem possível o controle social.
A proposta da reforma da previdência também foi debatida. Denunciaram a PEC 06/2019 como outra estratégia que o governo Bolsonaro busca para lograr seu objetivo de integração dos povos indígenas à sociedade nacional, e que vão lutar contra a aprovação desta PEC da morte.
O maracá com seu canto e força deu a acolhida a todos os povos e aos aliados. Foto por Cimi - Regional Goiás/Tocantins
O maracá com seu canto e força deu a acolhida a todos os povos e aos aliados. Foto por Cimi – Regional Goiás/Tocantins
Estiveram presentes todos os dias a força do maracá e os cantos entoados no pátio, lugar sagrado onde reanimam a sua luta, fortalecem a união e mantém viva a esperança. Foram momentos fortes de resistência. De relembrar as histórias e contar para os jovens as lutas e sofrimento na conquista dos territórios, reafirmando que devem se unir e valorizar a sabedoria dos anciões e a força da juventude na luta e defesa da Mãe Terra, para garanti-la às atuais e futuras gerações.
Os indígenas reiteraram no documento final da assembleia suas estratégias de resistência, o fortalecimento de suas organizações, sua incansável luta e sua fé de que não estão sozinhos: “Deus deixou para nós a borduna, a flecha e a raiz para nos proteger e defender nossos direitos e territórios”, diz com firmeza e sem medo Elza Namnãndi Xerente.
Leia o documento final da assembleia na íntegra abaixo:
DOCUMENTO FINAL DA ASSEMBLEIA DOS POVOS INDÍGENAS DE GOIÁS E TOCANTINS
Nós povos Indígenas dos estados de Goiás e Tocantins, Apinajé, Xerente, Krahô, Javaé, Krahô – Kanela, Krahô Takaywrá, Kanela do Tocantins e Tapuia de Goiás, reunidos em Assembleia entre os dias 21 a 25 de maio de 2019 na aldeia Kapej, Terra indígena Krahô, município de Itacajá, estado do Tocantins, viemos manifestar nossas preocupações em relação aos nossos direitos e nossos territórios.
Estamos reunidos aqui, para debater sobre os nossos direitos, pela nossa Mãe Terra, para defendê-la das ameaças do governo Bolsonaro, que fere e ataca nossos direitos garantidos na Constituição Federal de 1988, nos Art. 231 e 232.
Nós povos indígenas de Goiás e Tocantins, repudiamos a medida provisória 870/2019, que ameaça a existência dos povos indígenas e ameaça a garantia dos nossos territórios e de todos os povos indígenas do Brasil.
Não aceitamos que os nossos inimigos históricos, os produtores rurais, agronegócio e os latifundiários assumam a demarcação dos nossos territórios.
Por isso, exigimos que a FUNAI volte para fazer parte do Ministério da Justiça com todas as suas atribuições, principalmente a demarcação, delimitação, proteção e fiscalização dos territórios indígenas; assim como, a competência do licenciamento ambiental.
A Constituição Federal de 1988 no Art. 231 e 232 garante o direito originário dos povos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas, o direito originário é anterior ao estado brasileiro. Nós existimos antes de 05 de outubro de 1988, e não vamos permitir que o chamado marco temporal acabe com os nossos direitos e com a nossa história.
Estamos muito preocupados com o Recurso Extraordinário 1.017.635 que tramita no Supremo Tribunal Federal para ser julgado e terá repercussão geral para todos os povos indígenas e em todos os processos de demarcação das terras indígenas.
Por isso, pedimos respeitosamente que os onze ministros do Supremo Tribunal Federal votem, para garantir o nosso direito originário, que está amparado constitucionalmente no artigo 231 e 232, para que acabem definindo de uma vez por todas, que não existe nenhum marco temporal e nenhuma data para definir o nosso direito às terras indígenas, porque nós somos os povos originários destas terras, e existimos antes mesmo que o estado brasileiro.
Queremos deixar bem claro para todos, que as nossas terras não estão postas para venda, e para nenhum tipo de arrendamento. Queremos e exigimos que se respeite a Constituição, ela no artigo 231 § 4°, diz que as “terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis”.
Por isso, não permitiremos que nossas terras sejam arrendadas, nem divididas. Não aceitaremos plantio de monoculturas de soja, arroz, cana-de-açúcar, eucalipto, melancia em nossos territórios; assim como também, não deixaremos que sejam construídos os grandes projetos nas nossas terras, como o MATOPIBA, barragens, asfaltamento de estradas, hidrovias e não queremos a transposição do rio Tocantins para o rio São Francisco, que vai matar nosso rio, matar a natureza e a Mãe Terra.
A nossa vida e saúde dos povos de Goiás e Tocantins está em jogo e correndo grave perigo. Por isso, não aceitamos a proposta do governo federal de municipalizar a política de saúde indígena. Queremos também que seja respeitado o controle social das políticas públicas, queremos a volta de todos os conselhos locais, distrital e federais, como o Fórum de presidentes dos CONDISI e o Conselho Nacional de Política Indigenista – CNPI.
A educação escolar indígena precisa ser respeitada e garantir que seja específica e diferenciada de acordo a realidade de cada povo e cultura. Tem mas de 120 dias que indígenas que trabalham como professores, Assistentes de serviços gerais e merendeiras, estão sem contrato em 2019.
Também exigimos que as cotas e a política de permanência nas universidades públicas federais sejam garantidas para os indígenas, quilombolas e para todos os brasileiros, pois a educação não pode ser privilégio de uns poucos.
Queremos viver em paz, tranquilos nas nossas terras, sem medo, sem violência e sem preconceito. Mas, para isso é preciso demarcar todas as terras indígenas, principalmente de aqueles povos que estão fora da terra indígena.
Queremos que seja concluída a demarcação da terra indígena Taego Awá do povo Avá-Canoeiro, que seja garantida a terra para o povo Kanela do Tocantins, do povo Krahô Takaywrá e concluído o processo fundiário do povo Krahô-Kanela. Assim como, seja feita a revisão de limites da terra indígena Apinajé e Tapuia, que parte de sua terra ficou fora da demarcação.
Não deixaremos que destruam a nossa Mãe Terra, queremos nosso bem viver para nossos filhos, netos e bisnetos, não deixaremos que destruam a nossa terra, ela é sagrada, e se preciso for, vamos morrer por ela!
Aldeia Kapej, 25 de maio de 2019.
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